Para tentar combater furtos e roubos durante a pandemia do novo coronavírus, o deputado Delegado Waldir (PSL-GO) quer alterar o Código Penal, dobrando a pena aplicada a esses crimes se eles forem cometidos em meio ao estado de calamidade pública. “Várias pessoas vêm aproveitando o momento para roubar, até mesmo equipamentos de saúde. Queremos inibir a conduta desses criminosos”, diz o parlamentar.
O projeto de lei do Delegado Waldir recorre ao endurecimento da pena com objetivo de reduzir as estatísticas criminais. Uma análise do Instituto Sou da Paz revela agora que iniciativas como essa representam a maioria dos novos projetos apresentados no Congresso Nacional sobre segurança pública e os efeitos ligados à pandemia do novo coronavírus.
Levantamento do instituto aponta que das 137 propostas sobre segurança pública e justiça criminal apresentadas em pouco mais de um mês, tanto na Câmara quanto no Senado, 65,7% (90 no total) estão relacionadas com a crise do coronavírus. E entre essas 90, 40 têm o objetivo de aumentar a pena de um crime já existente ou criar um novo tipo penal.
“Chama a atenção que os (as) parlamentares sigam a mesma receita observada nas quatro edições da pesquisa do instituto: a do endurecimento penal”, analisa o documento, constatando que a saída diante da nova crise tem sido a mesma escolhida em legislaturas anteriores.
Além da proposta do Delegado Waldir, há outras na mesma direção, como as que querem criminalizar o aumento de preço de mercadoria, prender quem infringe medida sanitária preventiva (como isolamento) e quem divulga falsa cura, por exemplo. “É necessária uma diferenciação para esses tipos de crimes que são praticados justamente em razão da situação de calamidade, o que se mostra desprezível e merece uma ação mais enérgica por parte do Estado”, lê-se na justificativa do projeto do parlamentar do PSL.
A análise que faz o Sou da Paz é que faltam propostas que pensem a segurança pública para além da dimensão penal. “O Congresso tem um papel muito importante diante de uma crise como a que passamos. Mas no campo da segurança, os deputados acabam seguindo as velhas soluções que não tem trazido muitos resultados”, afirma o gerente de relações institucionais do Sou da Paz, Felippe Angeli. O cárcere, diz Angeli, já é por si só um dos problemas centrais da epidemia diante da possibilidade de propagação do vírus.
Além disso, o instituto avalia que o Código Penal brasileiro já é muito extenso na tipificação das condutas e é capaz de dar conta de fenômenos criminais próprios da pandemia. “Entre outras consequências, criminalizar novas condutas e aumentar a pena para crimes já existentes sobrecarregaria o falido sistema prisional, aumentando ainda mais o risco de proliferação do vírus entre os presos”, aponta análise feita pelo Sou da Paz.
Quem tem explorado as deficiências do sistema penitenciário tem sido as facções, com transbordamento das atividades criminosas da cadeia para as ruas, reforça Angeli.
Por outro lado, acrescenta o instituto, há propostas positivas que visam a proteção dos profissionais da segurança pública que também estão na linha de frente no combate à doença. “São projetos que objetivam dar melhores condições de trabalho para estes profissionais, bem como resguardar sua atuação concedendo benefícios em razão do risco a que estão submetidos e do tipo de atividade que exercem neste contexto. Essas propostas somam 26 das que analisamos”, contam os especialistas.
Uma outra porção dos projetos tem o objetivo de assegurar às mulheres vítimas de violência doméstica maior proteção e possibilidades de denúncia e salvaguarda. Esses projetos representam pouco mais de 12% do total analisado.
Um deles é de autoria da deputada Érika Kokay (PT-DF), que prevê a possibilidade de a vítima fazer a denúncia de forma virtual e acionar a rede de proteção. “Há um crescimento inegável do aumento da violência contra a mulher diante de uma lógica machista de subalternidade e desumanização”, diz a deputada.
Os parlamentares agora batalham para que os projetos possam começar a ser discutidos em comissões até serem pautados para votação. O Delegado Waldir disse ter pedido ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para pautar um pacote de segurança relativo à pandemia. “A situação que vivemos é extremamente grave”, diz Waldir. “É uma verdadeira tempestade.”
Grupo sugere medidas para a segurança pública: equipamentos, protocolo e integração
Um grupo formado por 22 especialistas em segurança pública divulgou neste mês uma carta pública com sugestão de dez medidas para a área durante a pandemia do novo coronavírus. Entre os nomes que assinam o documento estão o do coronel José Vicente da Silva Filho, ex-secretário nacional de segurança, o do ex-ministro da Segurança Raul Jungmann e acadêmicos como o pesquisador Bruno Paes Manso e o economista Daniel Cerqueira, além de membros do Sou da Paz e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Eles dizem ser fundamental pensar na proteção dos profissionais da área. “Em geral, são os agentes policiais que irão cuidar para que as medidas de isolamento social sejam adequadamente cumpridas pelos cidadãos, o que suscita tensões ante a esse novo papel da polícia”, lembram.
O impacto econômico derivado da quarentena eleva o risco de violência, como a doméstica, e de ações criminosas, especialmente as de longa duração”, destacam os especialistas, que apontam ainda o impacto da pandemia no sistema prisional brasileiro. A partir desses pontos, eles requerem às autoridades a adoção das seguintes medidas:
Garantia de equipamentos de proteção individual (EPIs) que protejam os profissionais da segurança pública e do sistema prisional;Viabilização de protocolos e tecnologias que garantam a proteção dos profissionais que atendem diretamente ao público nas situações não emergenciais;
Reforço da estrutura de hospitais dedicados aos profissionais de segurança e priorizar a testagem destes;
Apoio e fortalecimento do trabalho das forças de segurança a partir da colaboração federativa entre União, Estados e Municípios;
Monitoramento e reorientação do trabalho das forças de segurança para lidar com os novos problemas de segurança, bem como ter políticas claras de uso da força para lidar com novos desafios surgidos com a crise;
Priorização e desenvolvimento de metodologia específica para violência doméstica;
Estabelecimento de mecanismos seguros e confiáveis para o registro das mortes (garantindo insumos para testagem obrigatória e investigação de todas as mortes suspeitas);
Consideração de prisão domiciliar ou outras alternativas penais aos detentos pertencentes ao grupo de risco para a infecção (gestantes, doenças preexistentes, maiores de 60 anos) e presos provisórios que tenham cometido crimes sem violência (como furto, por exemplo);
Garantia às pessoas privadas de liberdade de direitos como alimentação adequada, reforço em materiais de higiene, atendimento à saúde, visitação, entre outros;
Assegurar a proteção da privacidade e a segurança de dados pessoais associados à utilização de tecnologias de monitoramento e controle de deslocamento e hábitos sociais. As informações são do Estadão.