O gesto do presidente Jair Bolsonaro de promover uma reunião ampla nesta quarta-feira (24) para discutir medidas de combate à pandemia do coronavírus é visto, segundo a Folha, com ceticismo por integrantes tanto do Legislativo como do Judiciário.
A intenção do presidente é usar o encontro, que será promovido no Palácio da Alvorada com as cúpulas dos Poderes, para anunciar medidas de saúde que envolvam todo o poder público, como a criação de um gabinete de emergência, e tentar reverter o desgaste de imagem de seu governo com a escalada de mortes.
A ideia de Bolsonaro é encampar uma retórica moderada, dando a entender que a chegada de um novo ministro da Saúde marca uma nova fase de sua gestão. A nova roupagem, porém, é avaliada nos bastidores, por integrantes do STF (Supremo Tribunal Federal) e do Congresso, como pouco convincentes.
Eles lembram que, apesar de ter adotado um discurso pró-vacina e aceitado mudar o comando do Ministério da Saúde, Bolsonaro segue fazendo críticas a medidas de restrição social e, no domingo (21), ao promover nova aglomeração, voltou a sugerir o uso das Forças Armadas para garantir a liberdade da população.
Nesta segunda (22), por exemplo, Bolsonaro disse que não havia motivo para mudar sua posição em relação à pandemia. “Eu devo mudar o meu discurso? Eu devo me tornar mais maleável, eu devo ceder? Fazer igual a grande maioria está fazendo? Se me convencerem do contrário, faço. Mas não me convenceram ainda. Devemos lutar contra o vírus, e não contra o presidente”, disse.
Em conversas com a Folha, pelo menos seis integrantes do Judiciário e do Legislativo disseram não ter grandes expectativas de resultados concretos do encontro desta quarta. Apontam, contudo, que a reunião pode servir como uma oportunidade para sinalizar a Bolsonaro que a tolerância para a falta de coordenação de seu governo para enfrentar a crise de saúde está no limite.
“Eu acho que não vai ter resultado concreto, mas é uma oportunidade de os presidentes da Câmara e do Senado tentarem atuar como moderadores em uma lógica nacional”, afirmou à Folha o deputado federal Fausto Pinato (PP-SP).
Nesta segunda-feira, no que foi interpretada como uma indireta a Bolsonaro, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), criticou duramente quem adota uma postura negacionista, argumentando que o comportamento se tornou uma “brincadeira de mau gosto, macabra e medieval”.
“E não será uma minoria desordeira e negacionista que fará pautar o povo brasileiro e o Brasil neste momento em que precisamos de união”, afirmou, ressaltando que os líderes estão diante de duas alternativas: a “união nacional” ou o “caos nacional”.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), também deve participar do encontro. A articulação para a reunião de quarta-feira partiu de Bolsonaro, em uma resposta à escalada da pressão sobre o governo por causa do descontrole da pandemia no país, com um número de mortos que se aproxima rapidamente de 300 mil.
Além das cobranças internas, o Brasil passou a ser considerado um “pária internacional” na condução da crise sanitária —apesar de o presidente declarar que o país é um “exemplo” e que está na vanguarda no enfrentamento à pandemia.
A avaliação tanto no Supremo como no Congresso é a de que, ao promover o encontro, Bolsonaro tenta apenas mostrar para a população que se esforçou para construir uma unidade nacional, após tentativas do Congresso de conduzir o processo.
No STF, a presença do presidente Luiz Fux é vista com reserva por integrantes da corte. Na avaliação deles, o movimento do presidente pode ser uma tentativa de carregar o Supremo e o Congresso para a responsabilização da crise.
Segundo relato feito à Folha, Fux já disse a Bolsonaro que não pretende participar de deliberações que possam, no futuro, ser questionadas juridicamente. No final de semana, ambos cogitaram promover um encontro prévio à reunião nesta terça-feira (23), mas acabaram desistindo.
O encontro também é uma forma de Bolsonaro tentar aplacar as críticas pela substituição do general Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde. O escolhido para o cargo, o cardiologista Marcelo Queiroga, ainda precisa se desligar de uma clínica da qual ainda consta no site da Receita Federal como sócio-administrador.
“Em meio ao período mais grave da pandemia você ter um ministro demitido que continua no cargo e um ministro escolhido que não consegue assumir é surreal”, afirma o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM). “Não é uma questão de gostar ou não gostar do presidente. É uma questão de ter responsabilidade com a vida do povo brasileiro.”
O ceticismo de Legislativo e Judiciário reside no histórico do comportamento do presidente. Dois dias após a decisão do ministro Edson Fachin (STF) que revogou todas as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por exemplo, Bolsonaro usou máscara ao sancionar a lei que facilita compra de vacinas contra o novo coronavírus. Nos dias seguintes, voltou a ser visto sem o equipamento de proteção.
Um dos motivos de descrença é a perspectiva de que Bolsonaro não convide todos os governadores para o encontro, apenas os mais próximos ideologicamente. Governadores do Nordeste levam adiante no âmbito do consórcio da região uma luta para obter vacinas, diante da demora de ação do governo federal.
A iniciativa irrita o presidente, primeiro por promover um desgaste em uma região-chave para as próximas eleições presidenciais e também por ser levado adiante por governadores de oposição, liderados pelo petista Wellington Dias (PI).
Apesar de descrentes de resultados concretos da reunião de quarta, congressistas veem como uma chance de o governo federal tomar uma iniciativa que deveria ter sido sua desde o início: a de criar uma unidade e coordenar ações de saúde em nível nacional.
Com isso em mente, avaliam ser a última chance de o Congresso e o Judiciário passarem uma mensagem mais dura a Bolsonaro e cobrar mudanças no enfrentamento à pandemia.
Um dos padrinhos do encontro, o presidente do Senado tem dito a interlocutores que não espera uma mudança radical da parte de Bolsonaro durante e após a reunião, mas pelo menos alguns “gestos”.
Aliados consideram que Pacheco está numa situação difícil, pois busca uma atuação colaborativa com o governo, mas não vem obtendo respostas positivas do lado do Planalto.
Parlamentares da Casa que preside consideram essa a “última chance” de Bolsonaro. Em caso de fracasso, devem aumentar a pressão sobre o governo e sobre o próprio presidente do Senado, para a instalação de uma CPI e uma postura de confronto às políticas negacionistas.
Mesmo líderes de bancadas governistas passaram recentemente a adotar um tom maior de cobrança em relação ao governo.
“Eu espero que desse encontro possa se retomar atitudes diante do caos na saúde pública que nós estamos vivendo no Brasil. É falta de vacinas, falta de medicamentos para intubação e a pandemia numa crescente. Mudança de atitude, mudança de procedimento, exemplos precisam serem dados pelos nossos líderes maiores”, afirma Nelsinho Trad (PSD-MS), líder da segunda maior bancada do Senado.