Era um dia de céu claro, em setembro, no Conselho, ou o pequeno município da Nazaré que possui 82,43 km² de área e 14.889 habitantes.
O sol brilhava no mar, que quebrava suavemente aos pés das falésias escarpadas da Praia do Norte.
No forte do século 16 que fica no topo das falésias, havia um pequeno grupo de turistas posando para fotos em frente ao seu farol vermelho.
Não poderia ser um contraste maior com a cena que se veria em apenas um mês.
Quando começa a temporada de surfe de ondas grandes, que geralmente vai de outubro a março, a estrada para o forte e as falésias que o cercam ficam lotadas por milhares de pessoas.
Todos na esperança de ter um vislumbre dos melhores surfistas de ondas grandes do mundo tentando o feito definitivo de sua profissão: arriscar tudo para surfar nas ondas monstruosas do tamanho de arranha-céus geradas pelo maior cânion subaquático da Europa.
Os habitantes de Nazaré sempre souberam que as suas ondas eram grandes, embora por gerações eles não tivessem ideia das suas dimensões.
Em dias tempestuosos de inverno, eles dirigiam até o farol para absorver seu poder. A área inteira pareceria tremer, com o som estrondoso alcançando as montanhas.
Embora os surfistas locais surfassem em Nazaré até certo ponto, eles sabiam quando era hora de parar. E certamente não sonhavam em enfrentar os monstros que vinham com os grandes swells.
Na verdade, até recentemente, os profissionais do surfe não acreditavam que isso fosse possível.
Em 2004, um grupo de surfistas de ondas grandes foi até lá fazer o reconhecimento das ondas, mas abortou a missão após apenas 90 minutos.
Na época, não havia financiamento em Nazaré para comprar os jet skis necessários para fazer face a ondas desta dimensão, grandes demais para surfar na remada.
Mesmo se tivessem, eles pensaram, a perspectiva de cair nessas condições, com ondas enormes vindo de todas as direções, era muito perigosa.
Um ano depois, Dino Casimiro, membro de um clube de surfe local, entrou em contato com outro surfista conhecido por sua natureza destemida, o americano Garrett McNamara, mas ele nem sequer fez a viagem.
Em 2008, o governo local concordou pela primeira vez que a melhor forma de prolongar a temporada de turismo da cidade era capitalizando a anomalia geológica à sua porta, que o Instituto Hidrográfico Português estava estudando desde 1960.
Nazaré é há séculos um destino popular de férias de verão para os portugueses, mas quando chegava o inverno, se tornava uma cidade fantasma da noite para o dia.
Sua outra indústria principal, a pesca, também declinava rapidamente.
“Nunca foi [sobre] ser respeitado pela comunidade do surfe de ondas grandes”, diz Paulo “Pitbull” Salvador, professor de Educação Física e salva-vidas que participou do primeiro encontro na Prefeitura.
“Se tratava de trazer gente para Nazaré fora dos meses de verão.”
Depois de mais de dois anos implorando por financiamento, o projeto começou a ganhar força.
McNamara desembarcou em Portugal em 2010 e, em poucos dias, provou que com o equipamento certo as maiores ondas de Nazaré podiam ser surfadas.
Apenas um ano depois, McNamara quebrou o recorde mundial ao pegar uma onda de quase 24 metros. A questão era: alguém mais seria corajoso — ou louco — o suficiente para tentar?
Mesmo para os padrões do surfe de ondas grandes, as ondas da Nazaré são especialmente ameaçadoras.
“Uma onda como a de Jaws, no Havaí, atrai os surfistas porque é uma onda perfeita e há menos riscos envolvidos”, explica o surfista de ondas grandes Nic Von Rupp, nascido em Portugal, que integrou o grupo de surfistas que foi para Nazaré em 2004, quando tinha 14 anos.
“Isso é um monstro, um show de horrores. É como olhar para um arranha-céu ou uma montanha; a diferença é que está vindo na sua direção e está ali para te comer vivo. Não tem piedade.”
A dimensão e imprevisibilidade das ondas de Nazaré são causadas por um cânion submarino com 200 km de comprimento e 5 km de profundidade.
A diferença de profundidade entre o fundo do cânion e a plataforma continental divide as ondas em duas.
Na parte mais rasa, a velocidade da onda diminui, mas dentro do cânion ela mantém a velocidade com que viajava no fundo do oceano.
As duas colidem, criando uma onda maior, que então impacta as correntes próximas à costa, levando a uma segunda amplificação.
Quando há um grande swell, as ondas que tinham 9 metros em alto mar podem chegar a 18 metros ou mais perto da praia.
Em 2017, o brasileiro Rodrigo Koxa bateu o recorde de McNamara quando surfou uma onda de mais de 24 metros.
A também brasileira Maya Gabeira bateu o recorde mundial feminino em Nazaré, no ano seguinte, com uma onda de quase 21 metros.
As medições ainda não foram oficializadas para a temporada de 2020, mas o surfista português António Laureano, de 18 anos, afirma ter alcançado o Santo Graal, pegando uma onda gigante de quase 31 metros em outubro.
Como as ondas de Nazaré são mais perigosas do que qualquer outro pico de surfe do mundo, segundo Von Rupp, estas façanhas só foram possíveis graças ao estabelecimento do regime de segurança mais rigoroso da história do surfe de ondas grandes.
Além do jet ski, que coloca o surfista na onda, as equipes autorizadas a surfar em Nazaré durante um grande swell devem incluir um observador com rádio que informa o piloto da localização do surfista.
“Quando se está na água, você não sabe onde está nada, só tenta sobreviver”, explica Salvador, que foi encarregado da segurança quando McNamara desembarcou em Portugal em 2010.
Há também um segundo socorrista em um jet ski e, nos grandes dias, um terceiro.
Mesmo assim, a realidade é que se pode morrer, diz Joana Andrade, a única mulher portuguesa a surfar nas ondas grandes de Nazaré.
Ela se preparou por oito meses antes de sua primeira tentativa em 2013, um processo que envolveu treinamento físico e espiritual, como técnicas de visualização e respiração.
“Você pode ter o corpo físico super bem preparado, mas é a sua mente que vai te salvar se as coisas derem errado”, diz ela.
De acordo com Von Rupp, alguns surfistas meditam em seu próprio afogamento.
“Você tem que estar preparado para não entrar em pânico se estiver prestes a desmaiar, porque é quando você abre a boca e deixa todo o oxigênio sair. Sua melhor chance de sobrevivência é manter a calma.”
Se o pior acontecer, a responsabilidade passa para o primeiro piloto de jet ski.
Para Von Rupp e Andrade, este é Sergio Cosme, que ficou conhecido como “o anjo da guarda de Nazaré”.
“Se você praticar algo cem vezes, se torna automático”, ele me diz.
“Naquele momento, há tantas preocupações na sua cabeça e, em casos de segurança, você tem que conseguir fazer as coisas de forma automática e minimizar o tempo de todos os procedimentos porque você só tem segundos para realizá-los”.
Mas anos de treinamento não garantem um resgate bem-sucedido, algo sobre o que Cosme tem dificuldade para falar.
No ano passado, seu amigo, o surfista português de ondas grandes Alex Botelho, ficou inconsciente entre as ondas e parou de respirar por dez minutos antes de ser resgatado pelo parceiro Hugo Vau e ressuscitado na praia.
“Um dia, o pior pode acontecer e será muito difícil lidar com isso”, afirma Cosme.
Andrade acredita que os riscos valem a pena.
“Quando o piloto de jet ski diz: ‘Vou te botar nessa onda’, há tantos macacos na minha cabeça. Sinto que não posso fazer isso, é uma mistura de medo e adrenalina”, diz ela.
“Mas quando ele libera o cabo, é uma sensação de liberdade, compreensão e paz. Embora seja super rápido, parece uma eternidade. Você aprende como é realmente estar no presente, o que é muito importante especialmente nestes tempos.”
Antes de Nazaré domar suas ondas gigantes, a geração de surfistas portugueses de Von Rupp tinha que viajar para o outro lado do mundo — na maioria das vezes, para o Havaí — para se aproximar dessa sensação.
Agora, o epicentro do surfe de ondas grandes fica a uma hora de sua casa.
“Fazer parte da construção desta história é incrível”, diz ele com entusiasmo.
“Também se tornou um esporte muito mais seguro, que tem atraído os talentosos jovens surfistas portugueses a seguirem carreira no surfe de ondas grandes.”
Os moradores de Nazaré agora falam sobre o surfe de ondas grandes como Cristo — há um antes e um depois.
Antes de 2010, a população mal ia além de seus 15 mil habitantes durante o inverno.
Desde que o forte foi transformado em museu sobre as ondas, em 2014, cerca de 1 milhão de turistas já o visitaram, sendo 350 mil apenas em 2019.
Os invernos, às vezes, são mais movimentados do que os verões, e os empresários costumam abordar Salvador para agradecê-lo por tudo que ele e seus colegas fizeram pela cidade.
Ele agora está trabalhando com a Prefeitura em um projeto para ampliar esse impacto, que ajudará os estudantes a seguirem carreira em setores ligados ao surfe de ondas grandes, incluindo fotografia, condução de jet ski e ser um observador.
Diferentemente de outros picos de surfe de ondas grandes, não houve mortes em Nazaré até agora.
Cosme espera que, conforme o local cresça em popularidade, as medidas de segurança continuem a ser reforçadas.
Enquanto o nevoeiro se aproximava e as cores do mar e do farol iam desbotando, um vento fraco soprou na areia e ficou mais fácil imaginar Nazaré com um grande swell no horizonte.
Os surfistas mais corajosos do mundo estarão de volta neste ano para tentar a sorte enfrentando a maior onda do mundo.