Após meses de impasse dentro do Partido Democrata, o Congresso dos EUA aprovou o pacote de US$ 1,2 trilhão (R$ 6,65 trilhões) para a infraestrutura proposto pelo governo de Joe Biden. Um dos maiores planos de investimentos públicos no país em décadas, a iniciativa vai destinar recursos para modernizar estradas, pontes, transportes, aeroportos, ferrovias e redes de abastecimento de água, energia e internet.
O projeto foi aprovado nesta última sexta (5), por volta das 23h20 (já 0h20 de sábado, 6, em Brasília). Foram 228 votos a favor e 206 contra, sendo que 13 republicanos votaram a favor da medida e 6 democratas, contra.
A expectativa é que Biden sancione o plano em questão de horas. Essa é a principal conquista dele em meses, após uma série de reveses, como a caótica retirada das tropas do Afeganistão, que derrubaram sua popularidade. A aposta é que os novos investimentos aqueçam a economia, gerem milhares de empregos e levem o país a avançar na transição rumo a uma economia menos poluente.
O alívio do democrata, porém, não foi completo, já que outra parte importante de sua plataforma, um pacote de investimentos sociais e ambientais estimado em US$ 1,75 trilhão (R$ 9,7 trilhões), ainda está em análise. Biden disse estar confiante de que ele será aprovado até a semana de 15 de novembro. Até lá, o nó político não deve ser desatado de vez.
Um dos fatores que motivaram os democratas a agir em prol dos projetos nesta semana foram os maus resultados nas eleições estaduais da terça (2). O partido perdeu o comando da Virgínia para os republicanos e teve vitória apertada em Nova Jersey, onde o governador Phill Murphy se reelegeu com vantagem de cerca de 60 mil votos.
O plano de infraestrutura prevê US$ 110 bilhões em novos investimentos em estradas, pontes e outras obras viárias. Dados do governo apontam que 278 mil km de rodovias e 45 mil pontes estão em más condições, com problemas como buracos no asfalto, infiltrações e ferrugem nas estruturas.
Na área de mudanças climáticas, o plano prevê US$ 50 bilhões para combate e prevenção de secas e enchentes, US$ 7,5 bilhões para ampliar a rede de recarga de veículos elétricos e mais US$ 5 bilhões para a compra de ônibus escolares elétricos e híbridos.
Haverá investimentos de US$ 66 bilhões no setor ferroviário e de US$ 39 milhões no transporte público. A expectativa é que isso ajude a reduzir o uso de veículos a combustão, que são mais poluentes. O pacote também pretende renovar e ampliar as redes de água, energia e internet rápida, para evitar falhas no fornecimento.
O plano havia sido aprovado no Senado em agosto, com apoio de republicanos, mas ficou três meses travado na Câmara por um impasse entre os próprios democratas. O partido de Biden tem maioria na Casa, mas levou semanas para obter um acordo interno entre as alas progressista e moderada.
Os parlamentares mais à esquerda defendiam que o pacote de infraestrutura só fosse aprovado caso se votasse também o plano de investimentos sociais, batizado de BBB (Build Back Better, reconstruir melhor). Mas os moderados queriam primeiro aprovar o plano de infra.
Eles se dizem incomodados com a alta nos gastos públicos, alegando que pacotes muito robustos podem aumentar o déficit fiscal, gerar inflação e atrasar a retomada pós–pandemia. Já os progressistas e Biden consideram o contrário: que os investimentos gerarão empregos e impulsionarão a economia. E dizem que os gastos do BBB serão custeados por novos impostos para grandes corporações e milionários
Nesta sexta (5), a ala progressista concordou em votar a favor do pacote de infraestrutura depois que cinco deputados democratas moderados, que estavam questionando o BBB, assinaram um termo em que se comprometem a aprovar o pacote até 15 de novembro, assim que a Comissão de Orçamento da Câmara detalhar os gastos da proposta e caso não haja mudanças substanciais ao proposto pelo Casa Branca.
O acordo foi negociado ao longo do dia e fechado por volta das 22h (23h em Brasília). Biden fez cobranças públicas e privadas nas últimas semanas pelo avanço do plano. Nesta sexta, ele adiou uma viagem para Delaware e ficou até a noite telefonando a líderes do Congresso para negociar o avanço da votação.
O BBB ainda precisa ser aprovado na Câmara e no Senado. Dois senadores democratas moderados, Joe Manchin e Kyrsten Sinema, que criticaram por meses o plano, mudaram de posição depois de uma grande redução na proposta, que previa inicialmente gastos de US$ 3,5 trilhões. Com isso, ficaram de fora medidas como uma ampliação do acesso gratuito a faculdades, a possibilidade de licença médica remunerada para trabalhadores e descontos em medicamentos.
Os dois senadores, no entanto, ainda não deram garantia final de que votarão pelo plano em debate na Câmara.
A versão atual do BBB prevê ao todo US$ 1,75 trilhão (R$ 9,83 trilhões) em investimentos sociais e ambientais e mais US$ 100 bilhões (R$ 560 bilhões) para gastos relacionados à imigração. Haverá US$ 400 bilhões para a universalização do acesso à pré-escola para crianças de três e quatro anos de idade e ampliação do acesso infantil a planos de saúde.
O avanço do acesso à pré-escola, que deve beneficiar 6 milhões de famílias, ajudará as mulheres a terem mais tempo livre para trabalhar e estudar, uma vez que o alto custo da educação infantil faz com que muitas mães tenham de ficar em casa cuidando dos filhos.
Haverá também verbas para aumentar o acesso à moradia e a planos de saúde, além de auxílios para trabalhadores de baixa renda. Na área ambiental, serão US$ 555 bilhões (R$ 3,1 trilhões) para investimentos em transição para energia limpa, como a adoção de carros elétricos, o que pode ajudar os EUA a atingir as metas para reduzir a emissão de poluentes nos próximos anos.
Para custear os novos gastos, o governo propôs adotar um imposto mínimo de 15% sobre lucros de grandes corporações, uma taxa de 1% sobre a recompra de ações feitas pela própria empresa que as emitiu e penalidades para multinacionais americanas que moveram suas sedes para paraísos fiscais.
O plano também prevê aumentar em cinco pontos percentuais o imposto sobre rendimentos pessoais acima de US$ 10 milhões (R$ 56 milhões) por ano, e em mais três pontos percentuais para quem ganha acima de US$ 25 milhões (R$ 140 milhões).
Com isso, a expectativa é arrecadar US$ 640 bilhões a mais dos indivíduos muito ricos, e US$ 814 bilhões das corporações, entre 2022 e 2031, segundo estimativa da Comissão de Impostos do Congresso.
Se aprovados por completo, os pacotes serão o maior conjunto de investimentos sociais feitos em décadas nos EUA e poderão ajudar a reduzir a desigualdade social, um dos temas da campanha eleitoral de Biden à Presidência. E também poderão impulsionar os candidatos democratas nas eleições de meio de mandato, marcadas para novembro de 2022.
Com o desgaste atual do mandatário, há o temor de um resultado ruim no pleito, que poderia levar a legenda a perder o controle da Câmara e do Senado, hoje assegurado com margens estreitas.
OS PACOTES DE BIDEN
Infraestrutura
Status: aprovado no Congresso, aguarda sanção presidencial
Inclui:
US$ 110 bilhões para novos projetos e reparos em estradas, pontes e estruturas viárias
US$ 66 bilhões para o transporte ferroviário, de cargas e passageiros
US$ 39 milhões para o transporte público nas cidades
US$ 11 bilhões para segurança de trânsito, como a prevenção de atropelamentos
US$ 7,5 bilhões para ampliar a rede de recarga para veículos elétricos
US$ 5 bilhões para comprar novos ônibus escolares elétricos
US$ 1 bilhão para recuperar comunidades que foram degradadas pela proximidade com estradas
US$ 25 bilhões para o setor de aeroportos
US$ 17 bilhões para o setor de portos
US$ 50 bilhões para combate e prevenção de secas e enchentes
US$ 55 bilhões para modernizar o abastecimento de água
US$ 73 bilhões para melhoria das redes de transmissão de energia elétrica
US$ 65 bilhões para novas redes de internet rápida
US$ 21 bilhões para recuperação ambiental de áreas degradadas, como ex-bairros industriais
BBB (Build Back Better)
Status: em debate na Câmara. Se aprovado, segue para o Senado
Proposta inicial prevê:
US$ 555 bilhões para o combate às mudanças climáticas, como incentivos para fontes de energia menos poluentes
US$ 400 bilhões para universalizar o acesso à escola para crianças de três e quatro anos; a medida deve atender mais de 6 milhões de crianças e garantir recursos para os seis primeiros anos do programa
US$ 200 bilhões em abatimento ou créditos de impostos para famílias com crianças; válido por um ano
US$ 165 bilhões para reduzir o gasto com plano de saúde e ampliar o acesso a planos gratuitos e de baixo custo (Medicaid e Medicare)
US$ 150 bilhões para ampliar o acesso a cuidados para idosos
US$ 150 bilhões para ampliar o acesso à moradia com preço acessível; inclui a construção de 1 milhão de casas
US$ 100 bilhões para os serviços de imigração, a serem usados para acelerar a análise de vistos e de pedidos de asilo, entre outras medidas
US$ 40 bilhões para treinamentos de trabalhadores e bolsas de ensino superior