Dois meses depois de ser instalada, a CPI da Covid entra em uma nova fase, como dizem os próprios senadores, e deve voltar-se mais para a investigação de um suposto esquema de corrupção na compra da vacina indiana Covaxin pelo governo de Jair Bolsonaro (sem partido).
O Planalto nega as acusações de que a aquisição de 20 milhões de doses desse imunizante, no valor total de R$ 1,6 bilhão, teria sido superfaturada em 1000%.
Documentos obtidos pela CPI mostram que o valor contratado pelo governo brasileiro, de US$ 15 por vacina (R$ 80,70), ficou bem acima do preço inicialmente previsto pela empresa Bharat Biotech, de US$ 1,34 por dose.
A compra não foi finalizada porque o escândalo estourou antes.
A aquisição da Covaxin chama atenção porque a recusa do imunizante da Pfizer pelo governo federal se deu porque o preço seria alto demais, mas a dose da Covaxin saiu por US$ 5 a mais.
Já a recusa da CoronaVac teria se dado porque essa vacina não teria sido ainda na época aprovada pela Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas o contrato da Covaxin foi fechado sem a aprovação.
A CPI e o Ministério Público Federal (MPF) agora investigam se houve irregularidades nessa negociação, como apontam as denúncias, que envolvem o presidente da República, o líder do seu governo na Câmara, outro deputado federal, um servidor, um empresário e dois militares.
Entenda seguir quem são eles — até agora.
Luis Ricardo Miranda, servidor do Ministério da Saúde
Foi quem identificou e denunciou as supostas irregularidades na compra da Covaxin pelo governo federal.
É servidor de carreira do Ministério da Saúde e trabalha atualmente como coordenador de importação no Departamento de Logística em Saúde.
Luis Ricardo Miranda disse em depoimento ao Ministério Público Federal (MPF) em 31 de março que sofreu pressão para assinar o contrato.
Também teria apresentado provas ao presidente Jair Bolsonaro em uma reunião no Palácio do Planalto — o encontro, em 20 de março, foi registrado com fotos.
O servidor foi chamado para depor na CPI em 25 de junho, onde reafirmou suas suspeitas de que a compra da Covaxin é parte de um esquema de corrupção.
“Meu cargo não é de indicação política, não sou filiado a nenhum partido. Meu partido é o SUS. Eu trabalho em defesa do interesse público”, afirmou na ocasião.
Dois dias depois, segundo ele, seu acesso aos sistemas internos do Ministério da Saúde teria sido bloqueado.
Luis Carlos Miranda, deputado federal
É irmão de Luis Ricardo e está à frente da denúncia junto com ele.
Miranda era youtuber e vivia em Miami. Ficou conhecido ao dar dicas de como empreender e fixar residência nos Estados Unidos.
O empresário foi eleito deputado federal em 2018 pelo Democratas (DEM) no Distrito Federal.
Ele diz que foi alertado pelo irmão de que havia problemas na negociação da Covaxin.
Os dois afirmam que procuraram Bolsonaro e fizeram a denúncia. Segundo eles, o presidente teria dito que pediria à Polícia Federal para investigar o caso.
Até aqui, Luis Carlos Miranda era alinhado ao governo federal, mas agora diz que está sendo ameaçado pelo Planalto — por causa da denúncia, o ministro Onyx Lorenzoni (DEM-RS) disse que ele e seu irmão teriam de se entender “não só com Deus, mas com a gente também”.
O deputado é ele próprio alvo de denúncias de compra de votos em 2018 (a denúncia foi rejeitada pela Justiça), de estelionato (a ação foi extinta por iniciativa da vítima) e de fraude (por meio de seus negócios no Brasil e nos Estados Unidos; ele nega as acusações).
Ricardo Barros, deputado federal
É acusado de ser o chefe do esquema de corrupção por trás da compra da Covaxin.
Após bastante pressão dos senadores na CPI, Luis Miranda disse que seu nome foi citado por Bolsonaro como o responsável, após o presidente ouvir a denúncia das irregularidades.
O deputado federal do Paraná pelo Progressistas (PP) é um dos principais nomes do Centrão, bloco informal da Câmara que garante a sustentação política do presidente hoje.
É figura antiga dos altos escalões de Brasília. Está há mais de 20 anos no Congresso e chegou a ter seu mandato cassado em 2018 por compra de votos. A sentença foi anulada três meses depois.
Barros fez parte da base de quatro presidentes — FHC, Lula, Dilma e Temer — antes de ser o líder do governo Bolsonaro no Congresso.
Mais recentemente, foi ministro da Saúde de Temer, e hoje é investigado pelo MPF por causa da compra supostamente fraudulenta de R$ 20 milhões em medicamentos para doenças raras da empresa Global Gestão de Saúde.
O deputado nega essa e outras acusações, como a de que teria recebido propina pela contratação de uma empresa de energia eólica no Paraná ou tentado interferir numa licitação de serviços de publicidade da Prefeitura de Maringá.
Agora, segundo os irmãos Miranda, Barros estaria se beneficiando ilegalmente da compra da Covaxin.
Francisco Maximiano, dono da Precisa
É uma figura central do escândalo.
Maximiano é sócio-administrador da Precisa Medicamentos, empresa que representa a Bharat Biotech, fabricante da Covaxin, no Brasil, e que intermediou a compra da vacina pelo governo federal.
Documentos da CPI mostram que a Precisa cobrou urgência do Ministério da Saúde para acelerar a celebração do contrato. Há suspeitas de que a companhia tenha sido favorecida.
A Precisa diz que a compra foi legal e seguiu os padrões da Bharat Biotech em negociações com outros países. A Bharat Biotech diz que as doses do imunizante são vendidas ao exterior a valores compatíveis com o que foi aceito pelo governo brasileiro.
Maximiano também é presidente da Global Gestão de Saúde, empresa investigada por fraude na compra de medicamentos pela Saúde durante a gestão de Ricardo Barros.
Ele teve seu sigilo bancário e telefônico quebrado pela CPI, decisão que foi mantida pelo STF, e também foi convocado para depor.
Isso estava previsto para ocorrer em 23 de junho, mas o empresário alegou ter chegado de uma viagem à Índia no dia 15 e que teria de fazer quarentena por duas semanas. Seu depoimento foi remarcado para 1º de julho.
O empresário pediu um habeas corpus ao Supremo Tribunal Federal (STF) para poder ficar em silêncio e se retirar da sessão “caso seja alvo de condutas vexatórias no decorrer de sua inquirição”. A Corte ainda não se manifestou.
Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde
O general era o responsável pelo Ministério da Saúde quando a compra da Covaxin foi negociada e fechada.
Os senadores governistas Marcos Rogério (DEM-RO) e Jorginho Mello (PL-SC) disseram que Bolsonaro teria pedido a Pazuello que ele investigasse a denúncia de corrupção.
“Como não tinha nada de errado, a coisa continuou”, disse Mello.
Mas, no dia da reunião entre os irmãos Miranda e o presidente, Pazuello já havia sido demitido e aguardava apenas a nomeação de seu substituto, Marcelo Queiroga, o que ocorreu três dias depois.
Luis Carlos Miranda disse que chegou a conversar com Pazuello sobre o caso e que o ministro teria reconhecido que havia corrupção na pasta.
Mas, segundo o deputado, o ex-ministro disse que não poderia agir porque estava prestes a deixar o cargo.
Pazuello não ficou muito tempo fora do governo: foi nomeado secretário da Presidência em 1º de junho.
O general já depôs à CPI, mas há senadores que querem reconvocá-lo após essa denúncia vir à tona. Ele ainda não se manifestou publicamente sobre o assunto.
Alex Lial Marinho, ex-coordenador do Ministério da Saúde
O tenente-coronel era auxiliar de Pazuello e teria sido ele, segundo os irmãos Miranda, que teria pressionado pela compra da Covaxin.
Marinho era coordenador-geral de Logística de Insumos Estratégicos. Foi nomeado em maio de 2019, quando Pazuello era ainda ministro interino, e foi exonerado por Marcelo Queiroga em 8 de junho.
A CPI da Covid convocou o militar para prestar esclarecimentos e quebrou seu sigilo fiscal, telefônico, telemático e bancário.
Seu depoimento ainda não tem data para ocorrer.
Élcio Franco, ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde
O coronel era o chefe de Alex Marinho e o número 2 da Saúde sob Pazuello.
Foi o responsável por diversas decisões estratégicas, entre elas a compra de vacinas — o que lhe rendeu uma convocação para depor na CPI, ocorrida em 9 de junho.
Franco foi exonerado em março junto com o general, mas depois nomeado assessor especial da Casa Civil.
Foi ele quem saiu em defesa do governo Bolsonaro, ao lado de Onyx Lorenzoni, em uma coletiva de impresa.
Na ocasião, afirmou que os documentos apresentados pelos irmãos Miranda não batem com aqueles em posse do Ministério da Saúde.