Imagine a seguinte situação: uma mulher vítima de violência doméstica se dirige à delegacia especializada para registrar a ocorrência, mas não consegue se comunicar com a equipe por ser surda e não haver intérprete da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS no local. A mulher dirige-se, então, à Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA para conseguir orientações sobre como proceder neste caso e buscar assistência jurídica.
Embora pareça hipotética, a situação foi real e reafirmou a importância de haver uma equipe multidisciplinar capacitada para se comunicar com pessoas surdas que se enquadram no público vulnerável atendido pela DPE/BA.
“A assistida é uma surda alfabetizada (em Língua Portuguesa), daí fizemos a triagem e proporcionamos o atendimento da forma mais inclusiva possível. Sabemos que uma assistida em situação de violência doméstica já sofre em outros espaços, então temos todo o cuidado no acolhimento”, afirmou a assistente social Deisiene Cruz, servidora que atua na Especializada de Defesa dos Direitos Humanos.
Esta foi uma das situações que motivaram a capacitação em LIBRAS de servidores das diversas áreas de atuação da Defensoria baiana. O curso prático é ofertado através de parceria firmada com a Prefeitura Municipal de Salvador por meio da Unidade de Políticas Públicas para Pessoas com Deficiência – UPCD. A turma, atualmente com 35 alunos, iniciou as aulas em janeiro de 2020 e segue até o mês de julho.
Deisiene participa pela primeira vez de um curso de LIBRAS, apesar de muito antes compreender a relevância para a atuação profissional e também para lidar com surdos no dia a dia. “É importante saber praticar e conhecer a língua sobretudo porque, na Especializada de Direitos Humanos, a gente atua com todas as vulnerabilidades sociais por meio dos assistidos. Recebemos diariamente pessoas que demandam que nós tenhamos acolhimento com uma perspectiva inclusiva. E o curso de LIBRAS é fundamental para isto”, destaca.
Além da assistente social, a turma é composta ainda por servidores que atuam como psicólogos, psiquiatras, terapeutas ocupacionais, agentes educacionais, atendentes especializados, entre outros profissionais de vários órgãos e instituições.
Instrutora de LIBRAS e ministrante do curso, Luana Rodrigues destaca que a heterogeneidade da turma visa proporcionar aos surdos maior acesso aos serviços públicos. “Uma das formas principais de comunicação que surdos têm é a LIBRAS e, se o servidor não tem o conhecimento mínimo necessário, aquele serviço público pode não alcançar o usuário. Muitas pessoas surdas não conseguem acessar determinados serviços porque a equipe não tem conhecimento em LIBRAS”, afirma.
Luana Rodrigues destaca ainda que o grande desafio para o aprendizado da Língua Brasileira de Sinais é a prática, uma vez que a maioria das pessoas não tem contato ativo com a comunidade surda.
“A não participação na comunidade surda é um fator chave para a pessoa não se desenvolver de forma fluente, mas, na medida do possível, a gente consegue reverter isso por conta do acesso do surdo ao serviço público. O servidor será constantemente instigado a treinar porque, quando um surdo sabe que naquele lugar há alguém com conhecimentos básicos em LIBRAS, ele divulga para todos os outros surdos, que passarão a buscar aquele espaço”, avalia.
Sistema de Justiça
Coordenadora da Especializada de Direitos Humanos, a defensora pública Lívia Almeida destaca que a capacitação dos servidores foi viabilizada através do contato com a Secretaria de Promoção Social e Combate à Pobreza – Sempre, que oferece o curso a servidores municipais
“A Defensoria Pública, muitas vezes dentro do Sistema de Justiça é a primeira porta que as pessoas vulnerabilizadas batem. Quando a vulnerabilização está associada à surdez, há a potencialização do quadro. Então, para a gente é importante ter a capacitação necessária ao atendimento do nosso público. É uma forma de multiplicar o conhecimento e ampliar o acesso aos nossos serviços.