Ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha sentou-se quase na cabeceira de uma mesa comandada pelo presidente do Republicanos, Marcos Pereira, que saudava a filiação de Wagner dos Santos Carneiro, o Waguinho, marido da ministra Daniela Carneiro (Turismo) e atual prefeito de Belford Roxo. Ao lado de uma das filhas, a deputada federal Dani Cunha (União-RJ), o ex-deputado reapareceu em meio ao racha no União Brasil protagonizado por Waguinho, seu afilhado político e até então presidente do diretório estadual da sigla. A movimentação recente de Cunha, notório rival do PT no governo Dilma Rousseff, mantém pontos de convergência com aliados do presidente Lula, embora não abandone o tom de oposição.
Cunha, à época um dos caciques do PMDB fluminense, abriu as portas do partido em 2013 para a filiação de Waguinho, que se elegeu deputado estadual e duas vezes prefeito pelo partido sem perder contato com o ex-presidente da Câmara. O vínculo tornou-se mais discreto após a cassação de Cunha, em 2016, o que não atrapalhou a filiação de Dani Cunha ao União Brasil, já sob o comando de Waguinho no Rio, para disputar as eleições no ano passado.
Articulação na eleição
Apesar do apoio de Waguinho a Lula no segundo turno presidencial, ao passo que Cunha, sem se eleger deputado federal pelo PTB em São Paulo, manteve-se alinhado ao então presidente Jair Bolsonaro (PL), a relação ficou intacta. O apoio do União Brasil à reeleição do governador Cláudio Castro (PL) no Rio, por exemplo, foi assegurado por Waguinho após um abaixo-assinado de deputados da sigla, encabeçado pela filha de Cunha, no qual criticavam a possível candidatura do ex-governador Anthony Garotinho (União). Desafeto do ex-presidente da Câmara, Garotinho articulava uma chapa buscando anuência do presidente nacional do partido, Luciano Bivar. Cunha, por sua vez, chegou a dividir palanque com Castro em inaugurações de obras do governo do Rio.
A movimentação da família Cunha voltou a trazer à tona os atritos entre parlamentares e a cúpula do União Brasil, encabeçada por Bivar e por seu vice, Antonio Rueda. Acusados de centralizar poderes e negociarem cargos no governo Castro sem anuência da bancada federal, Bivar e Rueda teriam “insultado” os parlamentares para que aceitassem uma intervenção no diretório estadual do União, segundo pedido de desfiliação apresentado ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por cinco dos seis deputados da bancada da sigla no Rio.
Cunha afirma que, caso o TSE autorize a saída sem perda de mandato, está acertada a filiação de sua filha ao Republicanos. O partido, que tem se aproximado do governo Lula, encarou com bons olhos a possibilidade de ampliar a bancada com os egressos do União.
— Participei apenas de um ato em homenagem ao Waguinho, que é meu amigo — afirmou Cunha sobre sua presença no evento de segunda-feira, descartando ainda a adesão da filha à base de Lula. — Ela pediu a desfiliação e pretende seguir independente. A atuação não muda em relação ao que já é praticado no União.
Relação antiga: santinho digital com Waguinho e Cunha, ainda no então PMDB — Foto: Reprodução
O racha no União Brasil e a adesão de Waguinho ao Republicanos embaralham ainda as articulações do prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD), outro desafeto de Cunha. Paes se afastou do ex-presidente da Câmara, seu antigo correligionário no PMDB fluminense, após virem à tona denúncias de corrupção na Petrobras que levaram à cassação. No ano passado, em uma discussão nas redes sociais com a ex-deputada Clarissa Garotinho (União-RJ), o prefeito ironizou o fato de ela estar no mesmo partido da família Cunha: “Montando novos negócios?”, alfinetou Paes.
Paes articulava o apoio do União e de Waguinho para concorrer à reeleição. O racha no partido abre terreno para a filiação do presidente da Assembleia Legislativa (Alerj), Rodrigo Bacellar (PL), aliado próximo de Castro — que não deve apoiar o prefeito do Rio. O Republicanos, por sua vez, é o partido de seu antecessor e adversário político, Marcelo Crivella.
Além de Cunha, a entrada de Waguinho no Republicanos foi assistida pelo deputado federal Washington Quaquá (PT-RJ). Em suas redes sociais, Cunha compartilhou no fim de março a notícia de que Quaquá havia protocolado na Câmara um pedido de CPI da Lava-Jato.
A operação, criticada pelo PT pelos métodos utilizados na prisão de Lula, também é alvo recorrente de Cunha. Em artigo publicado nesta semana pelo portal Poder 360, o ex-presidente da Câmara fez um desagravo a Lula pela declaração de que queria “foder” o ex-juiz da Lava-Jato, Sergio Moro, hoje senador pelo União Brasil, e defendeu que o titular do Palácio do Planalto indique ao Supremo Tribunal Federal (STF) alguém “em quem pode confiar” — advogado de Lula na Lava-Jato, Cristiano Zanin é tido como favorito à vaga do ministro Ricardo Lewandowski na Corte.
2024 em mente
Embora interlocutores dos deputados do União reconheçam que o processo de desfiliação tende a se alongar, sem garantia de desfecho favorável, eles avaliam que o rompimento gerado pela saída imediata de Waguinho era necessário por conta das eleições municipais de 2024. O acordo costurado com o Republicanos permite que os deputados lancem prefeitos e vereadores aliados pelo novo partido, sob a tutela de Waguinho — que, diferentemente dos ocupantes de cargo no Legislativo, não corre risco de perda de mandato.
O prefeito de Belford Roxo ainda tem sinalizado confiança de que as desfiliações dele e da mulher, a ministra Daniela Carneiro, não implicarão em troca na pasta do Turismo. A avaliação de aliados de Cunha e Waguinho é que a bancada do União Brasil não comprará a briga de Bivar, que já declarou ao GLOBO sua intenção de reaver o ministério após a debandada para o Republicanos. Uma das testemunhas arroladas pelos deputados do União em seu pedido de desfiliação, na tentativa de endossar as acusações de que foram perseguidos por Bivar e Rueda, é o líder do partido na Câmara, deputado Elmar Nascimento (União-BA).