Diante da queda de braço pelo controle do Orçamento, propostas do governo para reduzir os gastos públicos e ajustar as contas têm esbarrado na resistência de parlamentares em cortar recursos sob seu domínio. Em ao menos quatro oportunidades neste ano, o Congresso deu o recado segundo Camila Turtelli, do O Globo, de que não aceitará reduzir a verba hoje nas mãos de políticos.
A mais recente foi a tentativa da equipe do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de mudar a regra de correção do Fundo Partidário, derrubada de última hora na votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), na quarta-feira (18). Essas verbas são controladas pelos caciques das siglas — alguns deles parlamentares.
O governo havia enviado uma proposta de nova regra de reajuste anual do recurso, que é usado pelos partidos políticos com aluguéis, funcionários e outros gastos. Pelas contas da equipe econômica, a economia prevista com a nova fórmula seria de R$ 300 milhões ao ano.
A sugestão do Executivo, no entanto, foi derrubada durante a votação da LDO, com a pressão de dirigentes partidários, inclusive da base governista. Assim, para 2025, será R$ 1,3 bilhão do Orçamento da União destinado às legendas.
Cofres turbinados
O movimento é similar ao que ocorre a cada dois anos para aumentar o fundo eleitoral, outra verba pública sob controle de dirigentes partidários. Neste caso, o recurso é utilizado para o financiamento de campanhas eleitorais.
Em 2024, o valor foi de R$ 4,9 bilhões, um recorde desde que o fundo eleitoral foi criado. A expectativa de parlamentares é que o valor seja ao menos corrigido pela inflação em 2026. Há pressão, porém, para que cresça acima disso. A presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR), chegou a sugerir no ano passado a extinção da Justiça Eleitoral e questionou os gastos com sua estrutura, comparando ao valor destinados ao partidos.
— Mais uma vez o Centrão legisla em causa própria. O fundo partidário, que possui valores absurdos para um país tão pobre quanto o Brasil, segue turbinado enquanto a perspectiva é vivermos uma das piores crises econômicas nos próximos dois anos. Farinha pouca, meu pirão primeiro — disse o deputado Kim Kataguiri (União-SP).
Em outro movimento para brecar o avanço da tesoura em verbas nas mãos de políticos, a Câmara restringiu nesta semana a possibilidade de o governo bloquear recursos de emendas parlamentares, incluído no pacote fiscal de Haddad. A proposta previa que o governo ficaria autorizado a cortar os recursos indicados por deputados e senadores, inclusive os de pagamento obrigatório, com limite de até 15%. A medida, contudo, foi derrubada pelo plenário da Câmara na quarta-feira.
O mesmo projeto também amarrou o governo ao prever que os reajustes das emendas se darão a partir do patamar atual, de cerca de R$ 50 bilhões. A regra anterior só previa vinculação para reajuste de parte dos recursos. Não obrigava, por exemplo, reservar verbas para emendas de comissão, as únicas que não são de pagamento obrigatório e que hoje representam R$ 11 bilhões. No início do ano, porém, uma tentativa de corte nesses recursos também foi rejeitada pelos parlamentares.
— Infelizmente vemos um Congresso que não legisla para o povo e sim em causa própria — afirmou a deputada Adriana Ventura (Novo-SP).
O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), atribui parte do empoderamento do Legislativo em relação aos gastos públicos à postura do governo anterior, de Jair Bolsonaro, que delegou aos parlamentares uma fatia maior do Orçamento. Agora, segundo ele, é difícil que aceitem retroceder:
— Costume do cachimbo deixa a boca torta. O governo anterior fez uma renúncia orçamentária, entregou ao Congresso e permitiu a aprovação de um fundo partidário nos termos absurdos que é. Nós temos trabalhado para tentar promover um desmame disso, mas tem sido difícil.
Vice-líder do governo e autor do projeto aprovado pelo Congresso para regulamentar as emendas parlamentares, o deputado Rubens Pereira Júnior (PT-MA) vê colaboração do Parlamento com o ajuste fiscal, mas admite que é preciso ceder para construir maioria e aprovar as medidas.
— A solidez fiscal é tarefa de todos, governo, parlamento, sociedade — disse o deputado.
O poder de deputados e senadores sobre os gastos públicos cresceu nos últimos anos. Em 2024, um quinto de todos os recursos livres do Orçamento da União se concentrou nas emendas, mesmo com o veto de Lula de R$ 5,6 bilhões, no início do ano.
— A gente vê que os parlamentares estão com a faca e o queijo na mão em termos de decisões orçamentárias. O ônus e o bônus da estabilidade fiscal e do crescimento econômico recaem sobre o Poder Executivo. Nenhum parlamentar deixa de ser reeleito porque a inflação aumentou ou porque o desemprego aumentou — disse o economista e pesquisador associado do Insper Marcos Mendes.
Hoje, o Congresso tem R$ 49,2 bilhões do Orçamento da União para ser distribuído a critério de deputados e senadores, dividido em três modalidades principais: individual, de comissão e de bancada estadual.
— O Congresso não percebeu que o dinheiro acabou. Seguem numa bolha imaginária, em Brasília, repartindo a raspa do tacho. É lamentável. O governo apresentou um pacote fiscal relevante, ainda que insuficiente, já o Congresso, para aprovar justamente um pacote de corte de gastos, exige desidratá-lo e ainda cobra faturas bilionárias em emendas — disse o sócio e economista-chefe da Warren Investimentos, Felipe Salto.
Moeda de troca
Nas últimas semanas, o pagamento de emendas que estavam bloqueadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) foi usado por parlamentares como moeda de troca para aprovação de medidas econômicos propostas pelo governo. Somente após o Executivo dar aval a um pedido feito por líderes da Câmara de liberação de emendas de comissão é que o pacote da Fazenda avançou. A legitimidade do pedido, no entanto, é motivo de divergência e pode ainda ser questionado pelo STF.
— O Congresso se beneficia de uma situação juridicamente muito confortável, na medida em que tem os bônus da contínua expansão das emendas parlamentares, bem como dos fundos partidário e eleitoral, sem a correlata responsabilidade pelo cumprimento das metas fiscais— afirma Élida Graziane, professora da FGV-SP.