Cotado para assumir o Ministério da Saúde na gestão de Jair Bolsonaro, o deputado federal Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS) é investigado sob suspeito de fraude em licitação, tráfico de influência e caixa dois na implementação de um sistema de informatização da saúde em Campo Grande (MS), onde foi secretário.
A suspeita é de que ele tenha influenciado na contratação de empresas para o serviço, conhecido como Gisa (Gestão de Informação da Saúde), em troca de favores em campanha eleitoral.
O caso envolveria uma plataforma que é também bandeira de Bolsonaro para a pasta, missão que o presidente eleito já avisou que ficará sob responsabilidade de Mandetta se esse for escolhido para chefiar a Saúde.
Ao longo das investigações, o parlamentar teve seu sigilo bancário quebrado. Em uma ação civil pública, na qual também é alvo, a Justiça do Mato Grosso do Sul mandou bloquear um valor total de R$ 16 milhões de bens dele e dos demais envolvidos.
Na parte cível, o político é acusado, junto com outros ex-gestores, de improbidade administrativa, por ter supostamente autorizado pagamentos para as companhias sem que a plataforma tenha sido de fato implementada.
Planejado em 2008, o sistema seria responsável por realizar agendamentos na rede de saúde e por implementar o serviço de prontuário eletrônico, que integra dados de atendimentos prestados aos pacientes.
A função é a mesma que Bolsonaro disse nesta segunda que o deputado terá caso seja nomeado.
“Tem de ter o prontuário eletrônico [dos pacientes]. Não pode fazer um exame aqui hoje e, daqui a dois meses, estar em outro estado e fazer outro exame. Nós queremos é facilitar a vida do cidadão e também economizar recursos”, disse o presidente eleito à imprensa no Rio de Janeiro.
A implementação do sistema foi financiada com recursos do Ministério da Saúde, que assinou convênio para repasse de R$ 8,1 milhões ao município de Campo Grande. Já prefeitura entrou com contrapartida no valor de R$ 1,8 milhão.
O convênio foi assinado em 2008. No ano seguinte, a prefeitura contratou o consórcio para executar o serviço.
Antes de deixar o cargo para concorrer pela primeira vez ao cargo de deputado federal, em março de 2010, Mandetta autorizou parte dos pagamentos.
Auditoria feita pela CGU (Controladoria-Geral da União) em 2014 apontou que, apesar de o pagamento estar praticamente finalizado, o sistema contratado não havia sido instalado nas unidades de saúde.
Na prática, apenas 4 de 12 módulos foram implantados nas unidades. Itens como o da regulação de consultas e exames e uso de prontuários eletrônicos não foram instalados.
Segundo a secretaria municipal de saúde, a situação levou a prefeitura a fazer um acordo em 2015 com o Ministério da Saúde para devolução dos recursos, calculados na época em R$ 14,8 milhões, em 60 parcelas. O contrato foi rescindido unilateralmente em janeiro de 2015.
A suspeita é que viagens de campanha do parlamentar, em 2010, tenham sido pagas por empresas vencedoras da licitação.
No andamento das investigações, a PGR (Procuradoria-Geral da República) apontou a obtenção ilegal de documentos da licitação por parte dos ganhadores antes dos outros concorrentes, bem como a utilização de documentos falsos.
Segundo o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, “há fortes evidências” de que o congressista tenha influenciado na contratação em troca de favores pessoais à sua campanha em 2010.
O político teria feito viagens de avião enquanto era candidato e não as declarou em sua prestação de contas.
De acordo com o Ministério Público, há boletos de pagamentos das companhias envolvidas na licitação em datas coincidentes para uma prestadora de serviços aéreos.
Para a PGR, isso pode configurar crime de caixa dois na campanha eleitoral.
A PF concluiu que há indícios de que Mandetta cometeu os crimes pelos quais estava sendo investigado. Até o momento, no entanto, não houve denúncia do Ministério Público.
O caso estava no STF e em agosto foi para a Justiça Federal de Campo Grande, após decisão do Supremo sobre a restrição do alcance do foro privilegiado.
OUTRO LADO
O deputado Luiz Henrique Mandetta, 53, afirmou que avisou o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) de que é investigado e alvo de ação civil pública por causa da sua gestão na secretaria de saúde em Campo Grande (MS).
De acordo com Mandetta, o presidente disse: “Pô, você ficou seis anos numa secretaria de saúde e tem só um processo?”.
O deputado atribui a questões políticas o fato de o sistema de informatização da saúde não ter sido implementado e diz que não foi ouvido durante todo o períodos da investigação.
Para Mandetta, o fato dele ter fracassado na implementação do projeto não é um obstáculo à sua nomeação. “Não tem essa de fórmula pronta”, diz.
O parlamentar disse que foi avisar o presidente eleito de que era investigado porque achava que teria seu nome questionado pela imprensa.
“Falei: olha, presidente, o senhor queria falar comigo, ótimo, estou orgulhoso, desafio grande, mas está aqui ó: tem isso, tem aquilo, tem inquérito, tem juiz, eu não sou afeito aos termos advocatícios. Ele me disse que eu não era nem réu, eu falei que não, mas eu mandei ele averiguar. Falei pra ele, na hora que o senhor citar eu tenho certeza que vai ser a Folha de S. Paulo que vai vir atrás. Eu sou assinante da Folha. Faz parte do trabalho de vocês. Tem dias que vocês vão ao médico e não gostam das perguntas que eles fazem. Acham o médico chato. Faz parte. Cada profissão tem sua característica”, afirmou.
Ele afirmou que seus bens continuam bloqueados e que tem muito orgulho da trajetória que fez na política.
“Eu tenho muito orgulho da minha vida pública. São cinco anos [de bens bloqueados], amiguinha. O dia que você quiser andar com uma caminhonete 2008, uma Ranger preta, toda acabadinha, vai ser a do seu ministro. Já pensou? Que baixaria”, brincou.