A eleição de 2024 pode representar uma mudança histórica na configuração da política nacional, com o MDB pela primeira vez tendo sua hegemonia no número de prefeitos eleitos no país ameaçada por siglas criadas a partir da última década. Levantamento do jornal O Globo, mostra que o PSD e o União Brasil, duas dessas novas nomenclaturas, cresceram num ritmo superior à média das demais legendas nos últimos anos e hoje comandam três de cada dez cidades do país.
O raio-X inédito do avanço das agremiações desde 1996 revela que, apesar de o MDB ainda manter uma presença significativa em todas as regiões do país, PSD e União, juntos, cresceram 33% desde a última eleição. No mesmo período, boa parte das outras legendas perderam prefeituras, numa redução média de 10%. A conta considerou apenas partidos com pelo menos 30 prefeituras, para evitar distorções.
Os dados evidenciam ainda uma consolidação dos partidos de centro-direita no topo do ranking de prefeituras, deixando PT e PL, partidos que hoje polarizam as discussões políticas nacionalmente, mais para baixo.
Peso dos líderes locais
A mudança de cenário é puxada principalmente pelo avanço do PSD, fundado em 2011 por Gilberto Kassab, que ultrapassou o MDB e hoje tem 1040 prefeituras. O número foi alavacado principalmente em São Paulo, onde o cacique partidário é secretário do governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos). Depois de eleger 64 prefeitos em 2020, o partido hoje comanda 306 cidades, quase metade das 645 do estado.
— Estamos vivendo no Brasil um novo momento de reacomodação partidária. É natural que um partido mais novo tenha mais espaço para essas novas acomodações — disse Kassab ao GLOBO. Pelas contas da própria legenda, o número de novos prefeitos filiados é ainda maior, de 1047.
Um cruzamento dos dados com auxílio de Inteligência Artificial (IA), revisado pela reportagem, mostra a relação da eleição de governadores em 2022 com o avanço das legendas em cada estado. Metade do crescimento das siglas se deu onde o partido elegeu governadores há dois anos. Quando considerados também os vice-governadores, o percentual sobe para 63%.
O União Brasil, que junto com o PT foi a sigla que mais elegeu governadores há dois anos, por exemplo, teve 67,5% do seu crescimento nos quatro estados em que venceu a eleição em 2022. O partido, ao todo, filiou 200 novos prefeitos — 135 em Goiás, Mato Grosso, Rondônia e Amazonas.
A legenda foi oficializada em 2022, fruto da fusão do DEM com o PSL. O atual presidente da legenda, Antonio Rueda, afirma que o avanço no número de prefeitos filiados é fruto do trabalho de seus governadores e de líderes regionais.
— É preciso ter bons quadros e uma retaguarda política para avançar no número de prefeituras. Os governos estaduais têm muita influência na disputa municipal — afirmou o dirigente do União.
Situação semelhante ocorreu com o Republicanos. No Tocantins, passou de apenas um gestor eleito em 2020 para 44 após o término do prazo para prefeitos mudarem de partido, encerrado em abril. A diferença foi a eleição de Wanderlei Barbosa como governador do estado, em 2022.
— Quando o governador é envolvido politicamente, se dedica também à política e não só a gestão, é natural que o pessoal queria vir para o partido do governador — disse o presidente do Republicanos, o deputado federal Marcos Pereira.
A ajuda de governadores também ajudou o PT a superar seu pior resultado eleitoral dos últimos anos em 2020, com 182 prefeitos eleitos. O partido agora tem 257, um saldo final de 75 prefeituras a mais. Considerando apenas os quatro estados que o PT governa — Rio Grande do Norte, Piauí, Ceará e Bahia—, foram 72 novas filiações.
— Óbvio que estar no governo federal ajuda, mas não só. Em 2020 estávamos em um momento bem difícil, ninguém nem queria fazer aliança com o PT — disse a presidente do partido, Gleisi Hoffmann.
A análise regional dos dados aponta que partidos da base do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, como MDB, PSD, União, PSB e o próprio PT — cresceram em um ritmo médio três vezes maior nos municípios do Nordeste do país do que nas demais regiões.
Capilaridade
O MDB, por exemplo, ampliou seu domínio em Alagoas, onde passou 38 para 66 prefeitos filiados com a influência do governador Paulo Dantas (MDB), do senador Renan Calheiros e do ministro dos Transportes, Renan Filho. Baleia Rossi, presidente do partido, enaltece a capilaridade da sigla.
— Com 2 milhões de filiados e com diretórios em quase todos 5 mil municípios, o MDB é sempre forte no interior — disse Rossi.
Já o principal partido de oposição a Lula, o PL, de Jair Bolsonaro, cresceu mais nas regiões Sul e Sudeste. No Rio Grande do Sul, subiu de 10 para 24 prefeitos, e no Rio de Janeiro, berço do bolsonarismo, se tornou o maior partido, no comando de 21 municípios.
Apesar da queda no Nordeste, a sigla comandada por Valdemar Costa Neto conseguiu manter alguns redutos que vão além da influência de Bolsonaro. No Maranhão, por exemplo, embora tenha perdido seis prefeituras desde 2020, se mantém como o maior partido do estado. O cacique do PL atribui o resultado ao trabalho dos deputados Josimar Maranhãozinho e Detinha.
— Eles ajudam os prefeitos e nossos vereadores. São desprendidos. Coisa rara na política — afirmou Valdemar.
O presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), avalia que a disputa de quem será o maior partido na eleição deste ano se concentrará nas siglas de centro. Ex-ministro de Bolsonaro, ele inclui o PL na lista.
— Será uma disputa muito forte entre partidos de centro. PSD, MDB, Progressista, União? Acho que vão sair todos do mesmo tamanho. O PL também — avaliou Nogueira.
Entre os partidos que mais perderam prefeituras, o PSDB trata a eleição de 2024 como um primeiro passo para tentar se reeguer no cenário nacional. Após amargar seu pior resultado eleitoral em 2020, quando elegeu 523 prefeitos, a sigla viu 40% deles deixarem a legenda. A situação só não foi pior por causa de três estados em que elegeu governadores: Mato Grosso do Sul, Pernambuco e Rio Grande do Sul, que responderam por 97% das novas filiações.
— As eleições municipais serão uma transição para 2026, quando o foco será ter um bom candidato à Presidência da República, um bom projeto de governo, candidatos aos governos, ao Senado e eleger uma bancada forte na Câmara Federal — disse Marconi Perillo, que assumiu o comando da legenda no fim do ano passado.
A ideia de que a eleição municipal ajudará no resultado da disputa de 2026 é corroborada pelo cientista político e professor da Universidade Federal do Paraná, Emerson Cervi.
— As eleições municipais são importantíssimas. Na prática, são as nossas eleições de meio de mandato, são elas que nos dão a temperatura do que vai acontecer dois anos depois, principalmente da eleição para o Congresso Nacional, que depende majoritariamente de estruturação, base social e visibilidade do candidato — afirmou o especialista.