A barbeiragem do governo na tentativa de mudar o marco do saneamento expôs um problema segundo Bruno Boghossian, da Folha, bem maior do que uma possível derrubada dos decretos de Lula para o setor. A revisão das regras é considerada um item lateral da agenda do petista, mas o risco de derrota desse plano deve afetar toda a operação política do Planalto no Congresso.
Descrita por integrantes do próprio governo como “um resultado humilhante”, a votação da Câmara mostrou que falta um termômetro na cozinha de Lula. Auxiliares do presidente foram incapazes de antever a reação dos parlamentares e, pior, conquistar a fidelidade de partidos que deveriam compor sua base.
A votação apontou que a União Brasil não é a única legenda que se sente confortável o suficiente para desafiar o governo, apesar do generoso espaço ocupado na Esplanada dos Ministérios. O MDB, até então considerado um parceiro firme, deu 31 de seus 32 votos contra o decreto de Lula —ainda que abrigue o ministro da área, Jader Filho (Cidades).
A condução atrapalhada do tema deu ao centrão e seus aliados a oportunidade de exibir em público as rédeas com que pretendem controlar a agenda de Lula. Num recado pouco amigável ao governo, o presidente da Câmara, Arthur Lira, disse que a principal reforma do Congresso será “não deixar retroceder tudo o que já foi aprovado no Brasil”.
Os partidos que formam maioria no Legislativo tentam reforçar suas posições como âncoras das medidas econômicas aprovadas por eles mesmos nos anos Michel Temer e Jair Bolsonaro, incluindo o marco do saneamento. O objetivo é explorar a flâmula da centro-direita para ganhar poder de barganha nas negociações com Lula.
O jogo torna a margem de atuação do governo ainda mais estreita. Lula deve abrir mão de fatias do Orçamento para atender às demandas dos parlamentares e, mesmo assim, continuar sob a mira de um Congresso disposto a apertar os limites de gastos do Planalto nas discussões do novo arcabouço fiscal.