O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, criticou em entrevista divulgada nesta última segunda-feira (14) o “poder muito grande” da Câmara dos Deputados frente ao governo federal e Senado e criou atrito com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que decidiu cancelar a reunião marcada para a noite dessa segunda em que seria discutido o projeto de lei do novo marco fiscal. A reação de Lira, que foi às redes sociais reclamar contra “manifestações enviesadas”, levou Haddad a sair do gabinete para esclarecer suas declarações à imprensa.
A fala que estremeceu a relação entre o ministro e o presidente da Câmara ocorreu em entrevista ao programa “Reconversa”, no YouTube. Haddad destacou que as negociações com os deputados não estão fáceis, que há “uma coisa estranhíssima que é uma espécie de parlamentarismo sem primeiro-ministro” e que a Câmara está “com um poder muito grande”.
“Passei nove anos em Brasília, no primeiro governo Lula e na Dilma, e nunca vi nada parecido. Tem que haver uma moderação aí, que tem que ser construída. Ela ainda não está às mil maravilhas”, falou o ministro. “A Câmara está com um poder muito grande e ela não pode usar esse poder para humilhar o Senado e o Executivo. Mas, de fato, ela está com um poder que eu nunca vi na minha vida”, reforçou. As informações são de Raphael Di Cunto, Guilherme Pimenta, Rafael Bitencourt e Jéssica Sant’Ana, do jornal Valor.
Ele também disse que construiu “boa relação” com o presidente da Câmara em dezembro, com a aprovação da proposta de emenda à Constituição (PEC) da Transição, embora tenha ressalvado que eles aparecem sempre sorrindo nas fotos, mas há “debates acalorados” nas reuniões. Guardou o principal elogio, porém, para o diálogo “espetacular” com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
O que irritou mais Lira foi o comentário de que as instituições ficam e as pessoas passam, o que considerou uma fala dirigida a ele. “O bom da democracia é que a pessoa não vai ter esse poder para sempre. A instituição pode ter, mas você não sabe na mão de quem ela [instituição] vai estar daqui com dois, quatro, dez anos”, disse Haddad.
A entrevista fez com que Lira cancelasse a reunião com técnicos da Fazenda, líderes partidários e o relator do novo marco fiscal do país, o deputado federal pela Bahia, Cláudio Cajado (PP), para discutir as emendas do Senado ao projeto. A intenção era iniciar o debate em torno do texto, embora aliados dele ressalvassem que o mais provável era a votação ocorrer só na próxima semana, após a reforma ministerial que deve incluir PP e Republicanos no ministério.
Os deputados precisam decidir se concordam com as emendas do Senado que tiraram o Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) e as verbas para ciência e tecnologia da nova regra fiscal, se mantém a atual forma de correção do Fundo Constitucional do Distrito Federal e, a mais polêmica, se permite ao governo federal incluir cerca de R$ 30 bilhões em despesas “condicionadas” no projeto de Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2024 que será enviado dia 31.
O encontro entre os deputados para debater essas emendas foi adiado para algum outro dia desta semana, e Lira foi ao Twitter defender que a Câmara “tem dado sucessivas demonstrações de que é parceira do Brasil, independente do governo de ocasião”, com a votação de “todos os projetos de interesse do país” com “seriedade e celeridade”. “Manifestações enviesadas e descontextualizadas não contribuem no processo de diálogo e construção de pontes tão necessários para que o país avance”, afirmou.
Lira ainda rebateu nas redes sociais que “é equivocado pressupor que a formação de consensos em temáticas sensíveis revela a concentração de poder na figura de quem quer que seja” e que essas negociações têm ocorrido com “credibilidade e diálogo permanente” com os deputados. “Essa missão é do governo, e não do presidente da Câmara, que ainda assim tem se empenhado para que ela aconteça”, disse.
Após a repercussão da entrevista, e cancelamento da reunião, Haddad telefonou para Lira para se explicar e ouviu do presidente da Câmara a “recomendação” de que fizesse as afirmações publicamente, à imprensa, porque teria parecido uma “crítica pessoal”. “Longe de mim querer criticar a atual legislatura. Era justamente uma reflexão para que a gente estabelecesse regras mais estáveis e duráveis pensando no futuro da relação entre Executivo, Senado e Câmara Federal”, disse Haddad.
Ele buscou minimizar a repercussão ao dizer que as declarações foram tomadas como crítica à atual legislatura, mas que fez uma reflexão sobre o fim do presidencialismo de coalizão, que vigorou nos governos anteriores do PT com a ocupação de espaços no Executivo pelos partidos em troca do apoio deles no Congresso. “Isso não foi substituído por uma relação institucional mais estável”, disse, na entrevista.