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sábado 18 de julho de 2020 às 06:58h

Disputa no Ministério Público põe em risco investigações sobre Lula, Temer e Serra

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Uma disputa interna do Ministério Público Federal em São Paulo tem potencial para afetar ações e investigações da Lava Jato relacionadas aos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Michel Temer (MDB), além da cúpula do PSDB no estado. ​

Sob a justificativa de que representa uma parcela de insatisfeitos com a forma de distribuição das investigações da Lava Jato paulista, o procurador Thiago Lemos de Andrade acionou o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), órgão que fiscaliza os integrantes da Procuradoria.

Segundo reportagem publicada pela coluna Poder do jornal Folha, ele diz que o material da operação que chega a São Paulo vindo de Curitiba, do Rio ou de Brasília não tem sido distribuído da forma correta —o que é negado pela força-tarefa da Lava Jato, que tem apontado que suas atribuições foram designadas pela PGR (Procuradoria-Geral da República).

Caso o conselho dê aval aos pedidos do procurador, pode abrir um flanco para que as defesas dos investigados questionem a validade das apurações na Justiça e peçam a anulação dos processos.

Em 10 de março, houve uma reunião entre a força-tarefa e outros procuradores da área criminal em São Paulo para sanar eventuais dúvidas sobre como é feita a distribuição dos procedimentos, mas Andrade não compareceu. No dia seguinte, levou suas reclamações ao CNMP.

Na Lava Jato de São Paulo, há investigações ou ações já apresentadas sobre grandes obras tocadas no estado em gestões dos tucanos José Serra e Geraldo Alckmin, como o Rodoanel e o Metrô, e sobre familiares dos ex-presidentes Lula e Temer.

Já foram apresentadas denúncias contra Serra, Lula, Temer e também contra suspeitos de serem operadores de propina como Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, e seu sucessor na Dersa, Pedro da Silva. No caso de Temer, a ação foi paralisada no STJ (Superior Tribunal de Justiça) e deverá ser analisada pela quinta turma.

Há ainda inquéritos sobre doleiros, instituições financeiras, políticos delatados por empreiteiras e suspeitas de irregularidades em empreendimentos como a Arena Corinthians.

Apesar de ter sido protocolado no CNMP em março, o pedido de providências de Andrade só foi distribuído a um conselheiro no dia 8 deste mês, depois que o documento foi vazado em um grupo de WhatsApp de procuradores da capital paulista.

Logo antes, no começo de julho, a Lava Jato de SP apresentou denúncia contra o senador José Serra, sob acusação de lavagem de dinheiro.

Ao CNMP o procurador Andrade disse que os materiais desmembrados da Operação Lava Jato em outras unidades ou instâncias do Ministério Público Federal estão “sendo subtraídos do canal de distribuição regular” e remetidos diretamente à força-tarefa.

“Em outras palavras, os expedientes que chegam na PR-SP com o rótulo ‘Lava Jato’ são direcionados à FTLJ-SP [força-tarefa] sem a prévia e imprescindível distribuição na unidade conforme as regras de organização interna aprovadas pelo Conselho Superior do MPF”, diz Andrade.

Também afirma que o primeiro desmembramento oriundo da Lava Jato e enviado ao Ministério Público Federal em São Paulo foi distribuído para o 16º Ofício e originou a Operação Custo Brasil (que, entre outros alvos, investigou o ex-ministro Paulo Bernardo), e não para o 5º Ofício, onde hoje atua a força-tarefa.

Em reservado, o pedido é criticado entre os que defendem e veem regularidade na atual forma de distribuição do material da Lava Jato no Ministério Público Federal.

Em linhas gerais, o que tem acontecido: desmembramentos da Lava Jato de outros locais têm chegado a São Paulo e são enviados para uma análise prévia da força-tarefa responsável pela operação, que avalia se há uma ligação com as investigações em andamento.

Se não houver essa relação, elas são liberadas para serem sorteadas aleatoriamente. Como muitas investigações da Lava Jato estão sob sigilo e outros procuradores não têm acesso a elas, esse filtro prévio da força-tarefa seria necessário para saber se há ou não conexão entre o novo material e o que já está em andamento.

Só este ano, por exemplo, a Lava Jato de SP não viu conexão com as investigações e liberou para sorteio episódios que envolvem o operador financeiro Lúcio Funaro e os doleiros Alberto Youssef e Nelma Kodama, porque não tinham conexão com os casos do braço da operação no estado.

O pedido do procurador Thiago Lemos de Andrade ao CNMP ficou sob relatoria do conselheiro Marcelo Weitzel Rabello de Souza, que determinou de forma liminar (provisória) para que, enquanto não houver decisão sobre o mérito do caso, eventuais desmembramentos da Lava Jato enviados a São Paulo sejam distribuídos aleatoriamente, “sem prejuízo de ulterior revisão”.

Weitzel também pediu explicações ao procurador-chefe do Ministério Público Federal de São Paulo, Márcio Schusterschitz da Silva Araújo, a respeito de como são distribuídos os processos para a força-tarefa.

O conflito foi um baque para a Lava Jato de São Paulo na mesma semana em que as forças-tarefas sofreram uma importante derrota: o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Dias Toffoli, determinou que os procuradores enviem à PGR todos os dados de investigações já colhidos pela operação.

Advogados consultados pela reportagem disseram que, se o CNMP entender que a distribuição foi feita de maneira incorreta, pode-se pedir a anulação dos processos.

“Sem dúvida alguma, estaremos diante de um caso de nulidade absoluta dos processos que foram mal distribuídos, porque assim como existe o princípio do juiz natural, há também o princípio do promotor natural”, diz o criminalista Daniel Gerber.

A inobservância desse princípio “macula todo o processo legal, tornando nulo de pleno direito todo e qualquer processo administrativo e judicial que tenha incorrido nesta prática”, diz o advogado e ex-conselheiro do CNMP Almiro Afonso Fernandes.

Ainda que a Justiça não aceite eventuais pedidos de anulação de processos, a possível distribuição de novas provas relacionadas a casos da Lava Jato de SP a um procurador que não está trabalhando nesses inquéritos pode ser prejudicial às investigações.

Procuradores costumam comparar uma investigação a um “quebra-cabeça”, da qual só quem atua nelas tem noção do contexto maior.

Procurada, a força-tarefa da Lava Jato de São Paulo afirma, em nota, que “está apresentando numerosos elementos e dados à chefia administrativa do MPF paulista” para “subsidiar a prestação de informações ao CNMP”.

“Confiamos que, em julgamento técnico aprofundado, a liminar será revogada, pois não há irregularidades na distribuição, que é feita rigorosamente de acordo com as regras da unidade e com o Código de Processo Penal, guardando estrita obediência aos termos da portaria do Procurador-Geral da República.”

Serra, Temer e Lula sempre negaram ter cometido qualquer irregularidade.

Casos investigados ou ação apresentada pela Lava Jato de SP

Lula
Força-tarefa investiga suspeita de tráfico de influência e lavagem de dinheiro em pagamentos à empresa Touchdown, de Luís Cláudio, filho de Lula. Em 2019, os dois foram indiciados pela Polícia Federal. Ambos negam irregularidades. A Lava Jato de SP também avalia se investigará Fábio Luís, outro filho de Lula, por pagamentos da Oi e Vivo. Lula já foi denunciado duas vezes pela Lava Jato de SP

Serra
Senador e sua filha Verônica foram denunciados sob acusação de lavagem de dinheiro no último dia 3. Eles também foram alvo de busca e apreensão pela Polícia Federal. A defesa nega irregularidades. Desde 2017, a Lava Jato de São Paulo investiga obras relacionadas à gestão de Serra no Governo de São Paulo, que foi de 2007 e 2010

Temer
O ex-presidente foi denunciado em 2019 sob acusação de lavagem de dinheiro por reformas conduzidas na casa de sua filha Maristela. O processo foi suspenso pelo STJ, que ainda decidirá se ele se mantém em SP ou se manda para Brasília. A defesa diz que a acusação não tem provas e é infame

Rodoanel Norte
Em 2018, a Operação Pedra no Caminho denunciou agentes públicos e representantes de empreiteiras sob suspeita de fraudes no Rodoanel Norte. Com novos elementos de provas, procuradores devem apresentar mais ações sobre a construção

Metrô
Em agosto do ano passado, um ex-diretor do Metrô de São Paulo e 13 executivos de empreiteiras viraram réus sob suspeita de corrupção. A Lava Jato paulista apura novas suspeitas relacionadas ao caso

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