Há alguns anos, Aldo (filho de Juan), que conhece a história dos Parrado desde muito jovem, junto com o amigo Nicolás Fernández, propôs a Nando a criação de uma série de vinhos da melhor qualidade possível, em homenagem a Seler, com receitas do renomado enólogo Matías Michelini, também de Mendoza.
“Como eu poderia me recusar a colaborar com esse tipo de projeto, que colocava à disposição o melhor dos melhores em todos os aspectos da vinificação, produção e marketing?”, diz Parrado à Forbes. “Então aceitei.”
Os vinhos, além de levarem seu nome, têm em cada rótulo algo particular que o liga à sua história e, acima de tudo, ao seu pai. Nesse sentido, Franchetti revela que os nomes surgiram muito rapidamente durante uma conversa telefônica com seu sócio, em meio ao entusiasmo do projeto.
“Um dos rótulos é o Fila 9, fileira em que Nando estava no avião e inspira a se pensar no presente, aproveitando o fato que é estar vivo(a); o outro é o Monte Seler, uma montanha que Nando escalou para sair da cordilheira junto com Roberto Canessa e Antonio Vizintin, e que ele mesmo teve o direito de batizar em homenagem ao seu pai.
O terceiro vinho se chama Viejo Seler, porque minha família e Nando carinhosamente chamavam Seler assim, e ele merece ser o vinho-ícone do projeto. É um blend de malbec e cabernet franc com as melhores uvas da região”, afirma Franchetti.
Parrado revela o lado mais íntimo que o motivou a seguir adiante com o projeto. “Quando meu pai faleceu, ele havia deixado um documento em cartório indicando que desejava ser cremado no mesmo dia e depois enterrado no meio da Cordilheira dos Andes com sua esposa e filha.” E acrescenta: “Sei que meu querido pai ficaria incrivelmente surpreso e comovido ao saber que existe um maravilhoso malbec com seu nome”.
Emoção e vinhos do Vale do Uco
Um fato importante sobre esses vinhos é que eles são feitos por ninguém menos que Matías Michelini, o famoso enólogo. A esse respeito, ele revelou que escolheram o Vale do Uco para fazer as bebidas por causa de sua proximidade com as montanhas, solos de granito-calcário e elevada altitude.
Gualtallary, em Tupungato, foi a região de vinhedos escolhida para o Monte Seler, bebida 100% malbec de uma pequena propriedade com dois hectares; de San Pablo, em Tunuyán, foram escolhidas as uvas para o Viejo Seler, uma co-fermentação de malbec e cabernet franc; e para o Fila 9, as uvas originam-se também de propriedades na cidade de Tupungato.
“Nando é um fanático por vinhos e confiou em minha intuição e estilo desde o início”, diz Michelini. Os vinhedos são cultivados organicamente e a vinificação é feita na Passionate Wine, vinícola onde se respeita muito o terroir. Além disso, são praticamente feitos à mão, com grande dedicação da família Michelini.
Quanto ao processo de vinificação, o Fila 9 utiliza cubas de concreto, sem madeira, para ser fiel ao caráter dos vinhos de Tupungato. “Após a fermentação, o Monte Seler é envelhecido por 12 meses e o Viejo Seler por 18 meses em barris de carvalho francês”, conta o enólogo.
Um detalhe importante na apresentação dos vinhos é a atenção aos rótulos. O trabalho foi realizado pelo estúdio Jacomy Mayne, de Mendoza, priorizando a narrativa visual.
Para citar um dos conceitos mais significativos, no rótulo do Fila 9, eles incluíram uma imagem muito particular como plano de fundo. É o mapa topográfico que marca o terreno onde ocorreu o acidente. Nele, há uma linha de pontos que representa o caminho percorrido na montanha; os pontos cardeais também estão marcados, entre os quais se destaca o Oeste, que foi referência no caminho que percorreram para se salvar.
Projeto baseado na admiração
Aldo Franchetti, como sócio, disse que sempre pensou em empreender no vinho. Após a visita de Nando a Mendoza, em 2019, decidiu se juntar com seu amigo e atual sócio, Nico Fernández, e tomaram a decisão de empreender. “Nando nos disse automaticamente: ‘pessoal, eu faço parte da equipe. Vamos em frente”, lembra ele.
Em conversa com a reportagem da Forbes Argentina, Aldo revelou mais alguns detalhes dessa nova proposta de vinho de Mendoza, envolvendo o ícone uruguaio, e também como o sucesso do filme “The Snow Society” influenciou a proposta no universo do vinho. Confira o que ele diz:
Como surgiu a ideia de propor esse projeto ao Nando?
Com o Nico Fernández, com quem compartilho a mesma atitude empreendedora. Sempre sonhamos em fazer bons vinhos para o mercado interno e exportação. Após a visita de Nando a Mendoza, em um coquetel, conhecemos Nico e ambos tivemos a ideia de fazer os vinhos com ele, em homenagem a seu pai e sua história. Demos forma ao projeto e o propusemos a ele.
Estávamos muito entusiasmados com a ideia de criar um projeto de vinho diferente e que, por meio da bebida, pudéssemos homenagear o vínculo entre Nando e seu pai, Seler, responsável por motivá-lo a deixar aquele lugar na Cordilheira dos Andes.
Que investimento teve de fazer e quem são os membros dessa empresa?
O investimento inicial foi de US$ 100 mil (R$ 524 mil na cotação atual). Somos sócios e amigos com espírito empreendedor, eu e o Nicolás. E Nando Parrado, que é nosso amigo e inspiração.
Qual a produção anual em número de garrafas?
Em nossa primeira safra, produzimos 10 mil garrafas. Dada a boa demanda, estamos crescendo na produção das linhas Fila 9 e Monte Seler. Todos os rótulos do nosso portfólio estão vendendo muito bem.
Como e onde os vinhos são comercializados?
Os vinhos estão disponíveis para compra direta com envio para qualquer parte da Argentina e do mundo no nosso site. Também temos um distribuidor oficial em Buenos Aires. Por outro lado, estamos exportando para o Brasil, Uruguai e prestes a chegar ao Peru, Chile e Paraguai. Na sequência, nossos próximos destinos são os EUA e a Europa.
Quais são as projeções de crescimento desse projeto?
Nosso plano de crescimento é muito ambicioso. Já estamos na segunda etapa do projeto, que inclui o desenvolvimento do enoturismo, o que nos permitirá criar novas linhas de produtos e experiências.
Como foi o impacto da The Snow Society nas vendas?
Isso renovou muito o interesse pela nossa história e foi muito bom.
Conheça a história que inspirou a criação do vinho
Em 13 de outubro de 1972, o avião uruguaio que transportava os jogadores do time de rúgbi do Old Christians Club, de Montevidéu, caiu na Cordilheira dos Andes e os sobreviventes tiveram que superar condições extremas.
Na época, Nando Parrado tinha 22 anos, era estudante e jogador de rúgbi. Ele estava viajando com sua mãe, irmã e os amigos Panchito Abal e Guido Magri. Após o acidente, Nando ficou inconsciente por três dias por causa de uma grave concussão.
A mãe morreu no impacto e Susana, sua irmã, ficou gravemente ferida. Quando ela recuperou a consciência, Nando cuidou dela, alimentando-a e massageando suas pernas, mas Susana morreu em seus braços em 21 de outubro, dia em que o Serviço de Resgate Aéreo encerrou a busca oficial pelo avião. Seus amigos Panchito e Guido Magri também morreram no acidente.
Parrado sabia que eles precisavam buscar ajuda e foi ele quem, junto com Roberto Canessa, escalou uma montanha que futuramente batizaria de Monte Seler, em memória ao seu pai. Foi ele, também, quem viu o tropeiro Sergio Catalán, que informou às autoridades ter encontrado os sobreviventes uruguaios.
Após o acidente, Parrado competiu no automobilismo, correu no evento de automobilismo Le Mans Classic e teve contatos com a Fórmula 1, onde fez amizade com Jackie Stewart e Bernie Ecclestone. Parrado também dá palestras sobre desenvolvimento pessoal no mundo todo e é apresentador e produtor de programas de automobilismo. Em 2010, foi escolhido como o “Melhor Palestrante do Mundo” pelo World Business Forum, em Nova York.