Mais de 500 mil pessoas ainda não compareceram aos postos de vacinação no estado de São Paulo para tomar a segunda dose da vacina contra a Covid-19, segundo o governo estadual. No Brasil, ao menos 1,5 milhão de indivíduos fizeram o mesmo, segundo balanço divulgado pelo Ministério da Saúde em abril.
Alguns dos motivos apontados por especialistas para o abandono da segunda dose são a escassez de vacinas, a confusão sobre o intervalo entre elas, o medo de reações adversas, a dificuldade de acesso às salas de vacinação e a confiança em informações falsas sobre os imunizantes.
O não comparecimento para a segunda aplicação é denominado tecnicamente de “taxa de abandono” e é esperado por especialistas em imunização, sobretudo para vacinas que precisam de mais de uma dose.
É “um clássico”, segundo Renato Kfouri, diretor científico da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm). “Gente que teve reação após a primeira dose e desistiu de tomar a segunda ou simplesmente se esqueceu, além da falta de vacinas são algumas explicações”, afirma Kfouri.
Os dados de taxa de abandono, no entanto, devem ser vistos com cautela, segundo o diretor da SBIm. Isso porque a falta de integração entre os sistemas de dados que computam o total de vacinados pelo país impede a precisão dessas informações em tempo real.
Nos locais onde não há sistemas integrados com o PEI (Programa Estadual de Imunizações, que alimenta o Programa Nacional de Imunizações), os dados são computados manualmente, para depois serem repassados ao sistema informatizado em Unidades de Saúde com computadores.
Para Flavia Bravo, diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), mesmo com atraso na entrega de informações, depois de computadas, há como enxergar a realidade do país e apostar em políticas que façam as pessoas se vacinarem.
Intervalo e falta de doses
Há no país três vacinas disponíveis contra a Covid-19, com intervalos entre doses diferentes. Para os imunizantes da AstraZeneca/Oxford (Fiocruz) e da Pfizer o período é de 12 semanas, para a Coronavac (Sinovac/Instituto Butantan) é de 28 dias. “Esses intervalos entre doses diferentes para cada vacina tendem a confundir alguns”, diz o diretor científico da SBIm.
Ao tomar a primeira dose, a data do retorno deve estar escrita no cartão vacinal entregue durante a imunização. Se isso não ocorrer, é preciso pedir para o profissional incluir uma data conforme o prazo estabelecido entre as doses, explica Kfouri.
Segundo a diretora da SBIm, a falta da Coronavac (Sinovac/Butantan) e da vacina AstraZeneca/Oxford/Fiocruz nos postos de vacinação do país também contribui para a taxa de abandono.
Levantamento realizado pela CNN nesta terça-feira (1º), aponta que, na semana da pesquisa, não havia segunda dose da Coronavac em 435 municípios, enquanto 106 deixaram de oferecer a segunda dose da vacina Astrazeneca/Oxford. O imunizante da Pfizer começou a ser administrado no Brasil em maio deste ano, com segundas doses previstas apenas para julho.
Desinformação e medo
Muitas pessoas ainda acreditam que estão imunizadas com apenas uma dose da vacina, segundo Bravo. “Esse também é um dos motivos que leva à desistência desse reforço”, afirma a diretora da SBIm.
De acordo com os estudos divulgados, a proteção informada para cada vacina só deve acontecer após duas doses. A recomendação vale para todos os imunizantes atualmente em uso no Brasil, segundo os especialistas.
O receio de ter febre alta, dores no corpo ou trombose também diminui a disposição de algumas pessoas para tomar a segunda dose, segundo os especialistas. Outro temor recorrente é que a vacina cause infecção pelo coronavírus e até a morte. “Nada disso tem fundamento”, afirma Kfouri.
Fake news
A crença em dados não confirmados cientificamente, como recortes feitos em redes sociais, também leva pessoas a desistirem da segunda dose por medo. A diretora da SBIm ressalta que as vacinas disponíveis previvem as formas graves da doença em mais de 70% e as mortes em mais de 80%.
Bravo afirma que a falta de uma campanha nacional que uniformize a comunicação pode causar desinformação sobre a doença e as boas práticas até mesmo entre os profissionais que atendem na hora da vacina.
Ela conta que tomou a primeira dose da Coronavac no Rio de Janeiro (RJ), mas precisou tomar a segunda dose em Campos do Jordão (SP), para onde havia se mudado, e foi barrada pela equipe. O profissional de saúde informou que ela somente poderia tomar a segunda dose no mesmo estado onde recebeu a primeira, o que não procedia.
A diretora da SBIm conseguiu receber a segunda dose após informar o problema à secretaria de saúde local, que deixou claro que o Sistema Único de Saúde (SUS) é universal e deveria vaciná-la em qualquer município do país. “É importante haver um programa de comunicação e capacitação adequada para que a informação verdadeira chegue na sala de vacinação”, afirmou.
Dificuldade de acesso
A dificuldade de acesso a alguns postos de vacinação, principalmente para pessoas com problema de locomoção e de transporte também impede algumas pessoas de tomarem a segunda dose da vacina, lembra Bravo.
Estudo recente da Universidade de São Paulo (USP) mostrou a desigualdade no acesso às vacinas contra Covid-19 na cidade de São Paulo. Nas regiões com mais casos e mortes pela doença, como os bairros de Sapopemba, Capão Redondo ou Brasilândia, 5% a 7,5% das pessoas foram vacinadas.
Nas regiões mais ricas, como os bairros de Moema, Jardim Paulista e Pinheiros, onde há menos casos de Covid-19 comparado às periferias, 12,5% dos moradores foram vacinados.
Importância da segunda dose
As vacinas contra a Covid-19 garantem proteção porque previnem a doença, reduzindo as chances de morte e internações. Embora não impeça o contágio nem a transmissão do vírus, a vacinação é essencial, já que induz o sistema de defesa do corpo a produzir imunidade contra o coronavírus pela ação de anticorpos específicos, segundo a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
“É iimportante tomar a dose mesmo com atraso, pois precisamos de uma cobertura em torno de 75% da população para conseguiremos controlar a pandemia de Covid-19”, afirma Bravo.