Em um ritmo diferente ao observado na CPI da Covid, quando um bloco majoritário que reunia presidente e relator ditava o andamento dos trabalhos, a comissão que investiga os ataques de 8 de janeiro tem sobressaltos, alguns deles segundo Lauriberto Pompeu, do O Globo, provocados por divergências de visão entre o chefe do colegiado, o deputado federal pela Bahia, Arthur Maia (União Brasil), e a responsável pelo relatório final da apuração, a senadora Eliziane Gama (PSD-MA).
Os desencontros ocorrem a respeito da ordem de depoimentos, já passaram pela postura a ser adotada em relação ao comportamento de testemunhas e investigados e, especialmente, sobre o grau de afinidade com o Palácio do Planalto. Apesar de ambos integrarem legendas com assento na Esplanada, Eliziane é mais próxima ao governo — é uma das principais aliadas do ministro Flávio Dino (Justiça) —, e Maia emite sinais difusos.
Com maioria na CPI, a base do presidente Lula tem conseguido emplacar a maior parte da agenda, como as convocações do ex-ministro da Justiça Anderson Torres e do tenente-coronel Mauro Cid, que foi ajudante de ordens de Jair Bolsonaro. A expectativa dos governistas é que os personagens ajudem a emparedar o ex-presidente. Há, no entanto, uma disputa sobre quando eles serão ouvidos. Eliziane e seus aliados mais próximos gostariam dos depoimentos o quanto antes, mas Maia, responsável pela pauta, já indicou que ao menos a oitiva de Torres ficará mais para a frente. A relatora, em contraposição, disse que preferia Torres como o primeiro a ser ouvido e ainda insiste para que ele vá ao colegiado antes do recesso, previsto para a segunda quinzena de julho.
— Na última reunião, o presidente Arthur Maia disse que ouviria antes do recesso as pessoas que são relacionadas a episódios anteriores ao dia 8 de janeiro. Anderson Torres é totalmente ligado ao dia 8 — justifica o deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP), aliado de Maia.
Reunião de véspera
O deputado governista Rogerio Correia (PT-MG) disse que o ideal seria ouvir o ex-ministro e Cid o quanto antes, mas reconheceu que a base está na dependência de Maia neste caso.
A primeira semana de votação de requerimentos já havia evidenciado a divisão entre os desejos da base governista e as intenções do presidente da comissão. Na véspera da votação que aprovou as convocações de Torres e Cid, a bancada do governo havia se reunido para alinhar estratégias. Maia não participou.
Um dia depois, o governo conseguiu aprovar os nomes que podem dar dor de cabeça a Bolsonaro, ao mesmo tempo que barrou a convocação do general GDias, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) de Lula, e do ministro da Justiça, Flávio Dino. Maia não escondeu a insatisfação e classificou como “constrangedora” a ausência de nomes ligados ao petista. Eliziane retrucou se dizendo “constrangida” por não ouvir Torres primeiro. Após a queixa de Maia, a convocação de GDias foi pautada novamente e aprovada. A de Dino ainda não foi analisada de novo.
Na última semana, a condução de Maia na sessão que ouviu Silvinei Vasques, ex-chefe da Polícia Rodoviária Federal (PRF), foi criticada por parlamentares da base. Vasques, que é investigado por suspeitas de bloquear estradas visando a favorecer Bolsonaro no dia do segundo turno, foi acusado por parlamentares de ter mentido ao apresentar dados das blitzes na comissão. Mentir em um depoimento na condição de testemunha pode resultar em prisão, mas o presidente da CPI evitou a medida.
Como revelou O O Globo ontem, a PRF contestou as informações. Em depoimento, Vasques afirmou aos parlamentares que só cinco ônibus foram recolhidos no Nordeste no segundo turno. Ao O Globo, a corporação informou que, na verdade, foram apreendidos nove ônibus. No Sudeste, por exemplo, que reúne os dois maiores colégios eleitorais do país, houve apenas uma apreensão. Segundo a PRF, naquele dia, 13 veículos com passageiros foram retidos — 70% no Nordeste.
“Não é circo”
Evidenciando a diferença com o presidente da CPI, Eliziane já anunciou que aceitou um pedido do PSOL e vai solicitar ao Ministério Público para que seja apresentada uma notícia-crime contra Vasques. Na sessão seguinte, Maia reforçou a decisão de não determinar a prisão ao dizer que não é do seu “feitio utilizar de espetáculo circense para chamar a atenção”.
Nesse caminho sinuoso, governistas evitam entrar em confronto aberto com o presidente da comissão, que apoiou a tentativa de reeleição de Bolsonaro, mas hoje tem indicados em cargos na Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) na Bahia.
Exemplificando os recados em direções diversas, na mesma semana em que se reuniu com o vice-presidente Geraldo Alckmin, a quem chamou de “querido amigo e grande homem público”, Maia recusou o pedido da base para impedir o senador Marcos do Val (Podemos-ES) de participar da comissão, após a operação em que a PF cumpriu mandados de busca e apreensão contra ele. Do Val, no entanto, pediu licença do Senado e abriu mão de ser membro do colegiado.
Pontos de vista distintos
- Ordem de depoimentos — Maia reclamou de, num primeiro momento, aliados de Lula terem sido poupados. Eliziane, por sua vez, se queixou de Anderson Torres não ter sido ouvido ainda.
- Ex-chefe da PRF — Eliziane disse que incluirá no relatório pedido de apuração contra Silvinei Vasques. Maia retrucou cobranças por prisão em flagrante e disse que CPI não é circo.
- Palácio do Planalto — A senadora é aliada do governo, enquanto Maia oscila e emite sinais difusos sobre a relação.