A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) analisa a abertura do processo administrativo para apurar se todas as informações sobre a mudança no comando da Petrobras foram divulgadas de forma correta, de acordo com uma fonte ligada ao órgão regulador e publicado neste domingo (21) pelo jornal O Globo.
O processo terá como base a Instrução 358 do órgão regulador, que determina que qualquer declaração que possa interferir no valor das ações de uma empresa com ação na Bolsa de Valores deve ser divulgado ao mercado ou através de fato relevante.
Em outras ocasiões, a CVM já alertou que, independente do cargo ou posição, é preciso atuar de maneira articulada com os canais institucionais da companhia aberta. Na quinta-feira à noite, em transmissão em rede social, o presidente Jair Bolsonaro criticou a alta nos preços dos combustíveis e disse que iria fazer “mudanças” na estatal.
Com isso, após um dia inteiro de especulações, a estatal perdeu em valor de mercado R$ 28,2 bilhões, após as ações preferencicais (PN, sem direito a voto) caírem 6,63% (para R$ 27,33) e as ordinárias (ON, com direito a voto) registrarem queda de 7,92% (para R$ 27,33) na B3, a Bolsa de Valores de São Paulo.
E, na sexta-feira à noite, através de nota do Ministério de Minas e Energia, foi indicado para a presidência da estatal o general da reserva Joaquim Silva e Luna, atual diretor-geral da Itaipu Binacional.
Mudança do estatuto prevê indenização
Especialistas e fontes ligadas ao conselho de administração da Petrobras lembraram ainda que toda essa mudança no comando da estatal foi motivada com o objetivo de dar ao governo maior poder de gestão na política de preços dos combustíveis. O que essas fontes lembram é que essa “estratégia” pode gerar discussão jurídica caso fique comprovado que isso está gerando perdas financeiras à estatal.
Isso porque entre o fim de 2017 e o início de 2018, a Petrobras, sob o comando de Pedro Parente e Ivan Monteiro, alterou seu estatuto social no qual obriga o governo a indenizar a estatal em caso de perdas financeiras provocadas por interferências políticas.
De acordo com o artigo 3, a União somente poderá orientar a companhia a assumir obrigações ou responsabilidades, como a realização de projetos de investimento e a comercialização de combustíveis, “em condições diversas às de qualquer outra sociedade do setor privado”.
Caso esses critérios não se adequem a essas condições de mercado, a União terá de “compensar, a cada exercício social, a companhia pela diferença” entre as condições de mercado (definidas pelo Comitê de Investimentos e o Comitê de Minoritários) e o resultado operacional ou retorno econômico da obrigação que foi assumida.
Todas essas regras foram retificadas no último dia 30 de novembro de 2020, quando foi realizada a última Assembleia Geral Extraordinária.
Estatuto é certidão de nascimento da empresa
Marcelo Godke, especialista em direito empresarial e sócio do Godke Advogados, disse que o estatuto social é o instrumento básico das regras de governança e das obrigações e direitos dos acionistas.
– E todos devem seguir, sobretudo a administração. O controlador tem que seguir o estatuto da empresa e pode ser punido com ações para indenizar os acionistas. Apesar de a União ser a controladora em uma empresa de capital misto, é preciso seguir o estatuto social e a lei das S.A.
O advogado Hebert Vieira Durães, professor de direito empresarial da Faculdade Irecê, na Bahia, explica que o estatuto social de uma empresa funciona como a “certidão de nascimento” da companhia ao mesmo tempo em que rege a dinâmica jurídica e administrativa da empresa.
– Ela serve para definir, em síntese, de forma clara, quais são os direitos e deveres dos acionistas e os limites dos poderes dos seus dirigentes. Portanto, todos devem seguir, religiosamente, as diretrizes definidas no estatuto social, inclusive o presidente da república – afirmou Durães.