Com visões distintas sobre os caminhos eleitorais do PL, o presidente do partido, Valdemar Costa Neto, e o ex-presidente Jair Bolsonaro e seu grupo mais próximo abriram segundo reportagem de Gabriel Sabóia e Camila Turtelli , do O Globo, outra frente de divergência envolvendo os rumos da legenda. O comando da Fundação Álvaro Valle, órgão da sigla destinado a realizar pesquisas e cursos de formação política, é o novo motivo de uma disputa que envolve ainda o próprio controle do partido, as eleições municipais e os próximos passos até 2026.
Filho do ex-presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) pede ainda de acordo com o jornal, o controle do instituto, enquanto Valdemar diz que não vai ceder. A fundação hoje está nas mãos de uma aliada do dirigente.
A lei obriga as agremiações a repassarem ao menos 20% do valor total do fundo partidário às suas fundações. Neste ano, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o PL recebeu até setembro R$ 124,9 milhões do fundo partidário. De acordo com a última prestação de contas do partido à Justiça Eleitoral, já foram repassados mais de R$ 19 milhões neste ano à fundação, pouco menos do que a regra exige.
Nome simbólico
Eduardo tem o apoio de Bolsonaro para assumir o controle do órgão, já que abriu mão de entrar na disputa com Valdemar pela presidência do PL. A aliados, o ex-presidente afirmou que seria “simbólico” ter alguém com o seu sobrenome à frente das atividades de doutrinação dos valores conservadores. Eduardo afirma a interlocutores que pretende usar a fundação e sua verba para realizar eventos da direita em todos os estados do país, a fim de manter a militância ativa. A vontade do filho do ex-presidente, entretanto, esbarra nos planos de Valdemar, que prevê para o deputado um posto dedicado às relações institucionais no PL. Procurado, Eduardo não se manifestou.
— A fundação fica comigo. Ninguém da família Bolsonaro tocou nesse assunto comigo e não há briga. Aquilo que não gasto com o partido durante o ano vem para a fundação e já guardamos para a eleição seguinte. E do jeito que o partido está, tem sido difícil guardar verba. Eduardo é muito dedicado e atento. Ele terá uma função de conversar com autoridades, e eventualmente ficar como representante do partido — diz Valdemar, negando que haja disputa por orçamento dentro da legenda.
No início deste mês, o nome de Eduardo foi citado como possível novo presidente do PL. Bolsonaro e Valdemar chegaram a dizer que a troca seria benéfica, já que os dois estão impedidos de manter contato por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). O magistrado tomou a decisão durante o curso das investigações sobre uma suposta trama golpista arquitetada após as eleições de 2022. Na segunda-feira, a Primeira Turma da Corte rejeitou, por unanimidade, um recurso de Bolsonaro em que ele pedia para voltar a ter contato com aliados que também são investigados pelo STF.
A avaliação interna é que o partido foi prejudicado pela restrição de contato durante as eleições deste ano, e o mais adequado seria que um parlamentar assumisse o posto, já que, além de ter foro por prerrogativa de função, conseguiria fazer a “ponte” com Bolsonaro, deixando Valdemar em uma função meramente administrativa. Na última semana, entretanto, o presidente do PL disse em entrevista ao GLOBO que não sairá da presidência da sigla “nem por reza brava”.
Além disso, Valdemar defende, por exemplo, uma aproximação de Bolsonaro com o centro e até com eleitores da esquerda no Nordeste para vencer a eleição de 2026. O chefe da sigla acredita que, até lá, o ex-presidente estará apto a concorrer, o que dependeria da aprovação, pelo Congresso Nacional, de uma anistia.
Para Valdemar, a tarefa mais difícil será justamente convencer o ex-presidente e a ala mais extrema do seu partido, incluindo o deputado Nikolas Ferreira (PL), a quem chegou a chamar de “radical”. O dirigente disse que há lugares do Brasil em que as diferenças entre esquerda e direita importam menos para os eleitores e citou o exemplo do Maranhão. No dia dia seguinte, Bolsonaro afirmou que “não pode entender alguém falar que não tem bolsonarista no Maranhão”. Valdemar, por sua vez, manifestou que gostaria que Bolsonaro tivesse gravado participações nos programas eleitorais de mais candidatos do partido que concorreram a prefeituras.
Também gerou incômodo em parte dos aliados próximos de Bolsonaro a declaração em que Valdemar, à GloboNews, tratou o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), como o “primeiro da fila” entre os nomes da direita, caso Bolsonaro de fato não concorra. No início do ano, elogios do dirigente partidário ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, principal adversário de Bolsonaro, já haviam causado reações entre bolsonaristas.
Contato internacional
A aliados, Bolsonaro afirmou que o filho deveria ser o controlador da fundação, por já vir se estabelecendo como representante do PL em viagens pelo Brasil e para o exterior. O deputado já confirmou, por exemplo, presença no Estados Unidos dia 5 de novembro, data em que será realizada a eleição americana, a convite da comitiva de Donald Trump.
O deputado também mantém contato com o presidente argentino Javier Milei e o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu. Ele tem se colocado como interlocutor de lideranças estrangeiras, enquanto Bolsonaro está proibido de deixar o país e com o passaporte apreendido por decisão de Moraes. Recentemente, por exemplo, Eduardo passou a viajar com frequência para o Oriente Médio, onde se encontra com lideranças conservadoras e religiosas.
O site da Fundação Álvaro Valle traz módulos com a doutrina liberal e vídeos para formação política, além da biografia do ex-deputado que dá nome à instituição — ele foi fundador do partido. Não há, contudo, a divulgação de eventos ou outras atividades feitas pelo órgão. No Facebook, a última atualização da página é de 2020, quando foi compartilhada uma videoaula.