O Congresso retorna nesta quarta-feira (2) das férias de fim de ano com baixas expectativas de realizar mudanças estruturais significativas, mas com perspectiva de votações de pontos da chamada “pautas de costumes” do governo Jair Bolsonaro (PL), entre outras.
Como em todo ano eleitoral, a prioridade da maior parte dos parlamentares segundo a Folha de S. Paulo, será a preparação para a disputa de outubro, o que tende a esvaziar os trabalhos legislativos, principalmente no segundo semestre do ano.
Já neste início de trabalho legislativo, os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), vão se reunir para tentar resolver dois entraves da agenda econômica: a simplificação do sistema tributário e uma solução para conter a alta de combustíveis no país.
Lira tem dito a aliados que pretende procurar Pacheco já na primeira semana para conversar sobre a reforma tributária.
Na Casa vizinha tramita a PEC (proposta de emenda à Constituição) 110, relatada pelo senador Roberto Rocha (PSDB-MA) e que unifica nove tributos. O tema deve entrar na pauta da Comissão de Constituição e Justiça em fevereiro.
Apesar da intenção de destravar a pauta, são reduzidas as chances de uma mudança no sistema tributário sair do papel neste ano. Isso porque uma PEC precisa do apoio de ao menos 60% do Congresso, algo difícil de acontecer com um tema que mexe com arrecadação de entes federados.
Reformas tributárias concentram um grande histórico de fracassos no Congresso Nacional. O próprio Pacheco amargou um, considerando que, um dia após a sua posse, ele e Lira anunciaram que outra proposta de reforma tributária, que era analisada em uma comissão conjunta das duas Casas, seria votada entre agosto e outubro do ano passado.
Após o fracasso, o foco agora do senador é centrar os esforços na proposta que tem origem no Senado.
Lira e Pacheco também devem conversar sobre a PEC que busca reduzir os tributos sobre combustíveis, em uma tentativa de conter um aumento de preços que causa preocupação a aliados do presidente pelo risco que traz ao projeto de reeleição de Bolsonaro.
Mesmo no governo ainda não há uma conciliação sobre a melhor maneira de minimizar o problema. Nesta quinta-feira (27), o Planalto decidiu descartar a proposta de criação do fundo de estabilização para interferir diretamente no preço de combustíveis. Agora, o ministro Paulo Guedes (Economia) quer tentar limitar o corte de tributos e desonerar apenas o diesel.
Se a perspectiva é pouco animadora no que diz respeito às reformas estruturantes, a chamada agenda de costumes pode finalmente ganhar espaço no Congresso. Uma primeira indicação disso foi dada pelo ministro Ciro Nogueira (Casa Civil), em entrevista ao jornal O Globo, quando afirmou que Bolsonaro pediu empenho para a redução da maioridade penal.
Uma PEC que reduz para 16 anos a maioridade penal em caso de crimes hediondos foi aprovada em segundo turno pela Câmara em agosto de 2015 e aguarda apreciação pelo Senado.
Bolsonaro foi eleito prometendo aprovar no Congresso projetos de agrado de sua base mais radicalizada de apoio. Apesar de o Congresso que tomou posse conjuntamente com ele em 2019 também ter sido influenciado pela onda de direita que tomou conta do pleito do ano anterior, pouca coisa nesse sentido andou até o momento.
Outro tema controverso que o presidente da Câmara quer pautar já em fevereiro é a legalização do jogo do bicho no Brasil. O projeto é criticado pela bancada evangélica e pela oposição, sob argumento de que a questão precisa ser melhor discutida com a sociedade civil.
Lira disse a aliados que pretende se reunir com evangélicos para diminuir a resistência ao texto, embora descarte deixar de colocar a proposta em votação.
O presidente da Câmara também manifestou a intenção de levar ao plenário projetos defendidos pela esquerda, como a proposta que autoriza empresas a cultivarem maconha para fins medicinais.
No Senado, Pacheco pretende colocar em votação uma proposta para tornar constitucional o direito à união civil entre pessoas do mesmo sexo.
Essa vem sendo uma demanda constante do senador Fabiano Contarato (PT-ES). O parlamentar já cobrou algumas vezes em reuniões de líderes e no plenário que o Congresso Nacional deve assumir a responsabilidade e tornar esse direito constitucional.
A união atualmente já é permitida, mas em virtude de uma decisão do Supremo Tribunal Federal, e não por meio de uma iniciativa parlamentar.
O presidente do Senado tem dito a interlocutores que também devem ser colocadas em votação no primeiro semestre a regularização fundiária, o novo marco legal para licenciamento ambiental e a proposta que libera jogos em resorts integrados.
Apesar dos objetivos traçados por Lira e Pacheco, líderes partidários, inclusive da base governista, expressam ceticismo com a possibilidade de votação de temas controversos em ano eleitoral. Na avaliação deles, além de medidas provisórias, só serão votados assuntos que tenham apoio amplo parlamentar.
Também está na pauta a análise de vetos do presidente Jair Bolsonaro. Parlamentares dizem que entre os que têm chances de ser derrubados estão vetos ao Orçamento de 2022 e à compensação fiscal de TVs e rádios pela veiculação da propaganda partidária obrigatória.
Tradicionalmente o Congresso fica esvaziado em anos eleitorais. A maioria dos deputados federais, além de um terço do Senado, deve se candidatar à reeleição ou a outros cargos. Isso envolve uma maior presença nos redutos eleitorais, além de pouco interesse ou resistência a temas legislativos que possam causar polêmica ou desgaste.
Paralelamente às discussões de plenário, o início de atividade legislativa deve ser marcado pelas articulações entre os partidos para tentar atrair o maior número de parlamentares. Será aberta em março a janela de um mês para que deputados possam migrar de partido sem risco de perder o mandato por infidelidade.
A disputa pelo comando das comissões, em especial as da Câmara, também será um dos focos dos partidos. Um princípio de disputa já está se desenhando e coloca em lados opostos bolsonaristas e o União Brasil, novo partido formado pela fusão de PSL e DEM.
Aliado de Bolsonaro reivindicam o cumprimento de um acordo firmado por Lira em troca de apoio na eleição para a presidência da Câmara. Segundo os bolsonaristas, a negociação envolveria o comando de comissões, entre elas a CCJ (Constituição e Justiça), por dois anos.
No entanto, com a expectativa de migração dos parlamentares para o PL, o União Brasil defende que seja cumprido o regimento, com possibilidade de indicação de novos nomes da legenda, inclusive que não façam parte nem do PSL nem do DEM.
Ainda na Câmara, a disputa pela vaga no TCU (Tribunal de Contas da União) que será aberta em julho com a aposentadoria da ministra Ana Arraes também entra no foco dos deputados, que já iniciaram as articulações internas.
Três nomes são apontados como fortes candidatos ao cargo, dois deles do centrão, Jhonatan de Jesus (Republicanos-RR) e Soraya Santos (PL-RJ), e um do PSD de Gilberto Kassab: Hugo Leal (PSD-RJ).