O Congresso pressiona o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para evitar o corte de emendas parlamentares em um ano eleitoral. Embora Lula tenha acatado o pedido do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para avaliar o cumprimento da meta de déficit zero apenas em março de 2024, quando o governo divulga seu relatório de receitas e despesas, o Centrão definiu o mês como parâmetro para o governo provar que vai honrar seus compromissos sem passar a tesoura nas emendas. Caso contrário, o grupo promete exigir do Executivo a mudança da meta fiscal, sob pena de não aprovar outros projetos de interesse do Palácio do Planalto.
O assunto foi tratado na semana passada por líderes de partidos do Centrão e integrantes da Comissão Mista de Orçamento. O movimento ocorre em sintonia com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que concordaram em dar um “voto de confiança” ao governo.
A estratégia de blindar as verbas destinadas a redutos eleitorais tem como pano de fundo as eleições para prefeitos e vereadores. A pressão para Lula abrir o cofre põe o governo diante de um impasse político: dar conta de atender às demandas de deputados e senadores e, ao mesmo tempo, sinalizar que está controlando as despesas. Até agora, a entrega de ministérios e estatais para o Centrão não resolveu todos os problemas do Planalto com o Congresso.
O prazo de março para verificar se o governo vai cumprir o compromisso de pagar as emendas também foi estabelecido por causa das campanhas, a tempo de o dinheiro cair nos municípios e atender as bases dos congressistas. Em ano eleitoral, as emendas só podem ser pagas até julho e após as disputas, de acordo com a lei. O que os parlamentares querem é que nada fique pendurado para depois. Mas isso exige recursos em caixa e contas em dia.
O Executivo reservou R$ 37,7 bilhões para as emendas em 2024. O Congresso se articula para aumentar esse valor em pelo menos R$ 10 bilhões no Orçamento. A cobrança ocorre no momento em que deputados e senadores se articulam com o objetivo de encaixar na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) um dispositivo que obrigue o governo a pagar mais emendas, além daquelas previstas na Constituição.
Outra articulação do Legislativo envolve um calendário de pagamento de emendas, que não existe atualmente, de acordo com a arrecadação federal. A estratégia “amarra” o governo no controle do caixa. O Ministério da Fazenda e o Planalto são contra a proposta de calendário e tentarão demover os congressistas dessa ideia.
A pressão sobre o Orçamento se soma a outras preocupações de Lula. Na última semana, por exemplo, o Senado aprovou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita a atuação de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). A PEC levou integrantes do Supremo a cobrar o governo, ameaçando uma retaliação.
Lula reuniu ministros do STF para um jantar, na quinta-feira, 23, e tentou apaziguar a crise, que aumentou por causa do voto do líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), favorável à proposta que restringe decisões individuais de ministros da Corte. A PEC ainda terá de passar pelo crivo da Câmara, mas Arthur Lira pretende segurar sua tramitação até pelo menos o fim do recesso parlamentar, em fevereiro de 2024.
É na esteira dessa turbulência política que deputados e senadores pressionam o governo para mostrar que será possível manter a meta de déficit fiscal zero, estipulada pelo Ministério da Fazenda para 2024, sem bloquear o dinheiro das emendas. A meta prevê que, se houver frustração na arrecadação de impostos e nos projetos estabelecidos por Haddad, haverá cortes nas despesas que interessam ao governo e aos parlamentares.
“O governo está forçando para manter tudo do jeito que mandou. Mas depois eles devem mudar”, admitiu o deputado Luiz Carlos Motta (PL-SP), relator do Orçamento de 2024.
A definição da meta é essencial para determinar o rumo de pagamentos no próximo ano no qual prefeitos e vereadores tentarão a reeleição e até deputados sairão na corrida. “O próprio governo está sinalizando que pretende liberar tudo antes das eleições e estamos muito confiantes”, afirmou o deputado Dagoberto Nogueira (PSDB-MS).
Cobrança será para admitir gasto maior
Líderes do Congresso e integrantes do próprio Executivo chegaram a pressionar pela alteração na meta para acomodar mais despesas no Orçamento de 2024. O ministro da Fazenda, no entanto, costurou um acordo interno no governo para segurar o déficit zero até março. Se tiver de cortar emendas, a cobrança será para mudar a meta e admitir um gasto maior.
A alternativa atenderia aos interesses dos ministérios e dos parlamentares. Na prática, porém, deixaria o caixa da União no vermelho, sinalizando descuido com as contas públicas.
A meta de Haddad está prevista no projeto da LDO, que deve ser votado nesta semana pelo Congresso. Para pressionar o governo, o Legislativo quer estabelecer que, para cada R$ 1 cortado das emendas, o governo terá de barrar despesas, na mesma proporção, como as do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Trata-se de uma estratégia para evitar que o Executivo “puna” as verbas de maior interesse do Centrão.
Na sexta-feira, sexta-feira, 24, o relator da LDO, deputado Danilo Forte (União-CE), divulgou uma nota afirmando que a definição da meta fiscal era uma “questão nevrálgica” na discussão. Na avaliação de Forte, a situação econômica não está contribuindo para a manutenção da meta. “Isso muda todas as condicionantes e as variáveis para termos um Orçamento no ano que vem consistente, factível e real”, afirmou o relator.
Em busca de verbas, os ministérios tentam atrair emendas para ações do PAC, vitrine do governo Lula, mas a tendência no Congresso é priorizar o atendimento dos prefeitos, ainda mais em ano de eleições municipais.
Somente a emenda Pix, revelada pelo Estadão, pode atingir R$ 12,5 bilhões em 2024, um valor recorde. O dinheiro cai diretamente na conta dos municípios, mas pode ser aplicado em qualquer área, sem fiscalização nem transparência.
“Os parlamentares ainda reclamam da falta de celeridade na liberação de emendas, inclusive das impositivas individuais. Estrategicamente, é muito mais viável esperar até março para poder traduzir o resultado mais palpável”, argumentou o deputado Mauro Benevides Filho (PDT-CE), um dos interlocutores da Câmara no Ministério da Fazenda.