Os custos de importação de gás natural liquefeito (GNL) pelo Brasil aumentaram segundo a Reuters mais de 85% neste ano, impulsionados pela disparada de preços no mercado internacional com a crise energética na Europa, ainda que o volume de gás demandado para geração termelétrica tenha diminuído sensivelmente.
Para analistas, o aperto no mercado internacional de gás, que deve perdurar nos próximos anos, eleva o risco associado à dependência do Brasil das importações de GNL, além de expor as dificuldades do país de aproveitar sua oferta abundante de gás por falta de infraestrutura.
Dados da consultoria Wood Mackenzie apontam que os custos de importação de GNL pelo Brasil somaram 2,99 bilhões de dólares entre janeiro a agosto de 2022, acima do total de 1,60 bilhão de dólares verificado no mesmo período de 2021.
Esse aumento está associado à forte alta recente dos preços do gás, principalmente com a crise de energia na Europa, na esteira da diminuição do fornecimento de gás pela Rússia.
Os preços em alta se sobrepõem à queda dos volumes de GNL importados pelo Brasil neste ano, a uma média de 15 milhões de metros cúbicos por dia entre janeiro e agosto, ante 22 milhões de metros cúbicos por dia em igual período de 2021, conforme dados da Wood Mackenzie.
“O problema é que o Brasil está exposto aos preços spot que refletem nesse momento o spot da Europa… Atualmente (os preços) estão acima de 50, 60 dólares por milhão de BTU, chega a ser 10 vezes mais do que no começo do ano passado”, explica Mauro Chavez, head de estudos de mercados de gás na Europa da Wood Mackenzie.
Levantamento da consultoria Gas Energy mostra que o acionamento de usinas termelétricas –principal consumidor de GNL no Brasil– teve forte queda a partir de março, quando o governo decidiu suspender o chamado “despacho fora da ordem de mérito”, acionado no ano passado em meio a uma grave crise hídrica.
A demanda brasileira por energia das termelétricas se reduziu bastante neste ano, já que o período úmido trouxe chuvas favoráveis, que ajudaram a elevar o nível dos reservatórios das hidrelétricas, principal fonte de eletricidade no país.
O operador do sistema elétrico ONS estima que o Brasil chegará ao final de setembro com 49,4% de capacidade nos reservatórios das hidrelétricas no Sudeste/Centro-Oeste. Em setembro do ano passado, o nível chegou a 15%.O Brasil ainda tem algumas térmicas a GNL ligadas, que operam como inflexíveis, sendo acionadas o tempo todo pelo ONS, explica o presidente da consultoria PSR, Luiz Barroso.
“Hoje o Brasil está em situação muito melhor (do que em 2021), o reservatório cheio nos dá um pulmão para que não precisemos ligar essas térmicas. E coloca no ONS uma responsabilidade muito forte de fazer uma boa gestão desse estoque de água”, disse Barroso.
Risco da dependência aumenta
O cenário de maior demanda por gás e rearranjo do suprimento à Europa deve fazer com que o Brasil veja maior competição pelo gás dos Estados Unidos, grande produtor mundial e maior fornecedor ao mercado brasileiro.
Bruno Pascon, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), afirma que os preços spot de referência na Europa estão mais atrativos aos fornecedores de GNL do que os de referência do mercado brasileiro.
“A gente vai deixar de contar com os EUA, o preço médio de GNL para o Brasil estava em 32 dólares, metade do preço de venda para a Europa, obviamente os EUA vão privilegiar o parceiro histórico que é a Europa, em detrimento do Brasil e América do Sul”, avalia Pascon.
O CEO da Gas Energy, Rivaldo Moreira Neto, afirma que aumentou a percepção de risco sobre a dependência do Brasil das importações, uma vez que o mundo está enxergando o GNL como um combustível muito demandado ainda por um bom tempo.
“Se não tivermos um período úmido favorável (para hidrelétricas)… teremos que disputar esse GNL com o mercado europeu e o asiático, e não há tantos desenvolvimentos por parte da oferta.”
Os especialistas observam que, nesse novo cenário, os Estados Unidos têm firmado com países europeus contratos de longo prazo, que são essenciais para viabilizar investimentos em nova capacidade de GNL. Já no caso do Brasil, os contratos negociados costumam ser de curto prazo.
Para eles, é fundamental que o Brasil avance com projetos de infraestrutura de escoamento do gás, a fim de reduzir os níveis de reinjeção nos poços e aproveitar o aumento dos volumes de produção que virá do pré-sal.
“O Brasil poderia se tornar autossuficiente em gás natural a um custo muito mais baixo que o da importação… Se não resolvermos os gargalos que temos, construir rotas de escoamento, vamos continuar desperdiçando um gás que tem valor muito estratégico”, disse Pascon.
Segundo a estatal EPE, a produção líquida de gás natural do Brasil deve aumentar de 64 milhões de metros cúbicos por dia para 136 milhões em 2031, com aceleração a partir de 2026 devido à expectativa de expressiva produção no pós-sal da Bacia do SEAL (Sergipe-Alagoas) e do pré-sal nas Bacias de Campos e Santos.
O diretor do CBIE destaca o atraso da entrada em operação do Rota 3, gasoduto da Petrobras que escoará gás do pré-sal da Bacia de Santos, com capacidade de aproximadamente 18 milhões de metros cúbicos por dia.
“A EPE já estima pelo menos mais três rotas só para escoar o gás do pré-sal até o fim da década. Mas isso demora… então já deveríamos estar andando com esses projetos”, disse.
Já do lado da demanda, ele afirma que os principais setores-âncora para o gás têm avançado com projetos, mencionando os 8 GW de termelétricas previstas na lei de privatização da Eletrobras e o recente plano de fertilizantes lançado pelo governo.