A política de cotas raciais, que completou dez anos em agosto, tornou-se plataforma eleitoral na disputa ao Legislativo tanto de candidatos a favor como contra a iniciativa, que estabelece reserva de vagas em universidades a estudantes negros provindos de escola pública.
Mas os contrários à reserva de vagas posicionam-se mais abertamente na propaganda eleitoral do que aqueles a favor da política —que costumam priorizar outros temas do cotidiano, como saúde, educação e até racismo, sem abranger diretamente na TV as ações afirmativas.
Cientista política e coordenadora do movimento Mulheres Negras Decidem, Tainah Pereira avalia que candidatos favoráveis às cotas procuram não tensionar os eleitores com um tema polêmico e que não está dentre as principais preocupações dos votantes, enquanto os contrários buscam reforçar valores considerados conservadores que podem atrair votos deste campo.
Em geral, os candidatos a favor das cotas estão em partidos de esquerda ou centro-esquerda, como PSOL, Rede, PT, PSB e PC do B. Já os candidatos contra concentram-se em partidos de direita e centro-direita, como União Brasil, Solidariedade e Novo, além do PL, do presidente Jair Bolsonaro —que já se declarou refratário à política, afirmando ser “equivocada” e geradora de “coitadismos”.
Entre os candidatos que se declaram contra as cotas e tratam do tema na propaganda eleitoral estão Guto Zacarias (União Brasil-SP), Dr. Zema (Solidariedade-RJ), Hélio Lopes (PL-RJ), Fernando Holiday (Novo-SP) e Sérgio Camargo (PL-SP).
Sérgio Camargo afirma em propaganda que a esquerda “tenta dividir os brasileiros pela cor da pele”. Já Guto Zacarias diz ser contra as cotas e achar “que os negros não precisam disso”.
De outro lado, candidatos como Tabata Amaral (PSB-SP), Leci Brandão (PC do B-SP), Keit Lima (PSOL-SP) e Ivan Valente (PSOL-SP) adotam a defesa da política de vagas para negros em discursos de campanha e redes sociais, mas não na propaganda eleitoral.
Ivan Valente, por exemplo, diz em rede social que as cotas são “fundamentais para combater o racismo estrutural”. Já Tabata Amaral cita a “democratização do ensino superior”.
Os que rejeitam a iniciativa dizem que a política divide o Brasil e deturpa o mérito entre os candidatos a uma vaga em instituições de ensino superior. Já os favoráveis argumentam que as cotas aumentam a representatividade da população negra nas universidades, colaborando para diminuir a desigualdade racial.
A advogada Sheila de Carvalho, 31, integrante da Coalizão Negra por Direitos e diretora do Instituto de Referência Negra Peregum, diz que a estratégia de candidatos de atacar as ações afirmativas possui relação com o aniversário da reserva de vagas, sem debater outros problemas ou alternativas à política para a melhoria da vida da população negra.
Ela argumenta que a garantia das cotas enquanto legislação já aprovada e consolidada possibilita a introdução, pelos candidatos favoráveis à iniciativa, de novas questões que afetam a população negra para além da reserva de vagas, e que a proporcionalidade dos recursos financeiros colabora para que estes postulantes tenham mais tempo e estrutura para debater mais temas.
O babalorixá Sidnei Nogueira, doutor em semiótica e autor do livro Intolerância Religiosa (Editora Jandaíra, 2020), avalia que a presença de alguns candidatos negros contrários às cotas sustenta uma falsa interpretação de democracia racial —de que não haveria racismo no Brasil devido à diversidade étnico-racial— para gerar legitimidade do discurso anticotas pela direita.
Reportagem da Folha mostrou que a quantidade de candidaturas negras é recorde no pleito deste ano, chegando a superar a de postulantes brancos aos cargos públicos do país.
Em 2018, candidaturas de pessoas negras representaram 46,7% do total, ante 52,2% de pessoas brancas. Na edição anterior, 44,2% eram de pessoas negras e 55% de brancas.
Entre os partidos com mais representatividade negra neste ano estão PSOL, UP, PMB e PMN. E 21 partidos possuem mais concorrentes negros do que brancos na disputa. Foram consideradas candidaturas negras as somas dos postulantes que se autodeclaram pretos e pardos.
A Lei das Cotas, aprovada em agosto de 2012, completou dez anos de implementação, reservando vagas em instituições de ensino superior para alunos de escola pública, população negra, indígena e pessoas de baixa renda.
Relatório do Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas, publicado no mês passado, trouxe evidências de que as ações afirmativas provocaram inclusão na universidade, sem impactos negativos no desempenho dos alunos.