Ensaiada desde 2019, uma conciliação entre as facções criminosas Comando Vermelho (CV) e Primeiro Comando da Capital (PCC) selou uma trégua, agora em âmbito nacional, capitaneada por seus chefes máximos: Márcio dos Santos Nepomuceno, o Marcinho VP, e Marco Willian Herbas Camacho, o Marcola. A informação foi publicada inicialmente pelo portal Metrópoles e confirmada por Aline Ribeiro e Vera Araújo, em reportagem do jornal O Globo.
Conhecidos como “salves”, os avisos internos do PCC de que agora é proibido matar integrantes da facção concorrente ou invadir território alheio começaram a pipocar por todo o Brasil nesta semana. Em especial em estados do Norte e Nordeste, onde o CV é predominante.
— Na verdade, desde a internação do Marcola (em agosto de 2023), essa trégua de fato já existia no Rio e em São Paulo. Agora ela se espalhou por outros estados — diz o promotor Lincoln Gakiya, do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público de São Paulo.
A intenção do armistício é combater as regras impostas pelo Sistema Penitenciário Federal, onde estão presos os principais nomes de ambas as facções. Também esteve à mesa o compartilhamento das duas principais rotas de escoamento da droga do Brasil: a Caipira, que leva cocaína produzida na Colômbia, Bolívia e Peru pelo interior de São Paulo e Triângulo Mineiro até a África e Europa, monopolizada pelo PCC; e a do Solimões, no Amazonas, dominada pelo CV.
A notícia da trégua preocupou representantes das forças de segurança. Marcus Vinícius Oliveira de Almeida, secretário de Segurança Pública do Amazonas, teme que a união se volte contra o Estado:
— Estamos bastante preocupados. A gente compreende que uma união dessas organizações criminosas, que deveriam, inclusive, já terem sido classificadas como terroristas, certamente terá reflexo negativo contra a população no curto prazo — frisa.
Um integrante do alto escalão do Sistema Penitenciário Federal afirmou, conforme o jornal O Globo, que ainda não há trégua totalmente estabelecida. De acordo com essa fonte, a Secretaria Nacional de Políticas Penais está monitorando a situação. Interlocutores da Polícia Federal (PF) também ponderam que informações que confirmem o acordo ainda não foram detectadas.
Secretário de Segurança do Rio, Victor Santos relata que uma possível aproximação entre as duas facções foi tema de uma reunião recente que contou com a participação do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski. No encontro, especulou-se que o PCC poderia enxergar o CV como uma espécie de braço armado, enquanto a própria quadrilha paulista entraria com uma atuação mais sofisticada, compondo uma espécie de joint venture do crime.
Segundo Santos, o setor de Inteligência da pasta ainda não captou a confirmação de que a parceria efetivamente avançou. A possibilidade, no entanto, é vista como provável, nos moldes de acordos costurado no passado pelo PCC junto a milicianos do estado.
— Hoje em dia, para eles, é tudo pelo negócio. Esquece tráfico de drogas. Hoje é território. Quando brigam, é por áreas — analisa o secretário de Segurança do Rio.
Parceria
Em entrevista ao jornal O Globo no ano passado, o promotor Lincoln Gakiya já havia relatado que a trégua vem sendo costurada desde 2019. Naquele ano, Marcola havia sido recém-transferido para o sistema federal, mais rigoroso, e foi procurado por advogados enviados pelo CV para tentar fechar um acordo. Assim como o chefe do PCC, integrantes da quadrilha rival também estavam sob o mesmo regime, que havia endurecido ainda mais as regras depois de receber integrantes da organização paulista.
Ao ouvir sobre o pedido de paz, Marcola teria respondido que o inimigo deles era o Estado, não o crime, e que eles deveriam, sim, se unir novamente. Naquele momento, porém, a conciliação passou a valer apenas para os estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, sendo só agora estendida a outros pontos do país.
Durante a negociação do armistício, representantes do CV pediram ao PCC para financiar ações jurídicas em benefício de ambos, com a contratação de juristas renomados para elaborar pareceres que embasassem pedidos de redução no rigor do cumprimento das penas, como a volta das visitas fora do parlatório.
Gakiya afirma que o PCC liberou, naquela ocasião, pelo menos R$ 10 milhões de seus cofres para pagar a produção dos documentos, as custas judiciais e os honorários de advogados. Eles atuavam não diretamente a serviço dessas facções, mas dissimulados sob a estrutura de ONGs ligadas a presos.