Resumo
• Projeto de Lei dá ao Congresso a palavra final para contratos que podem movimentar R$ 180 bilhões
• Ou Lula bate de frente, ou cede em nome da “governabilidade”
• E aí deixa para os ministros de Minas e Energia e do Meio Ambiente tentar segurar a martelada final sobre as concessões, renovações e licitações de energia.
Tudo nasceu sob a premissa de uma urgência climática. Diante dos apagões de energia elétrica causados pelas chuvas no Sudeste e Centro-Oeste nos primeiros meses do ano, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), fez um discurso segundo a Editora3, emotivo sobre como presidir a Casa do Povo é colocar celeridade em assuntos que afetam a população. E assim foi aprovada a urgência no Projeto de Lei 4831/2023. Na teoria, o Projeto de Lei atribui ao Legislativo a avaliação contratos, revisão de licitações e autorização para novas concessões – tudo, segundo Lira, visando estritamente o bem nacional. Na prática, coloca nas mãos de deputados e senadores a palavra final para contratos que podem movimentar R$ 180 bilhões, distribuídos em 20 contratos, até 2030. Ao presidente Lula, há dois caminhos. Bater de frente, em nome da autonomia, ou ceder, em nome da promessa de governabilidade.
Até aqui, o governo Lula III foi reachado de cessões, mas as cinco ocorridas em 2024 talvez sejam os melhores exemplos de como funciona a relação.
Em ordem cronológica:
• Lira conseguiu que o Lula recuasse no veto ao calendário de pagamento das emendas parlamentares.
•Também veio do alagoano a derrubada da articulação do governo para colocar o senador Renan Calheiros (MDB-AL), aliado de Lula, mas rival declarado de Lira, na relatoria da CPI da Braskem.
• Lira também derrubou a intermediação política de Alexandre Padilha, ministro das Relações Institucionais, e em seu lugar colocou Rui Costa, da Casa Civil, como seu intermediador com a Esplanada. Lula aceitou.
• Pouco tempo depois do PT começar a falar sobre quem apoiar na próxima eleição para a presidência da Câmara, em 2025, Lira agiu. Realizou um encontro com Lula e não demorou a fazer uma fala pública sobre ter alinhado com o petista para que ambos apoiassem “um candidato em comum”.
• Questionado sobre quem seria esse parlamentar, a resposta foi que seria escolha de Lira.
20 renovações ou concessões estão previstas até 2030
56 milhões de unidades atendidas pelos novos contratos
15 anos será a duração de cada um dos contratos firmados
Entre os ministros e assessores próximos a Lula o discurso final é que as negociações com o Poder Legislativo fazem parte da postura republicana que o governo adota. Mas essa não é exatamente toda a verdade. Lula parece ceder à Lira. Especificamente a ele. E isso tem gerado um desconforto no Senado. Local, inclusive, que segurou pautas-bombas vindas da Câmara para não estimular uma crise institucional entre os Poderes.
A tensão com Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente da Câmara, ficou mais evidente quando Renan Calheiros foi defenestrado da relatoria da CPI da Braskem, de sua autoria, após pressão de Lira, por entender que Calheiros poderia prejudicar a reputação do atual prefeito de Maceió, João Henrique Caldas, aliado dele.
Luz no legislativo
Com todos os sinais de boa vontade de Lula com Lira, restou aos ministros de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e do Meio Ambiente, Marina Silva, tentarem segurar a martelada final sobre as concessões, renovações e licitações de energia.
Para isso, eles estão preparando diretrizes para a renovação dos contratos de distribuição, que seriam publicadas em decreto presidencial. Se isso acontecer, a expectativa é por um novo “duelo de decretos”, com Lira derrubando qualquer decisão tomada por Lula por esse meio.
As concessões em questão envolvem 56 milhões de unidades consumidoras de energia, e envolve diretrizes diferentes a depender do autor da regulamentação. Do lado do governo, o texto inclui elevar o número de autorizações legais, exigência de compensação ambiental, comprometimento com a tarifa social e inclusão de novos dispositivos de acionamento do governo em caso de crises energéticas.
Haverá cobrança de outorga, e a duração dos contratos também pode variar através de revisões a cada ciclo de cinco anos para avaliação das partes. A autorização é feita por meio de um leilão, com validação do Executivo, como acontece com rodovias e aeroportos, por exemplo.
Também há gatilhos para impedir que uma única distribuidora domine mais de 70% do mercado de energia de um determinado local, afim de inibir o monopólio.
Para o doutor em energia e meio ambiente, professor da Universidade de São Paulo e ex-secretário executivo do Ministério de Minas e Energia do governo Michel Temer, a retirada do Executivo da abertura e coordenação da concorrência será custosa e menos transparente. “Estima-se que o Legislativo precisaria criar um departamento com ao menos 50 cargos, entre técnicos, especialistas e advogados para fazer tal curadoria”, disse.
Além disso, os processos licitatórios do Executivo têm um filtro menor de transparência. O Executivo, por exemplo, não está incluso no compras.gov, uma plataforma do governo federal que detalha o processo licitatório.
Não há também indicação no projeto da Câmara se a B3, que garante a lisura nos leilões de infraestrutura, estará presente no processos.
Com toda essa confusão, o Tribunal de Contas da União (TCU) já colocou o corpo fora. Em nota, eles informaram que só irão se manifestar sobre as renovações dos contratos depois que as regras forem definidas.
A levar em conta que na disputa de narrativa pela urgência do PL 4831/2023 na Câmara resultou em 339 votos pró Lira e 82 pró Lula, não é difícil imaginar onde é que a luz deve reinar em mais essa negociação.