O plano de trabalho da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid prevê chamar ao menos seis ministros ou ex-ministros do governo Jair Bolsonaro para dar explicações sobre o enfrentamento da pandemia no País. Uma versão preliminar do roteiro, elaborado por integrantes do colegiado, também cita a necessidade de ouvir secretários do Ministério da Saúde, autoridades responsáveis pela área de comunicação e governadores. O único prefeito citado no documento é David Almeida (Avante), de Manaus, cidade em que a rede de saúde entrou em colapso no início do ano, com pacientes morrendo asfixiados após o fim do estoque de oxigênio em hospitais.
Conforme o Estadão, a CPI deve colocar em foco a gestão dos militares na área da Saúde. Além do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, a lista inicial das autoridades que devem ser ouvidas inclui o ex-número 2 da pasta, coronel Élcio Franco, além do ex-comandante do Exército Edson Pujol, que será chamado para explicar a produção de cloroquina pelo laboratório ligado às Forças Armadas. O medicamento, sem eficácia comprovada contra a covid-19, passou a ser produzido em maior escala.
O Estadão apurou que Walter Braga Netto, atual ministro da Defesa, que comandou um comitê de crise quando estava na chefia da Casa Civil, entre outros oficiais, também devem ir a um incômodo “banco dos réus” da comissão no Senado.
A CPI deve começar a funcionar nesta quinta-feira (22) ou na próxima semana. Um acordo entre a maior parte dos participantes prevê que Omar Aziz (PSD-AM) seja o presidente, Randolfe Rodrigues (Rede-AP) seja o vice e Renan Calheiros (MDB-AL) atue como relator.
O documento elaborado pelos senadores traz críticas à condução do governo Bolsonaro na crise sanitária. “No início da pandemia, o governo federal tentou impedir que os entes federados pudessem tomar medidas para diminuir o ritmo de propagação do vírus, a exemplo de isolamento social, uso de máscaras e álcool em gel”, diz trecho do plano.
Os congressistas também mencionam a disputa travada por Bolsonaro com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB). O tucano foi o principal mobilizador para que a vacina Coronavac, produzida pelo laboratório chinês Sinovac, chegasse ao Brasil. Bolsonaro, adversário político de Doria, demonstrou mais de uma vez insatisfação com a vacina, que foi a primeira a ser aplicada no País.
Também houve “tentativas de desacreditar e retardar, por disputa ideológica, a vacina Coronavac por ter sido desenvolvida por empresa chinesa em parceria com o Instituto Butantan”, informa o documento. “Quando dezenas de países já tinham adquirido vacinas e preparado planos de vacinação, o Ministério da Saúde sequer havia assegurado um estoque adequado de agulhas e seringas e tampouco de vacinas”.
Os senadores ainda sugerem que a CPI funcione de forma semipresencial, sem a necessidade de que todos os parlamentares se desloquem a Brasília. “Audiências públicas e oitivas de testemunhas convocadas na qualidade de informantes poderiam ocorrer remotamente. Com relação às testemunhas que prestem compromisso e a eventuais acareações, os trabalhos podem funcionar de forma semipresencial, com apenas alguns dos senadores in loco”.
O Planalto, por meio do líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), tem cobrado que a CPI funcione de forma totalmente presencial e que só comece quando os participantes estiverem vacinados. O pedido é visto como uma forma de retardar o início do colegiado que vai investigar o Poder Executivo.
A presença de Pazuello é sugerida em três oitivas de testemunhas. Os depoimentos têm o objetivo de apurar a omissão do governo na falta do fornecimento de equipamentos de oxigênio para o Amazonas, o uso do aplicativo Tratecov, que estimula o tratamento precoce da covid com medicamentos de eficácia não comprovada e o emprego de verbas públicas federais para combater a crise de coronavírus no Amazonas.
Além de Pazuello, o prefeito de Manaus também foi incluído no rol de testemunhas desejadas da sessão da CPI que quer apurar a falta de oxigênio na cidade. Foram sugeridos ainda os nomes de: Marcellus Campelo, secretário de Saúde do Amazonas; Francisco Ferreira Filho, coordenador do comitê de crise do Amazonas; Mayra Isabel Correia, Luiz Otávio Franco e Hélio Angotti Neto, secretários do Ministério da Saúde; e um representante da White Martins, fabricante de oxigênio.
Nenhum governador é citado nominalmente no documento, mas o trecho que planeja apurar repasses federais a Estados e municípios cita no rol de testemunhas representantes do Fórum dos Governadores e do CONASS (Conselho Nacional de Secretários de Saúde).
Para fornecer informações em âmbito internacional sobre a aquisição de vacinas foram incluídos no plano de trabalho o ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e o chefe da Secretaria para Assuntos Estratégicos da Presidência, almirante Flávio Rocha.
Para falar sobre medidas de isolamento social foram sugeridos todos que comandaram o Ministério da Saúde do governo de Jair Bolsonaro — Luiz Henrique Mandetta, Nelson Teich, Pazuello e o atual ministro Marcelo Queiroga. Especialistas também foram colocados no plano de trabalho, como o biólogo e divulgador científico Átila Iamarino, e os médicos David Uip, Roberto Kalil e Ludhmila Hajjar, que foi cotada para assumir o Ministério da Saúde antes de Queiroga e chegou a conversar com Bolsonaro.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, o secretário do Tesouro Nacional, Bruno Funchal, e o deputado Daniel Freitas (PSL-SC), relator da proposta de emenda à Constituição (PEC) que permitiu a volta do auxílio emergencial em 2021, também estão entre aqueles que os senadores querem ouvir. Eles foram mencionados no tópico que pretende apurar o funcionamento do auxílio e outras medidas de socorro financeiro durante a pandemia.
Veja abaixo a lista de autoridades que a CPI pretende ouvir e os próximos passos da investigação:
- Paulo Guedes – ministro da Economia
- Bruno Funchal – secretário do Tesouro
- Eduardo Pazuello – ex-ministro da Saúde
- Henrique Mandetta – ex-ministro da Saúde
- Nelson Teich – ex-ministro da Saúde
- Marcelo Queiroga – atual ministro da Saúde
- Ernesto Araújo – ex-ministro das Relações Exteriores
- Flávio Rocha -secretário de Assuntos Estratégicos e ex-secretário de Comunicação Social
- Mayra Pinheiro – Secretária de Gestão do Trabalho e da Educação do Ministério da Saúde
- Elcio Franco – ex-secretário executivo do Ministério da Saúde
- Airton Cascavel – ex-assessor especial do Ministério da Saúde
- Fábio Wajngarten – ex-secretário de Comunicação Social
- Nilza Emi – Secretária Nacional do Cadastro Único do Ministério da Cidadania
- Otávio Brandelli – ex-secretário-geral do Itamaraty
- Luiz Otavio Franco – secretário de Atenção Especializada do Ministério da Saúde
- Helio Agotti – secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde
- Edson Pujol – ex-comandante do Exército
Cronograma e etapas:
Após a escolha dos membros da comissão, a CPI da Covid já pode ser instalada. A previsão no Senado é de que isso ocorra após o feriado de Tiradentes. Nessa reunião devem ser eleitos o presidente e o vice-presidente da comissão, em voação secreta. Também será definido o relator da CPI.
Segundo o presidente do Senado, o plano é seguir os mesmos protocolos utilizados na eleição da Mesa Diretora do Senado. Serão, portanto, oferecidas três urnas para votação: uma na sala onde ocorrer a reunião, outra em um corredor próximo e uma terceira no espaço externo ao prédio do Senado.
Nesta segunda-feira, 19, a Secretaria-Geral da Mesa do Senado publicará o ato com os procedimentos para a primeira reunião, que será presencial.
Na sequência, o relator apresentará o cronograma de trabalho com os procedimentos administrativos a serem adotados e a linha de investigação da comissão. O documento prévio preparado pelos senadores prevê a criação de sub-relatorias para facilitar o trabalho do relator e auxiliar a investigação.
O documento precisa ser aprovado pelo colegiado para que haja a definição de um cronograma aproximado. No entanto, isso não inclui, as convocações nominais de autoridades, que devem feitas individualmente.
O que é e como funciona uma CPI?
Uma Comissão Parlamentar de Inquérito é um instrumento que dá a parlamentares — deputados e senadores — poderes de investigação próprios das autoridades judiciais. No artigo 58, a Constituição Federal estabelece três requisitos para que uma CPI possa ser instalada: um terço das assinaturas dos parlamentares da Casa onde ela for instalada (no caso do Senado, 27); um fato determinado a ser investigado; e um tempo limitado de funcionamento.
O prazo de funcionamento é de 90 dias, que podem ser prorrogados pelo mesmo período, desde que haja requerimento assinado por ? dos parlamentares. A CPI da Covid terá limite de gastos no valor de R$ 90.000. A CPI tem o poder de pedir ao Ministério Público o indiciamento de quem for considerado responsável pelos fatos sob investigação. No andamento das investigações, a Comissão pode pedir quebras de sigilos bancário, fiscal e de dados, inclusive telefônico, bem como convocar depoentes e investigados, que são obrigados a comparecer.
Como funciona a convocação de autoridades?
Os integrantes da CPI devem apresentar requerimentos caso queiram convidar ou mesmo convocar autoridades a fornecer informações. Se forem aprovados, até mesmo o presidente pode ser convidado a falar, mas sem a obrigação de atender e nunca como investigado. Em casos de convite, há a possibilidade de recusar o chamamento feito pelos senadores. Quando há convocação, é obrigatória a presença do indivíduo na comissão.
Linhas de investigação
Com base nos requerimentos apresentados para abertura da CPI da Covid, o objeto de investigação está devidamente delimitado nos seguintes tópicos:
- Vacinas e outras medidas para contenção do vírus;
- Isolamento social;
- Vacinas;
- Distribuição de meios para proteção individual, como máscaras e álcool gel;
- Propaganda oficial e orientação direta à população pelos gestores;
- Auxílio emergencial e outras medidas econômicas de contenção da pandemia;
- Atuação em âmbito internacional;
- Colapso da saúde em Manaus;
- Falta de oxigênio e omissão de autoridades;
- Uso do aplicativo TrateCOV;
- Emprego de verbas públicas;
- Insumos para tratamento de enfermos;
- Aquisição de remédios sem comprovação de eficácia;
- Kit intubação;
- Ausência ou retardo na aquisição de remédios com comprovação de eficácia;
- Ausência de protocolos ou instruções ou constrangimentos para adoção de protocolos de tratamento preventivo;
- Emprego de recursos federais;
- Repasse de recursos federais para Estados e municípios; e
- Fiscalização de contratos firmados pelo Ministério da Saúde.
Os senadores têm poder para quebrar sigilos fiscal ou telefônico dos investigados?
Sim, os senadores atuam como “juízes” em uma CPI. Podem inquirir testemunhas, ouvir indiciados, requisitar informações oficiais e ainda pedir inspeções do Tribunal de Contas da União.
Que tipo de material pode ser colhido ao longo da investigação?
Assim como podem convocar autoridades, a CPI pode requisitar documentos e determinar a realização de diligências, como visitas a gabinetes, unidades de saúde ou escritórios de fornecedores.
Os senadores podem mandar prender suspeitos ou abrir processos?
Não, apenas investigar.
Que resultado pode ter a CPI?
Após aprovado internamente na comissão, o relatório final da CPI é enviado à Mesa Diretora para conhecimento do plenário. A depender da conclusão dos trabalhos, o documento pode gerar um projeto de lei e até mesmo ser remetido ao Ministério Público com pedido de responsabilização civil e criminal dos infratores.
Quem são os membros da CPI da Covid?
A Comissão de Inquérito Parlmanetar é composta de 11 senadores titulares e sete senadores suplentes. A composição pode ser alterada pelos líderes partidários até a leitura dos nomes em sessão no plenário da casa.
Os titulares são: Eduardo Braga (MDB-AM); Renan Calheiros (MDB-AL); Ciro Nogueira (PP-PI); Omar Aziz (PSD-AM); Otto Alencar (PSD-BA); Tasso Jereissati (PSDB-CE); Eduardo Girão (Podemos- CE); Marcos Rogério (DEM-RO); Jorginho Mello (PL-SC); Humberto Costa (PT-PE ); e Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
Os suplentes são: Jader Barbalho (MDB-PA); Luis Carlos Heinze (PP-RS); Angelo Coronel (PSD-BA); Marcos do Val (Podemos-ES); Zequinha Marinho (PSC-PA); Rogério Carvalho (PT-SE); e Alessandro Vieira (Cidadania-SE).