Sem alarde conforme o portal Uol, o Congresso Nacional se prepara, nos bastidores, para aprovar um projeto de lei para afrouxar a fiscalização dos gastos do Fundo Partidário. O texto com o novo Código Eleitoral foi apresentado na terça-feira (3), um dia depois da retomada das atividades parlamentares. Antes do recesso, foi aprovado o aumento do Fundo Eleitoral de R$ 2 bilhões para R$ 5,7 bilhões. .
O projeto é de autoria da senadora Soraya Santos (PL-RJ) e recebe o apoio do Centrão — que, nos bastidores, articula para levar logo o texto para votação em plenário. Enquanto as atenções estão voltadas para as discussões sobre do voto impresso, o grupo político correu por fora para tentar “passar a boiada” do Fundo Eleitoral. Além de ter engordado o cofre, agora quer facilitar o uso do dinheiro.
Em caráter reservado, técnicos do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) afirmaram à coluna que, se o projeto for aprovado, será “inviável” a fiscalização das contas dos partidos e dos candidatos. Isso porque o novo Código Eleitoral extingue o sistema de prestação de contas desenvolvido em 2018 pela Justiça Eleitoral. O sistema tem campos específicos tabulados para o preenchimento dos gastos – como passagens aéreas e eventos.
O projeto de lei determina que a prestação de contas seja feito por meio de um sistema da Receita Federal que é mais genérico. Ele funciona como um livro contábil em que o partido ou o candidato anotam o tipo de gasto que efetuaram. Como não é padronizado, fica inviável para os técnicos da Justiça Eleitoral verificarem todas as movimentações de todos os partidos e candidatos do país.
“O sistema da Receita não é disponível em formato aberto, não tem padronização no preenchimento e, então, o acompanhamento dos gastos partidários pela imprensa, pela sociedade e pela academia ficaria prejudicado”, diz o advogado Marcelo Issa, diretor-executivo do Transparência Partidária, um movimento de entidades dedicadas ao sistema eleitoral brasileiro.
“Na prática, a Justiça Eleitoral ficaria sem condições de fazer a fiscalização adequada dos recursos públicos recebidos pelos partidos”, conclui o advogado.
Brecha para uso do Fundo Eleitoral
O novo Código Eleitoral também abre brecha para que o Fundo Eleitoral seja usado de forma mais flexível. Hoje, a lei traz uma lista de situações que o dinheiro pode ser aplicado. O projeto inclui no texto “outros gastos de interesse partidário, conforme deliberação da executiva do partido político”.
Segundo Issa, esse trecho permitiria, por exemplo, que a legenda gaste dinheiro público com festas de fim de ano regadas a bebida alcoólica, sem que a Justiça Eleitoral possa intervir.
Outro ponto polêmico é a possibilidade de devolução dos recursos públicos usados irregularmente somente em caso de “gravidade”. A inclusão dessa condição deixa a cargo do juiz examinar se a situação é ou não grave – permitindo, na prática, que o partido fique impune.
Em caso de punição com multa, o projeto traz mais uma vantagem para os partidos. Hoje, a lei impõe multa de até 20% sobre gastos considerados irregulares. Segundo o novo Código, a punição seria de, no máximo, R$ 30 mil reais. “Na prática, a punição ficaria insignificante”, afirma Issa.
O projeto ainda traz uma mudança técnica que facilita a vida dos partidos. Hoje, os processos de prestação de contas são jurisdicionais. Eles passariam a ser administrativos. No primeiro caso, os partidos e candidatos têm prazos fixados em lei para apresentarem provas e documentos. No segundo, esses prazos não existem.
Por lei, um processo administrativo dura cinco anos. Ou seja, se os partidos e candidatos não apresentarem documentos nesse prazo, a Justiça ficaria impossibilitada de julgar as contas – o que acarretaria em impunidade para casos de aplicação irregular de recursos públicos.
Mas a flexibilização não para por aí. O projeto de lei quer reduzir de cinco para dois anos o prazo do processos de prestação de contas. Logo, os partidos e candidatos ficariam livres do encalço a Justiça ainda mais cedo – e, diga-se, com mais chances de se livrar de qualquer tipo de punição.