Em tempos de cortes e números de views nas redes dominando as eleições, uma visita a um passado nem tão distante mostra como o uso da criatividade e do lúdico — no mundo real — dominava o jogo político no Brasil. Flâmulas, broches e santinhos eram primordiais nas campanhas. Se hoje essas peças perderam espaço nas ruas, lotam a casa do carioca Fernando França Leite, de 71 anos, apaixonado colecionador de um material que ajuda a contar a história das eleições no país.
— Não posso colecionar Mercedes Benz, então coleciono itens de campanha. É uma terapia para mim — brinca França, biólogo por formação e dono de um antiquário próximo à Praça Saens Peña, na Tijuca, Zona Norte do Rio, há mais de 35 anos.
Em sua casa em Piedade, no subúrbio carioca, ele guarda em caixotes um conjunto de peças aludindo a políticos de hoje e do passado. De Bolsonaro e Lula a Carlos Lacerda e Getúlio Vargas, passando pelos personagens dos principais pleitos que fazem parte do imaginário nacional.
A vassourinha do ex-presidente Jânio Quadros, que prometia varrer a corrupção, é vista nos mais diferentes exemplares. Em um repartimento de metal, típico de antigos kits de primeiros socorros, um frasco de penicilina carrega a miniatura da vassoura mergulhada e uma injeção. Isso era distribuído aos eleitores, além de cinzeiros, lápis e selos de cartas.
Responsável pela mudança da capital federal do Rio para Brasília, Juscelino Kubitschek explorou em flâmulas coloridas os monumentos projetados pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Assim como, décadas depois, Fernando Henrique Cardoso inventou um cofrinho e uma moeda para lembrar ao povo de que ele era o “pai do Real”.
Não faltam itens inusitados, como um preservativo distribuído na campanha de César Maia para governador em 1998. Considerado um dos nomes que revolucionaram a propaganda política por aqui, o ex-governador da Guanabara Carlos Lacerda é um dos destaques na coleção.
Peça do século XIX
Quando perguntado sobre o item mais antigo que integra seu “museu particular”, o colecionador corre até uma pilha de panfletos e a vasculha até encontrar uma em especial.
— O primeiro santinho era a imagem de um santo com um carimbo atrás, que costumava ser entregue nas paróquias, reduto social dos bairros à época — explica.
De acordo com França, a ideia teve origem anos antes, com os “cartões de visita” distribuídos pelo Imperador e por membros abastados da nobreza, como barões e viscondes. Em retratos assinados, eles faziam sua propaganda pessoal aos súditos.
França tem até itens importados, como buttons dos ex-presidentes americanos Barack Obama, da emblemática eleição de 2008, e John F. Kennedy, morto a tiros em 1963.
Hoje, os tradicionais santinhos estão aos poucos sumindo das praças e avenidas. Para o cientista político do FGV CPDOC Jairo Nicolau, esses sinais físicos foram desaparecendo não só pela ascensão do digital, mas por uma legislação mais restritiva contra o lixo eleitoral. Ele não acredita, contudo, que o modelo será encerrado no curto prazo:
— Deixou de ser o elemento central para os candidatos. Eles fazem, até por medo de não fazer, mas é cada vez menos eficiente. Muitos políticos explodiram sem praticamente irem às ruas.
Apesar de considerar os panfletos que coleciona “o mais importante documento das eleições”, França também reúne outros itens, como as sete constituições que o país teve, com direito a autógrafos dos constituintes de 1946, e variados títulos de eleitor.
— Tenho desde os primeiros, de 1890, ao mais atual.
Parentes e amigos o ajudam a encontrar novas peças, mas os familiares não têm a mesma paixão pelos caixotes:
— Se tivesse um museu sério com interesse de levar esse material, doaria tudo.