Passados apenas cinco dias de sua instalação, a Comissão Parlamentar de Inquérito mista do 8 de janeiro já recebeu 467 requerimentos protocolados no Congresso Nacional até esta terça-feira (30).
Segundo a colunista Malu Gsspar, do O Globo, é provavelmente um recorde e um feito memorável para um colegiado que oficialmente tem provocado pouco entusiasmo na base do governo e até na oposição.
A exemplo de comparação, são 114 requerimentos a mais do que os pedidos protocolados na CPI da Covid no Senado Federal no mesmo período.
A CPI da Covid foi alvo de muita disputa e só foi instalada por ordem do STF. Exerceu intensa pressão sobre Jair Bolsonaro, assumiu protagonismo na agenda do Congresso e se tornou um objeto de interesse nacional, situação bem diferente da atual comissão mista, que pelo menos até agora tem sido esnobada pela base aliada e desacreditada pela oposição bolsonarista.
A próxima reunião da comissão está marcada para a próxima quarta-feira, 31.
Nos últimos dias, deputados e senadores solicitaram desde o depoimento de personagens do 8 de janeiro até a quebra de sigilo telefônico e bancário de presos pelos ataques e até do ministro da Justiça, Flávio Dino.
Foram protocolados requerimentos para que deponham como investigado ou testemunha personagens que vão desde o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) Gonçalves Dias até aliados de Jair Bolsonaro enrolados na trama do 8 de janeiro, como o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, o ajudante de ordens Mauro Cid, pego em diálogos golpistas, além de Ailton Barros, Elcio Franco e do ex-ministro do GSI General Heleno.
A oposição domina com larga vantagem o número de requerimentos – 300, até agora. Há muitos pedidos repetidos, além do registro em bloco, sugerindo que deputados e senadores deflagraram uma competição informal para faturar com a marcação de depoimentos ou quebras de sigilo acatadas. Só o ex-ministro Gê Dias tem 13 convocações protocoladas.
O parlamentar que mais apresentou requerimentos é o senador Izalci Lucas (PSDB-DF), de oposição, que registrou 110. Em sequência vêm outros dois bolsonaristas, Alexandre Ramagem (PL-RJ), com 48 pedidos, e Marco Feliciano (PL-SP), com 45, empatado com a governista Duda Salabert (PDT-MG).
O teor dos requerimentos indica que os bolsonaristas seguem firmes na estratégia de disputar a narrativa do 8 de janeiro nas redes sociais com o governo. Todo o discurso bolsonarista é baseado no argumento de que houve negligência do governo em relação aos alertas de invasão das sedes dos três poderes.
Há muitos requerimentos para colher o depoimento de ministros chave de Lula no dia dos ataques, como Dino, Gonçalves Dias e José Múcio (Defesa),o então interventor do DF, Ricardo Cappelli, autoridades da Polícia Militar do Distrito Federal, do GSI e da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e terroristas presos em Brasília.
Bolsonaristas como Damares Alves (Republicanos-DF) também solicitaram a disponibilização das imagens de câmeras das sedes dos Três Poderes atacadas em 8 de janeiro e até de locais que não foram alvo de vandalismo, como as sedes do Itamaraty e o da Justiça — onde diversos ministros, incluindo Dino, acompanharam as invasões e deliberaram sobre a resposta aos atentados.
Outro possível escopo a partir dos requerimentos é a defesa dos bolsonaristas presos no dia seguinte aos ataques no quartel-general do Exército em Brasília. Há solicitações de apoiadores de Bolsonaro para convocar autoridades do sistema penitenciário da capital federal, um possível aceno à narrativa de violações de direitos humanos alimentada desde janeiro.
Já entre os governistas fica claro o objetivo de aproveitar as prerrogativas de uma comissão de inquérito pararecolher informações estratégicas, com a solicitação, por exemplo, da quebra de sigilo telemático ou bancário de bolsonaristas investigados pelo 8 de janeiro com o objetivo de chegar aos financiadores.
Há ainda um esforço de encadear pistas sobre o golpismo fomentado desde a vitória de Lula em outubro de 2022 em diferentes esferas de poder.
Integrantes da base já protocolaram pedidos relacionados às operações inusuais da Polícia Rodoviária Federal (PRF) em redutor lulistas no segundo turno, os ataques nos arredores da superintendência da Polícia Federal (PF) de Brasília no dia 12 de janeiro, data da diplomação de Lula, e da tentativa frustrada de atentado no aeroporto de Brasília às vésperas da posse do petista.
Estão neste rol de requerimentos de depoimentos o ex-diretor-geral da PRF Silvinei Vasques, que, como mostramos em abril, orquestrou pessoalmente as operações com o objetivo de impor obstáculos a eleitores de Lula, e pessoas ligadas aos acampamentos golpistas e à tentativa frustrada de atentado no aeroporto de Brasília às vésperas da posse de Lula.
Outro nome levantado tanto pelo governo quanto pela oposição é o de Marília Ferreira Alencar, ex-secretária de Inteligência de Anderson Torres no Ministério da Justiça e na Secretaria de Segurança Pública do DF, responsável por um dossiê de municípios onde Lula recebeu mais votos no primeiro turno que teria municiado as operações da PRF. O deputado Duarte (PSB-MA) também quer ouvi-la sobre os ataques na data da diplomação de Lula.
A CPMI do 8 de janeiro foi proposta por bolsonaristas e durante semanas o Planalto se esforçou para evitar sua instalação. Diante da divulgação das imagens do interior do palácio no 8 de janeiro, que mostrou integrantes do GSI em tom amistoso com os terroristas, o jogo virou e o governo trabalhou para controlar a CPMI.
Apesar do volume de requerimentos, o presidente da CPMI, Arthur Maia (União-BA), não é obrigado a acatar todos eles. Homem de confiança de Arthur Lira (PP-AL), Maia tem feito acenos tanto aos governistas quanto à oposição na condução dos trabalhos e caberá a ele a separação entre o joio e o trigo.
Resta saber se o número expressivo de requerimentos, que pode crescer nos próximos dias, resultará em um relatório concreto ou se só servirá às narrativas de plantão.