Catar gastou US$ 300 bilhões para se preparar para a Copa
Os US$ 300 bilhões que o Catar gastou, ao longo de 12 anos, para receber a Copa do Mundo de 2022 terão algum retorno financeiro para o país?
Se as últimas 14 copas forem o parâmetro, a resposta é não, segundo um estudo feito pelo pesquisadores Martin Müller, David Gogishvili e Sven Daniel Wolfe, da Universidade de Lausanne, na França.
Publicado em maio deste ano, o estudo criou uma base a partir de dados públicos e analisou grandes eventos — Copas e Jogos Olímpicos — desde 1964.
A análise dos economistas mostra que das 14 Copas realizadas desde 1966, 12 deram prejuízo para os países anfitriões.
A Copa do México não é considerada um prejuízo pois os dados disponíveis estão incompletos, mas ela provavelmente também foi deficitária, segundo os economistas.
Pela métrica dos pesquisadores, a Copa realizada no Brasil, em 2014, também não deu lucro, mas teve um dos menores prejuízos entre os países mais recentes a receber o evento, de US$ 240 milhões (R$ 940 milhões, em valores de 2018).
A única exceção ao prejuízo é a Copa da Rússia, em 2018, que deu um lucro de US$ 250 milhões.
E isso com o estudo incluindo apenas gastos diretos, com locais e com logística, como construção de estádios, contratação de trabalhadores e segurança. Gastos indiretos, com investimento em infraestrutura, como ampliação de metrô e criação de novos hotéis, não foram considerados.
“Os custos indiretos são tipicamente aqueles relacionados a infraestrutura geral, como transporte, hospedagem e outros, que podem ou não ter sido ocasionados pelo megaevento e cuja utilidade não se limita primordialmente ao evento em si. Assim, uma expansão do aeroporto em preparação para sediar a Copa do Mundo pode ter sido ocasionada pela Copa do Mundo, mas pode servir a região por muito tempo depois que a Copa do Mundo acabar”, explicam os pesquisadores no trabalho.
A conclusão da análise é que as Copas do Mundo e os Jogos Olímpicos sofrem de um déficit estrutural, não poderiam existir sem os subsídios externos e não têm “sustentabilidade financeira”.
Segundo a pesquisa, na média, o saldo de um evento do tipo é negativo ( -3.8% de retorno em relação ao investimento).
“As Olimpíadas e as Copas do Mundo de futebol são lucrativas para o Comitê Olímpico Internacional (COI) e para a Federação Internacional de Associações de Futebol (Fifa), que têm os direitos desses eventos? Sim, e muito”, dizem os pesquisadores no estudo. “São lucrativas para a cidade-sede e o governo? Quase nunca.”
A explicação é que a Fifa fica com a maior parte das principais receitas do evento: de patrocínios e direitos de transmissão à venda de ingressos.
No entanto, a entidade praticamente não injeta dinheiro, cobrindo apenas alguns custos operacionais. Praticamente todos os custos da Copa são bancados pelo país-sede.
A BBC News Brasil procurou a Fifa para comentar o assunto, mas não teve resposta até a publicação desta reportagem.
Os pesquisadores, no entanto, reconhecem que ser o anfitrião de um evento como a Copa do Mundo pode ter motivações que não sejam econômicas, como atrair atenção e prestígio internacionais, se posicionar politicamente ou desenvolver uma área urbana.
“Uma avaliação econômica como esta traz à luz apenas um elemento necessário para uma análise completa de custo-benefício”, diz o estudo.
O alto custo de megaeventos esportivos é algo que tem sido bastante estudado, com estudos publicados em 2021 (por Bent Flyvbjerg, da University of Oxford) e em 2016 (pelo econonomista Robert A. Baade).
Pesquisas anteriores já haviam analisado o tamanho dos gastos ou das receitas de megaeventos, mas tendiam a se concentrar em casos individuais ou não fazer a distinção entre gastos diretos e indiretos.
Também há muitos estudos sobre os impactos negativos nas cidades-sede, como criação de grandes estruturas que depois ficam abandonadas, ou sobre o impacto econômico dos eventos em determinadas regiões ou países.
Eles tendem a medir indicadores econômicos, como mudanças no PIB, número de empregos, receitas de impostos etc. E chegam a uma conclusão parecida à da pesquisa da Universidade de Lausanne: que os impactos econômicos, quando são positivos, não justificam os gastos.
Mas o estudo dos pesquisadores da Lausanne foi o primeiro a analisar tanto os gastos quanto as receitas tanto das copas quanto das olimpíadas considerando todos os eventos nos últimos 60 anos.
Grandes prejuízos
Entre as Copas do Mundo analisadas, o maior prejuízo para os países-sede foi em 2002, na Copa do Japão e da Coreia do Sul, quando o governo gastou cerca US$ 7 bilhões (em valores atualizados para 2018) com organização e construção de estádios e teve um retorno de pouco mais de US$ 2 bilhões – terminando com um prejuízo de US$ 4,81 bilhões.
Outro mundial bastante deficitário foi o de 2010 na África do Sul, que teve um prejuízo de US$ 2,85 bilhões como sede do evento.
Somente as copas mais antigas incluídas no estudo, de 1966 (Inglaterra), 1970 (México) e 1982 (Espanha) tiveram prejuízos menores, de US$ 30 milhões para Inglaterra e México e de US$ 220 milhões para a Espanha.
Os custos de ser um anfitrião da copa foram aumentando ao longo dos anos, explicam os pesquisadores. O principal motivo são as exigências da Fifa para os estádios, que obrigam os países a construir novas estruturas.
“No Catar, sete dos oito estádios foram construídos do nada; em 1966, a Inglaterra não construiu nenhum”, diz a pesquisa.
Os cálculos dos economistas mostram que o custo da Copa de 1966 foi de US$ 200 mil por jogador (em dados atualizados para 2018). Já em 2018, na Copa da Rússia, o custo subiu para US$ 7 milhões por jogador.
A Rússia, aliás, é o único país analisado que teve lucro (US$ 235 milhões) sendo anfitrião do evento, principalmente por ter feito um acordo lucrativo de venda dos direitos de transmissão.