Faltando pouco mais de um ano para novas eleições, membros do Congresso Nacional planejam mudanças para serem aplicadas no sistema político e eleitoral brasileiro já para a disputa de 2026. O tempo é escasso – para valer, as novas regras precisam ser aprovadas até setembro deste ano.
A curto prazo, na Câmara tramita proposta que institui o voto distrital misto e aumenta o número de deputados, enquanto o Senado deve gastar forças para avançar um projeto de lei que renova o código eleitoral.
A longo prazo, parlamentares cogitam segundo reportagem de Levy Teles e Gabriel de Sousa, do Estadão, mudar o sistema político do presidencialismo para o semipresidencialismo, tirando alguns dos poderes do presidente da República para ceder ao primeiro-ministro que seria monitorado pelo Congresso, cargo que seria criado caso a proposta de emenda à Constituição (PEC) protocolada na Câmara no começo deste ano seja aprovada.
No Senado, deverá haver olhares atentos para uma PEC que quer acabar com a reeleição, unificar a data das eleições municipais e federais e estabelecer mandatos de cinco anos.
Alguns sinais iniciais já foram dados nas duas Casas. No Senado, o novo presidente da CCJ, Otto Alencar (PSD-BA), manifestou interesse em pautar o novo código eleitoral. A proposta reúne a legislação eleitoral e partidária em uma única lei. Otto também já sinalizou aos colegas que tem interesse em unificar as eleições que ocorrem a cada dois anos (entenda melhor cada proposta mais abaixo).
A Câmara, por sua vez, deverá abrir espaço para discutir o sistema de voto distrital misto e deverá contar com o endosso do presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB).
Motta anunciou, na reunião de líderes realizada na quinta-feira, 14, que vai criar uma comissão especial para discutir o projeto de lei. A criação do colegiado deve ocorrer somente depois do Carnaval, quando serão definidas as comissões permanentes.
O PSD é o principal defensor da iniciativa. O líder do partido na Câmara, Antônio Brito (PSD-BA), foi quem pediu a criação da comissão especial a Hugo Motta.
No sistema distrital misto, os brasileiros votariam duas vezes para deputado. O primeiro para votar num candidato em seu distrito e outro em um partido. De acordo com o projeto de lei que Brito deseja que tramite, os Estados seriam divididos em distritos – metade entre os eleitos seriam os candidatos mais votados nos distritos e a outra metade de acordo com o atual modelo proporcional.
O cientista político Rafael Cortez, professor no Instituto Brasileiro de Ensino Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), vê com ceticismo as mudanças propostas pelo Congresso Nacional, especialmente o sistema distrital misto.
“Está se dando a faca e o queijo na mão para essa elite parlamentar”, diz. “Porque você está dando recurso e a base eleitoral para o deputado aplicar esse recurso. Ele agora vai ter um nicho específico, ele vai ter uma concentração de força grande, não vai ter concorrência, você tende a ter uma taxa de reeleição muito alta”, explica o especialista.
Mário Heringer (MG), líder do PDT na Câmara, acredita que alguma proposta dessa agenda eleitoral deve avançar no Congresso, mas não crê que haverá muita mobilização em torno das iniciativas. “Naturalmente, você pode ter certeza que alguma coisa vai tramitar porque vai ter que acontecer até setembro para valer até o ano que vem. Se alguma coisa ocorrer, vai ocorrer dentro desse período”, afirma. “Dessas propostas colocadas, não vejo viabilidade de aprovação de praticamente nenhuma. Essa PEC do semipresidencialismo é radical, por exemplo.”
A PEC tem resistência do PT. A presidente do partido, Gleisi Hoffmann (PR) diz que a proposição quer “tirar da maioria da população o direito de eleger um presidente com poderes de fato para governar”.
Uma proposta que a Câmara inevitavelmente terá que dar uma resolução é a distribuição das 513 cadeiras aos deputados. Em agosto de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu até o dia 30 de junho de 2025 para que a Casa adequasse a distribuição de cadeiras por Estados de acordo com o Censo mais recente, de 2022. Caso a Câmara nada faça, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) terá autonomia para aplicar as mudanças.
O tema preocupa especialmente a bancada do Rio de Janeiro, que perderia quatro deputados com essa adequação ao Censo. Por isso, parlamentares fluminenses e de Estados que perderiam cadeiras se reúnem com Motta desde o ano passado para encontrar solução.
Segundo apurou o Estadão com aliados de Motta, o presidente vai propor oficialmente, após o Carnaval, que o número de deputados aumente de 513 para 527. A estratégia, para estabelecer um consenso entre todas as bancadas, é garantir que o crescimento das cadeiras não impacte no orçamento da Casa.
“Penso que a solução seria um grande acordo para que aumentemos 14 vagas, para que nenhum estado perca”, disse, em entrevista à Rádio Arapuan, de João Pessoa, no último dia 7 de fevereiro.
Em outra frente, parlamentares do PL buscam alterar a Lei da Ficha Limpa para permitir a participação do ex-presidente Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais do ano que vem. Uma proposta, que está em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, busca reduzir o prazo de inelegibilidade da oito anos para dois, abrindo brecha para a participação do capitão reformado.
O PL está disposto a usar todas as fichas possíveis para tentar livrar Bolsonaro da inelegibilidade no pleito presidencial. Conforme apurou o Estadão, os parlamentares do partido pretendem até paralisar as votações da Casa caso a pauta não seja colocada em análise.
Veja quais propostas que tratam do sistema político e eleitoral do País podem ganhar força na Câmara neste ano:
PEC do Semipresidencialismo
Protocolada no começo de fevereiro deste ano, a proposta deslocaria poderes do presidente da República para o primeiro-ministro, que seria escolhido pelo chefe do Executivo. O primeiro-ministro ganharia funções como a de elaborar o plano de governo e o plano orçamentário. O texto tem o apoio de Hugo Motta, que é um dos signatários.
De acordo com o deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG), que é o relator da PEC na Câmara, a proposta deve ser analisada ao longo do ano. Segundo o parlamentar, caso a proposta entre em vigor, as mudanças valeriam apenas a partir de 2030.
“O meu sentimento é que a aprovação na Câmara, neste ano, é bem possível. Como garantimos que isso não afetará o governo Lula e uma possível reeleição dele, há disposição para um debate”, disse Lafayette.
Lafayette explica que, com o tipo de semipresidencialismo proposto, o presidente da República iria indicar um primeiro-ministro que seria responsável pela condução do programa de governo. O presidente então seria um chefe de Estado, responsável por representar o País em eventos oficiais e em viagens no Exterior.
O Congresso, então, vai cobrar o primeiro-ministro mensalmente e teria o poder de destituí-lo após uma votação com maioria absoluta;. “Seria um time de futebol. Se o time tá ruim, troca o técnico. Sem crise e sem impeachment”, disse Lafayette ao Estadão.
Voto distrital misto
Há duas proposições que têm atenção da Câmara e tratam do sistema distrital misto para definir candidatos em eleições proporcionais. A primeira é de autoria do ex-senador José Serra (PSDB-SP), que já foi aprovada pelo Senado e aguarda uma análise da CCJ da Câmara.
Esse modelo propõe que os Estados sejam divididos em distritos e que uma parte dos candidatos eleitos seja definida pelo voto majoritário nessa região. Os eleitores teriam direito a um segundo voto para deputado, sendo este destinado a escolha do partido, segundo princípios da votação proporcional em que são eleitos candidatos das legendas que alcançam o chamado quociente eleitoral.
Ao Estadão, o deputado Luiz Carlos Hauly, autor da PEC do Semipresidencialismo que também inclui uma votação com sistema distrital misto, afirmou que a discussão do tema deve ser feita no primeiro semestre, com uma aprovação no período sendo possível. Uma comissão especial vai ser aberta por Hugo Motta para discutir o tema, mas apenas após o carnaval.
“[A aprovação] depende da vontade dos deputados. A Câmara decidiu instalar uma comissão especial para discutir o tema. Mas para isso, é preciso esperar a instalação das comissões”, afirmou.
Inelegibilidade
O tema é alvo de discussão desde o ano passado. No Senado, uma proposta que alterava o prazo de contagem de inelegibilidade chegou a ser aprovado na CCJ da Casa e foi a plenário no segundo semestre de 2024. O texto causou controvérsia após um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa, Márlon Reis, indicar que a proposta poderia beneficiar Bolsonaro. Petistas, então, decidiram manifestar posicionamento contrário após se reunirem com Reis para tratar do tema.
Agora, o tema volta à Câmara a partir de um projeto feito pela ala bolsonarista, que reduz o prazo de inelegibilidade após condenações de oito para dois anos, para trazer o ex-presidente à disputa eleitoral em 2026.
Hugo Motta defende a revisão do prazo de contagem de inelegibilidade. Segundo o presidente da Câmara, o prazo de oito anos é muito grande.
O projeto de lei que busca reduzir o prazo de inelegibilidade de oito para dois anos é de autoria do deputado federal Bibo Nunes (PL-RS), que é aliado de Bolsonaro. A proposta foi protocolada assim que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) declarou o ex-presidente inelegível por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação.
Ao Estadão, Nunes afirmou que, caso o PL consiga presidir novamente a CCJ da Câmara, o projeto será pautado nas primeiras semanas do colegiado.
O parlamentar acredita que com a liderança de deputados de partidos de centro e de direita, a proposta deve ser votada no primeiro semestre. Uma obstrução, ação onde as deliberações da Casa são paralisadas, não é uma estratégia descartada para caso a proposta seja engavetada.
“Eu acredito que deve ser votado na Câmara no primeiro semestre agora. Se precisar de obstrução a gente obstrui, faz parte do jogo”, afirmou.
Novo código eleitoral
No Senado, há a discussão sobre um novo modelo de formação de eleições. Aprovado pela Câmara em 2021, o novo código eleitoral está parado no Senado desde então, mas deve avançar. O texto, que aguarda análise da CCJ da Casa Alta propõe, entre outras coisas, a reserva de 20% de vagas nos Legislativos para mulheres em níveis municipal, estadual e federal, determina quarentena de quatro anos para classes como juízes e militares se candidatarem e fixa o prazo de inelegibilidade em oito anos a partir do dia 1º de janeiro seguinte à eleição.
A proposta está sendo relatada pelo senador Marcelo Castro (MDB-PI), que está confiante com a aprovação pela Casa ainda neste semestre. Caso isso ocorra até setembro, as mudanças vão alterar o jogo em 2026.
“Nós esperamos que o Código Eleitoral seja votado e aprovado no Senado Federal agora no primeiro semestre. É um projeto que consolida toda a legislação eleitoral e partidária do Brasil. São sete diplomas legais que estamos condensando em um só porque tem muita legislação dispersa. O novo Código Eleitoral traz a sistematicidade e a organicidade própria de um código.”
Fim da reeleição
A PEC do Fim da Reeleição está parada na CCJ do Senado e é relatada também por Marcelo Castro. O autor do texto é o senador Jorge Kajuru (PSB-GO) que acredita que o projeto vai ser aprovado na Casa até abril deste ano. A expectativa, segundo Kajuru, está na postura de Hugo Motta na Câmara.
“Vai depender do Hugo Motta na Câmara. Eu estou entusiasmado com essa Câmara porque a impressão que dá é que ele não é chantagista e que ele não vai querer fazer negociação para aprovar. Se fosse o Arthur Lira (ex-presidente da Casa), tinha que ter negociação, aí seria difícil”, afirmou Kajuru.
Tramita também, no Senado, uma PEC para unificar a realização das eleições federais e municipais num mesmo ano. Ela ainda estabeleceria mandato de cinco anos para prefeitos, governadores e para o presidente da República. Senadores também teriam mandato de cinco anos, mas poderiam se reeleger e ficar até dez anos na Casa.