Em entrevista à DW África, Vítor Paiva, ex-diretor da Unidade de Informação Financeira de Portugal, diz que a reputação do país a nível internacional é um fator determinante em matéria de recuperação de ativos.
É uma questão que voltou à tona depois da sentença do caso das “dívidas ocultas”, em Moçambique. Como recuperar o dinheiro público desviado pela corrupção, em particular, o dinheiro que foi levado para fora do país?
A questão tem a ver não só com Moçambique, mas também com Angola. O caso de Carlos São Vicente é um exemplo: o empresário luso-angolano foi condenado a nove anos de prisão por crimes de corrupção, envolvendo o desvio de mais de 900 milhões de dólares, retidos na Suíça. Até agora, não houve avanços no processo de restituição destes fundos para Angola.
Em entrevista à DW, Vítor Paiva, ex-diretor da Unidade de Informação Financeira de Portugal, explica como será possível solucionar o problema.
DW África: Como recuperar o dinheiro público desviado pela corrupção?
Vítor Paiva (VP): Se a maior dos crimes são cometidos tendo em vista o lucro, de preferência fácil e avultado, parece-me que poderemos atacar o problema “da foz para a nascente”. Isso significa procurar o dinheiro e a sua aplicação e retirar os proventos que se pretende obter com as práticas dos crimes aos criminosos.
DW África: Em alguns países, há a retenção dos bens, mas depois não se consegue encaminhar esses valores… Será por a legislação do país onde está o dinheiro não ir de encontro com a legislação do país que quer recuperar o bem?
VP: Os países são soberanos e têm a sua própria forma de olhar para estas questões. Em muitos casos, há um certo consenso em torno destas matérias. Em relação a África, e concretamente em Angola e Moçambique, há unidades de informação financeira e gabinetes de recuperação de ativos. Há o Grupo de Ação Financeira (GAFI)e outro tipo de entidades dedicadas a apoiar estes países no desenvolvimento e implementação destes mecanismos de combate. Por isso, o que é preciso fazer é continuar a desenvolver estes mecanismos.
Parece-me que, por aquilo com que lidei, até na própria Unidade de Informação Financeira portuguesa, ainda há um pouco de atraso ao nível da unidade de informação financeira angolana ou moçambicana, nestes mecanismos de recuperação de ativos. Mas até pela proximidade – e na avaliação comparativa que todos fazemos uns com os outros – certamente estarão a desenvolver mecanismos para melhorar.
Houve, penso eu, uma avaliação negativa recente de Moçambique. Há que aceitar as recomendações, corrigir essa avaliação, integrando o grupo Egmont, que é de extrema importância nesta troca de informação entre as unidades de informação financeira. Angola tem uma unidade de informação financeira mais antiga. Está num estágio certamente mais avançado do que Moçambique. Mas este é o caminho, aprendermos uns com os outros.
DW África: Muitas vezes é colocada em causa a própria idoneidade dos sistemas judiciais dos países…
VP: Isso passa pela transparência da atuação em cada país. Pela sua democratização, pelo desenvolvimento e efetividade do Estado de Direito democrático, reconhecido internacionalmente. Hoje em dia, dependemos muito deste reconhecimento internacional. Pode haver situações em que este reconhecimento não existe e, portanto, há um “bloqueio” ou não cumprimento de uma determinada conduta para um determinado país – por não se ter certezas ou por se desconfiar da forma como se chegou ao pedido para desbloquear ou repatriar esses valores.