O presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), tem procurado interlocutores no meio jurídico para evitar a cassação do governador de Roraima, Antonio Denarium (PP), aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro, informaram à equipe da coluna duas fontes que acompanham o caso de perto.
Roraima é o menor colégio eleitoral do país, com apenas 366 mil pessoas aptas a votar, mas Alcolumbre mantém influência sobre o Estado e é próximo de Denarium. O governador entrou na mira do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) após ser condenado em três ações que apuram abuso de poder político e econômico – e que podem levar à cassação do seu mandato e à convocação de novas eleições.
No caso que será levado a julgamento hoje à noite, a coligação da ex-prefeita de Boa Vista Teresa Surita (MDB) acusa Denarium de turbinar gastos com programas sociais em pleno ano eleitoral e utilizar a máquina do Estado para garantir a sua reeleição, por meio da distribuição de cestas básicas e reforma na casa de eleitores.
A expectativa nos bastidores é a de que a relatora, ministra Isabel Gallotti, vote pela cassação e seja acompanhada pela presidente do TSE, Cármen Lúcia.
No mapa de votos, dois ministros da classe dos juristas podem ter papel-chave na definição do resultado: André Ramos Tavares e Floriano de Azevedo Marques, que chegaram ao TSE com o apoio do ex-presidente do TSE Alexandre de Moraes, com quem Alcolumbre mantém boa relação.
Mas a ofensiva de Alcolumbre para salvar o governador bolsonarista irritou o PT, que pretende apoiar a candidatura do senador à presidência da Casa no ano que vem.
Isso porque Denarium se notabilizou na última campanha eleitoral pelo discurso bolsonarista e antipetista, como expôs em uma live gravada em outubro de 2022 ao lado de Pablo Marçal, dizendo que o PT “foi erradicado” no Estado de Roraima.
“Roraima é o único Estado do Brasil que não tem nenhum vereador do PT, nenhum prefeito do PT, nenhum deputado estadual do PT, nenhum deputado federal do PT, nenhum senador, nem governador do PT. Aqui é direita, é crescimento, é Bolsonaro de novo”, afirmou Denarium.
Histórico
Esta não é a primeira vez que Alcolumbre age nos bastidores para preservar o mandato de políticos investigados pela Justiça Eleitoral.
No primeiro semestre, o presidente da CCJ procurou ministros do TSE para convencê-los a manter o mandato dos senadores Sergio Moro (União Brasil-PR) e Jorge Seif (PL-SC), em uma ofensiva que foi interpretada nos bastidores como uma forma de Alcolumbre sair em defesa da Casa, já tendo como pano de fundo a sucessão no Senado.
Moro acabou absolvido pelo TSE, mas o processo de Seif segue em banho-maria após o blog revelar que o relator do caso, Floriano de Azevedo Marques, mudou o voto e pretendia livrá-lo das acusações de que o empresário Luciano Hang, dono da rede varejista Havan, funcionou como cabo eleitoral de sua campanha, ajudando-o com a frota aérea da empresa e a sua equipe de funcionários.
Em nota, Alcolumbre disse que não possui “ingerência em demandas de foro jurídico” e afirmou que seus esforços são “inteiramente voltados ao Senado da República e ao Estado do Amapá”.
As acusações contra o governador
Na ação que será julgada hoje pelo TSE, Denarium é acusado pela coligação de Teresa Surita de repaginar o programa “Cesta da Família” em pleno ano eleitoral, com distribuição de cestas básicas ou de um cartão com crédito mensal de R$ 200 – criando, na prática, um novo programa social em pleno calendário eleitoral, o que é proibido pela Lei das Eleições.
O programa é resultado da fusão de outras duas iniciativas, o que fez o número de beneficiários saltar de 10 mil para 50 mil famílias em ano eleitoral — atingindo em torno de 150 mil pessoas num estado com população de 636 mil.
“Na sociedade, as ações assistencialistas geram um sentido profundo de gratidão entre parcela que delas usufrui e o gestor público, pois representam um alento para a privação de bens e serviços a que são submetidos diariamente”, aponta o vice-procurador-geral eleitoral, Alexandre Espinosa Bravo Barbosa, em parecer enviado ao TSE maio deste ano.
“Porém, ainda que presente tal circunstância extraordinária, em hipótese alguma é permitido o uso de programa assistencial como subterfúgio para promoção política pessoal, desvirtuando a finalidade estritamente assistencial.”
O governador também é investigado pela Justiça Eleitoral por lançar em plano eleitoral o programa “Morar Melhor”, que previa a reforma na residência de moradores do Estado, mesmo sem ter uma lei específica que criou a iniciativa. O projeto de lei que institui formalmente o programa só foi encaminhado pela própria administração Denarium à Assembleia Legislativa de Roraima em janeiro de 2023, ou seja, após as eleições.
Segundo o MP Eleitoral, o programa acabou expandido, com “o objetivo de alcançar até 10.000 reformas no ano de 2022, havendo um claro e evidente desequilíbrio na competição eleitoral, caso pensemos em 10 mil famílias sendo atingidas em um estado com a extensão de Roraima com a reforma ou a esperança de uma reforma, caso houvesse reeleição”.
A confirmação da Casa Legislativa pelo nome da esposa de Antonio Denarium, governador de Roraima, ocorre no mesmo dia em que a primeira-dama Pará, Daniela Barbalho, teve sua indicação anulada por decisão judicial.
O MP Eleitoral também viu abuso de poder político e econômico de Denarium na decisão do governo de destinar R$ 70 milhões a 12 municípios do Estado, um valor que “extrapolou toda e qualquer outra medida já empregada durante os três primeiros anos de mandato”.
Para efeito de comparação, o MP Eleitoral aponta que, no ano anterior, o governo destinou R$ 168,1 mil aos municípios do Estado para o enfrentamento de situações de emergência e calamidade em virtude das fortes chuvas na região.
Enquanto o governo estadual despejava recursos nos municípios, as redes sociais de prefeituras e prefeitos beneficiados com a verba milionária exaltaram a figura do governador.