Um assessor do primeiro ministro da Malásia precisava de ajuda para gerenciar companhias na capital Kuala Lumpur e em Hong Kong. Procuradores dizem que ele e seus sócios usavam as empresas para desviar centenas de milhões de dólares de um fundo de desenvolvimento econômico do governo.
Uma fabricante russa de rifles Kalashnikov sob sanção internacional por más práticas queria vender suas ações de uma grande mina de cobre para um negócio clandestino na Mongólia. A venda ocasionou a abertura de uma investigação por corrupção contra o então primeiro-ministro mongol.
Conforme o El País, a gigante da tecnologia Apple Inc. estava buscando um paraíso fiscal para guardar offshore suas montanhas de dinheiro.
Todos eles encontraram um amigo no maior escritório de advocacia dos EUA.
Quando bilionários, multinacionais e pessoas ligadas à política querem esconder bens ou evadir impostos, é comum que procurem o Baker McKenzie, um grande e poderoso escritório sediado em Chicago. Com 4.700 advogados em 46 países e receita de US$ 2,9 bilhões, o Baker McKenzie se autodescreve como “o verdadeiro escritório global de advocacia”. Ele está entre uma dúzia de escritórios dos EUA e do Reino Unido que estabeleceram grandes redes internacionais e transformaram a própria advocacia.
O Baker McKenzie declara que está comprometido com o estado de direito e com os mais elevados padrões internacionais de ética, direitos humanos e políticas anticorrupção. “Nós somos honestos e transparentes”, afirma o escritório em seu código de conduta. “Não fazemos negócios com figuras de reputação duvidosa.”
Por trás dos grandiosos discursos se esconde outra realidade: o Baker McKenzie é arquiteto e pilar de uma economia clandestina, frequentemente chamada de “offshore”, que beneficia os ricos à custa de tesouros nacionais e do bolso dos cidadãos comuns.
Uma investigação conduzida pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês) revela como o Baker McKenzie ajudou multinacionais e ricos a evitar impostos e o escrutínio público pelo uso de empresas de fachada, fundos fiduciários e estruturas complexas em paraísos fiscais. Esses meios, cobertos de sigilo, escondem vastas riquezas — imóveis, iates, ações e dinheiro, às vezes de origem obscura.
Entre seus clientes: pessoas e companhias ligadas à corrupção política, práticas comerciais fraudulentas e regimes autoritários.
Jho Low, um assessor de Najib Razak, então primeiro-ministro da Malásia, fez uso extensivo de filiais do Baker McKenzie. Low atualmente está foragido, acusado de ser o cérebro de um esquema de desvio de bilhões de dólares de um fundo de investimento público. Ele é procurado na Malásia, nos Estados Unidos e em Cingapura.
A Rostec, a fabricante russa de armas que vendeu suas ações de uma mina na Mongólia, está entre uma dúzia de empresas controladas pelo Estado russo que fez contratos com o Baker McKenzie enquanto enfrentava sanções internacionais.
Já a Apple, que buscou ajuda do Baker McKenzie para encontrar um paraíso fiscal, se tornou o retrato internacional da evasão fiscal offshore por empresas.
A investigação do ICIJ – baseada em um novo vazamento de documentos confidenciais, milhares de páginas de arquivos públicos, documentos internos inéditos oriundos de vazamentos anteriores e dezenas de entrevistas – traz uma rara oportunidade de olhar por dentro um escritório de advogados de elite na economia offshore.
Mais de 600 jornalistas vasculharam 11,9 milhões de novos documentos, os chamados Pandora Papers, que foram vazados de 14 provedores de serviços financeiros, de Dubai ao Panamá. Eles revelaram bens secretos de políticos, bilionários e chefes de empresas e as ações de intermediários que vendem manobras de elisão fiscal e sigilo.
Em meio a um mar de banqueiros, contadores, advogados e agentes de criação de empresas, o Baker McKenzie se destaca. O ICIJ descobriu que o Baker McKenzie participou do registro de mais de 440 companhias offshore em paraísos fiscais, de acordo com documentos do Pandora Papers e vazamentos anteriores. Normalmente, o escritório conectava clientes com provedores de serviços offshore.
Ele aconselhou dezenas de gigantes corporativos em manobras fiscais e offshore. O escritório faz lobby por eles em Washington e outras capitais e os defende se questionados pelas autoridades.
Os documentos vazados revelam que o escritório de advocacia ajudou a organizar empresas de fachada no Chipre para a gigante de alimentos e tabaco RJR Nabisco. Para a Nike, ajudou a criar um abrigo fiscal holandês. De acordo com uma ação judicial do governo dos Estados Unidos, seus advogados ajudaram o Facebook a levar bilhões de dólares em lucros para a Irlanda, onde a tributação é baixa.
Em uma série de declarações escritas ao ICIJ, o Baker McKenzie afirmou que procura oferecer os melhores conselhos legais e fiscais para ajudar seus clientes a navegar um conjunto de regras globais “altamente complexas, em constante evolução e frequentemente conflitantes”.
“Transparência e prestação de contas são elementos essenciais nesse assessoramento”, afirma o porta-voz do escritório, John McGuinness. “Nós nos esforçamos para garantir que nossos clientes sigam tanto a lei quanto as melhores práticas.”
Visão panorâmica de um pioneiro
Os documentos reunidos oferecem uma visão panorâmica do papel do Baker McKenzie em moldar leis e regulamentos no mundo inteiro, incluindo o lobby em medidas relacionadas à lavagem de dinheiro e blindagem fiscal. Representando grandes bancos e big techs, a firma se opôs a projetos de fortalecimento da fiscalização financeira e de leis fiscais.
Nos Emirados Árabes Unidos, o Baker McKenzie se diz responsável por ter ajudado a criar zonas francas – áreas com baixos impostos e pouca regulamentação, que críticos consideram ter encorajado atividades ilícitas. Na Austrália, o escritório fez oposição a uma medida que pretendia conter/limitar/restringir a evasão fiscal offshore de grandes empresas. E nos Estados Unidos, fazendo lobby para bancos multinacionais, ele procurou isentar clientes estrangeiros das regras de diligência prévia para prevenir a lavagem de dinheiro.
No mundo todo, a investigação dos Pandora Papers feita pelo ICIJ identificou que mais de 300 advogados do Baker McKenzie já aconselharam ou representaram algum órgão estatal, nacional ou internacional em questões como legislação tributária internacional ou reformas anticorrupção. Mais de 220 funcionários do Baker McKenzie em 35 países já tiveram cargos em agências governamentais, incluindo departamentos de Justiça, administração tributária, a Comissão Europeia e gabinetes de chefes de Estado.
Apesar de os papéis internos do Baker McKenzie não fazerem parte do vazamento, o escritório é mencionado em mais de 7,5 mil documentos, muito acima de qualquer outro escritório de advocacia dos EUA.
Muitos dos que mencionam o Baker McKenzie são provenientes de três prestadores de serviço offshore aos quais o escritório ou seus clientes delegaram trabalho: Trident Trust, com escritórios nas Ilhas Virgens Britânicas; Alemán, Cordero, Galindo & Lee (Alcogal), um escritório de advocacia sediado no Panamá, e o Asiaciti Trust, sediado em Cingapura.
Um dos escritórios de advocacia empresarial mais conhecidos do mundo, o Baker McKenzie também é um pioneiro do setor. Ele adotou um modelo que permite a firmas associadas no exterior se beneficiarem de uma marca global sem compartilhar lucros ou responsabilidades. E foi um dos primeiros defensores de estratégias de planejamento tributário que permitiram que grandes empresas e pessoas ricas transferissem lucros para paraísos fiscais sem de fato mudar as operações para lá.
A procura por paraísos fiscais se tornou desde então o ganha-pão da indústria offshore, uma estratégia que faz os cidadãos comuns terem de arcar com a carga financeira da qual os ricos e poderosos escapam.
Advogados são atores centrais.
Importantes organizações internacionais como a Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE) e o Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI) afirmam que a fraca regulamentação da advocacia e de outras profissões tem um papel fundamental no crime financeiro mundial.
Mesmo assim, diferentemente de banqueiros e intermediários offshore, os advogados têm escapado do escrutínio público, em parte por conta dos privilégios da relação advogado-cliente, uma doutrina que exige deles manter as informações dos clientes sob sigilo. Em alguns países, o privilégio legal isenta advogados de ter de reportar atividades como lavagem de dinheiro aos órgãos reguladores do governo.
O advogado é mais do que um mercenário para os ricos e poderosos. De acordo com as Regras de Conduta Profissional da American Bar Association, a Ordem dos Advogados dos EUA, o advogado é um agente do sistema legal e um cidadão público que tem o papel especial de “aprofundar o entendimento público e a confiança no império da lei”.
A missão dos advogados é bem maior do que simplesmente reunir brechas legais para um cliente e cobrar uma grande taxa, afirma Richard Painter, professor de direito da Universidade de Minnesota e ex-chefe do conselho de ética do ex-presidente dos EUA George W. Bush. “[O fato de algo] não ser ilegal não significa que esteja certo”, diz.
Milton Cheng, presidente global do conselho de administração do Baker McKenzie, sediado em Hong Kong, recusou dar entrevista. A empresa também não quis comentar questões relacionadas a clientes citando “obrigações de confidencialidade e privilégio legal”.
O porta-voz John McGuiness, baseado em Cingapura, afirma que faz diligência prévia e verificação global de antecedentes de todos os potenciais clientes. Ele diz que o Baker McKenzie discorda “profundamente” de qualquer afirmação de que a empresa tem diversos clientes com risco de reputação ou de reputação duvidosa.
“Ocasionalmente, nós descobrimos clientes que se envolvem posteriormente em atividades não compatíveis com a nossa diligência prévia, ou aparecem novos fatos ou desenvolvimentos que nos levariam a encerrar nossa representação deles”, diz.
O Baker McKenzie não respondeu diretamente a diversas perguntas sobre seu papel na economia offshore ou por que seu nome aparece com tanta frequência em documentos de prestadores de serviços offshore. O porta-voz McGuiness disse que o escritório costuma encaminhar clientes ou questões legais para outros escritórios de advocacia e prestadores de serviço em jurisdições onde não possuem escritórios.
McGuiness acrescentou que o Baker McKenzie está comprometido com um sistema tributário global mais justo e simples. “Ao mesmo tempo”, afirma, “nós temos de assessorar nossos clientes com clareza sobre as suas obrigações perante as leis e regulamentações existentes.”
McGuiness diz que governos, reguladores e grupos setoriais pedem, com regularidade, ajuda ao Baker McKenzie e outros escritórios de advocacia para desenvolver e analisar legislações. Ele afirma que o trabalho é feito em conformidade com as leis locais sobre lobby e que, quanto à contratação de ex-funcionários de governos, o escritório obedece rigorosamente às regras relativas ao conflito de interesses.
Chicago: uma carona para um novo mundo
Russell Baker nasceu em 1901 em uma família de fazendeiros na cidade de Portage, no estado de Wisconsin. Aos 12 anos, sua família se mudou para o Texas, e depois, novamente, quando ele tinha 16, para o estado do Novo México, onde Russell aprendeu espanhol e desenvolveu uma paixão por diferentes culturas que se transformaria no projeto de criar o primeiro escritório de advocacia global do mundo. Quando abriu seu escritório com um amigo da faculdade de direito, em 1925, a especialidade era ajudar cidadãos mexicanos.
Em 1942, os Estados Unidos adotaram a Lei das Corporações Comerciais do Hemisfério Ocidental, que oferecia incentivos fiscais para empresas com fabricantes na América Latina. Baker descobriu um jeito de empresas americanas se qualificarem [para o incentivo] transferindo os lucros para jurisdições com baixa tributação.
Era o início do que o Baker McKenzie chama de uma das maiores práticas de planejamento tributário do mundo, destinada a ajudar empresas a aproveitar ao máximo as complexidades do extenso código tributário americano.
“O contribuinte tem o direito de organizar seus negócios da forma que quiser”, escrevem Baker e um colega em um artigo publicado em 1957. “Esse conceito é inerente não apenas à nossa lei tributária, mas é também fundamental para o american way of life [modo de vida americano].”
Em 1948, Baker dividiu por acaso um táxi com John McKenzie, um advogado especializado em atuação litigiosa, e em pouco tempo eles já estavam discutindo a ideia de criar um escritório de advocacia internacional. Os dois fundaram o Baker & McKenzie no ano seguinte.
No início, o escritório, atualmente conhecido como Baker McKenzie, fazia trabalhos internacionais a partir de sua sede em Chicago. Depois, seguiu clientes, como a gigante farmacêutica Abbott Laboratories, na expansão para o exterior. Estabeleceu sua primeira filial offshore em Caracas, na Venezuela, em 1955.
Em um artigo na Wisconsin Law Review, dois anos depois, Baker e um coautor recomendaram a criação de companhias na Venezuela e em outros países que permitissem aos proprietários permanecer anônimos por meio das chamadas ações ao portador, cujos certificados não precisam ser registrados sob o nome de uma pessoa ou empresa específica. “Não é possível criar uma empresa com ações ao portador em nenhum lugar da América”, escreveram Banker e seu colega. “Isso é possível em uma série de países estrangeiros de primeira classe, onde o potencial econômico é praticamente ilimitado.”
Diversos países baniram posteriormente as ações ao portador porque elas eram usadas para esconder crimes e bens.
O Baker McKenzie se expandiu rapidamente a partir do final dos anos 1950, abrindo 20 escritórios em 15 anos, em localizações espalhadas pelo mundo, como São Paulo e Sydney. Tornou-se o gigante não convencional do setor, com 76 escritórios ao redor do globo e 4.700 advogados, mais do que qualquer escritório de advocacia nos EUA, de acordo com o periódico National Law Journal. Outros megaescritórios se sucederam – o DLA Piper chegaria a 4 mil advogados; o Norton Rose Fulbright, a 3.180; o Latham & Watkins, a 2.860, segundo o último levantamento do periódico.
Com o crescimento da indústria de blindagem fiscal, o Baker McKenzie se tornou especialista em ajudar empresas a transferir seus lucros, pelo menos no papel, para países com baixas taxas de impostos. E, quando um governo agia para fechar uma brecha legal, o Baker McKenzie e outros escritórios procuravam uma alternativa.
De “inversões” a McLaw com um toque suíço
Peguemos o exemplo da “inversão”. Em uma inversão, uma companhia se funde com outra, geralmente menor, em uma jurisdição com impostos baixos, frequentemente fazendo enormes economias fiscais. A estratégia surgiu nos anos 1980 com as “inversões de caixa de correio”, nas quais companhias americanas criavam [e se fundiam com] empresas de fachada com caixa postal nas Bermudas, um paraíso fiscal. Em 2002, o então senador Max Baucus, do Partido Democrata de Montana, criticou o Baker McKenzie, citando o assessoramento dado pelo escritório à Helen of Troy, uma empresa de cosméticos que se transferiu para as Bermudas em 1994.
“Essa questão das inversões é um grande problema, na minha opinião, assim como os que as promovem”, afirmou Baucus em uma audiência sobre blindagem fiscal. “Promotores conhecidos que incentivam [a prática].”
Ele destacou uma citação no site do Baker McKenzie que promove o uso de inversões para cortar “drasticamente” os impostos. “O Baker McKenzie foi pioneiro na moderna transação de inversão com a inversão da Helen of Troy em 1994″, leu Baucus durante a audiência, “e desde então prestou consultoria tributária e corporativa [em] cerca de metade de todas as transações de inversão divulgadas publicamente, e nenhuma outra empresa jurídica ou de contabilidade pode reivindicar um feito comparável.”
Denunciando esse tipo de “fraudes” que “roubam o resto do contribuintes”, o Congresso aprovou uma legislação anti-inversão que se tornou lei em 2004.
Cinco anos depois, o Baker McKenzie voltou à mira do Senado, dessa vez em uma audiência sobre paraísos fiscais offshore. O escritório havia prestado assessoramento legal ao gigante suíço do setor bancário UBS sobre proceder com clientes americanos que não queriam que seus ativos no exterior fossem informados ao Internal Revenue Service (IRS), a Receita Federal dos Estados Unidos. O banco, que reformulou suas práticas em 2009, disse que “não contrata serviços de terceiros que ajudem as pessoas a evitar o pagamento dos impostos previstos por lei”.
Enquanto isso, a indústria de planejamento fiscal impulsionou novas [técnicas de] blindagens fiscais, incluindo uma onda de estratégias de inversão cada vez mais complexas. Grandes companhias transferiram suas sedes para jurisdições de baixa tributação mais desenvolvidas, como a Irlanda. Essa tendência levou o Baker McKenzie a emitir um folheto para clientes propagandeando os trabalhos da empresa com 16 corporações em várias transações de inversão em um período de seis anos encerrado em agosto de 2014.
Desde a criação de sua primeira filial no exterior, o Baker McKenzie sempre se promoveu como um “balcão único” [uma empresa que oferece múltiplos serviços]. O escritório favoreceu o modelo de franquias, com empresas locais independentes compartilhando a mesma marca. No decorrer do tempo, a empresa ganhou um apelido: “McLaw”.
No início dos anos 2000, Christine Lagarde, uma renomada advogada do escritório em Paris e a primeira mulher a chefiar o conselho global de administração nos 50 anos de história do Baker McKenzie, passou a impor padrões uniformizados para suas empresas associadas ao redor do mundo. Sob Lagarde, atual presidente do Banco Central Europeu, o Baker McKenzie se reorganizou como um “Swiss Verein”, centralizando suas operações de branding, administração e financiamento em um novo centro corporativo localizado na Holanda.
No entanto, os escritórios nunca foram realmente unificados. O Baker McKenzie continuou sendo uma confederação frouxa de escritórios associados independentes que compartilham serviços de branding, back-office e marketing – mas não lucros e responsabilidades legais.
Outros grandes escritórios seguiriam o exemplo.
Hong Kong: confeccionando uma cidade de segredos
Hong Kong é uma cidade de comerciantes e transportadores que se transformou repetidamente, passando do transporte marítimo para a indústria após a Segunda Guerra Mundial e depois se reinventando novamente. Com os territórios caribenhos do Reino Unido já florescendo como paraísos fiscais nos anos 1970, Hong Kong, do outro lado do mapa offshore, se tornou o principal paraíso fiscal e sigilo financeiro da Ásia. Também sob a influência do Reino Unido, a ilha estava mudando do comércio para a atividade bancária, de construções baixas para torres brilhantes, um parque de diversões vale-tudo para Wall Street e os ricos que nunca permitiram que o sentimentalismo atrapalhasse o lucro.
Aí entra o Baker McKenzie. Sua mudança para a ilha em 1974 coincidiu com a metamorfose de Hong Kong e abriu o caminho para o escritório mais tarde aproveitar a emergência da China como poder global.
Pouco tempo depois da abertura do escritório de Hong Kong, diversos advogados seniores do Baker McKenzie criaram duas subsidiárias que alimentaram o recente mercado de evasão fiscal e ocultação de bens na ilha. Os sócios John Connor e Robert Pick formaram a B. & McK. Custodians Ltd., cuja missão era ajudar a criar e administrar empresas dentro e fora de Hong Kong.
Dois anos e meio depois, George Forrai, um colega, ajudou a criar a B. & McK. Nominees Ltd., instalada na sede do escritório de advocacia em Hong Kong. Os afiliados providenciaram substitutos, conhecidos como nominees, em inglês (equivalente a testa de ferro), para atuar como diretores e acionistas da empresa.
O porta-voz do Baker McKenzie, McGuinness, afirma que escritórios de advocacia oferecem rotineiramente serviços como os prestados pela B. & McK. Nominees e McK. Custodians. Na época, no entanto, reguladores de órgãos ocidentais já alertavam que algumas pessoas ricas em Hong Kong estavam criando empresas offshore anônimas e de fachada para evitar os impostos.
Por meio de inovação, alianças locais e lobby, o escritório Baker McKenzie ajudou a transformar Hong Kong em um centro financeiro global famoso pelos baixos impostos, pelo alto nível de sigilo e pelas poucas regras.
Em duas entrevistas ao ICIJ por videoconferência, o bilionário Allan Zeman contou sua jornada empresarial do Canadá até Hong Kong – e o papel dos advogados do Baker McKenzie. Ele diz que recorreu à firma para aconselhamento na abertura de empresas nas Ilhas Virgens Britânicas por razões de privacidade, não para evitar impostos. “Os impostos já são baixos o suficiente em Hong Kong”, afirma, acrescentando que companhias offshore anônimas oferecem certa proteção contra atenção e processos judiciais indesejados. “Muitas vezes você tem sócios que apenas não querem ter seus nomes associados a alguma coisa.”
Zeman, de 73 anos, cresceu no Canadá e fez sua fortuna no comércio mundial de roupas. Ele criou um bairro famoso pela vida noturna em Hong Kong e se tornou um de seus mais conhecidos magnatas.
Ele diz que pagou ao Baker McKenzie não apenas para ajudar a manter seus interesses financeiros privados, mas também para aconselhá-lo sobre formas legais de contornar as rígidas regulamentações de Hong Kong. O escritório de advocacia é um “balcão único” que o ajuda a navegar por uma miscelânea de regulamentações em 36 países.
“Eles falam qual é o melhor caminho… e se certificam de que você esteja fazendo tudo direito, legalmente”, diz. E acrescenta: “Eles não são baratos. Mas vale a pena”.
Alimentando gigantes corporativos com laranjas
A B. & McK. Nominees forneceu diretores, acionistas e secretários para centenas de companhias e empresários em Hong Kong, incluindo o sócio de Zeman na indústria do vestuário, Bruce Rockowitz, e gigantes do mundo corporativo como Nike e Apple.
Nem a Nike nem a Apple responderam a nossas perguntas sobre o porquê de terem usado os serviços os serviços de “nominees” do Baker McKenzie em Hong Kong. A Nike disse em um pronunciamento que segue todas as regras locais. A Apple declarou ser “a maior pagadora de impostos do mundo”. Rockowitz não respondeu aos pedidos de comentário.
O Baker McKenzie afirmou que às vezes fornece acionistas indicados para multinacionais que não têm equipe jurídica local.
Outro empresário que recorreu ao Baker McKenzie é Graeme Briggs, fundador da grande prestadora de serviços offshore Asiaciti. Quando ele colocou dinheiro em um fundo fiduciário, o serviço de nominees do escritório de advocacia se encarregou dele.
O Baker McKenzie também teve uma relação próxima com a Asiaciti, entre outros provedores offshore, de acordo com os documentos analisados pelo ICIJ. A relação parece ser pessoal, além de profissional.
George Forrai, o associado do Baker McKenzie em Hong Kong, apresentou Briggs à própria mulher, de acordo com um documento dos Pandora Papers. Outros documentos vazados mostram que Forrai estava na lista de convidados de Briggs para o campeonato de tênis Australian Open e outros eventos sociais privados. Os dois discutiram possíveis acordos comerciais, e, quando o governo de Hong Kong pediu a Forrai que auxiliasse na elaboração de políticas fiscais em 2001, ele recorreu à assistência de Briggs. Nessa altura, o Reino Unido já havia devolvido Hong Kong à China. A influência da China continental sobre os assuntos financeiros da ilha tornava-se cada vez maior. E o Baker McKenzie ganhou a reputação crescente de escritório de advocacia ao qual recorrer para a elaboração de leis e regulamentações.
Em Hong Kong, advogados do Baker McKenzie escreviam documentos, faziam parte de conselhos consultivos e prestavam assessoria sobre leis e regulamentações. O escritório se opunha, por exemplo, a normas mais rigorosas de diligência prévia e argumentava que exigências mais severas de divulgação de informações financeiras seria um peso/fardo regulatório para os negócios.
O escritório fazia lobby pelas políticas públicas que favoreciam seus clientes em Hong Kong e em outros lugares por meio de coalizões de lobby sem fins lucrativos, com nomes como a Association of Global Custodians, o Digital Economy Group e a Software Coalition.
Impostos, naturalmente, eram uma preocupação especial. Um painel consultivo do governo de Hong Kong que incluía o advogado do Baker McKenzie Michael Olesnicky rejeitou a ideia de alterar a lei para taxar rendas offshore. Em um e-mail, Olesnicky disse ao ICIJ: “O painel não era contra a taxação de rendas offshore, mas considerou que isso iria apenas aumentar a taxação dos contribuintes atuais e portanto não serviria à função de ampliar a base tributária”.
O Baker McKenzie não respondeu às perguntas sobre quais governos eles assessoraram e em quais leis, ou sobre quanto era pago por esse tipo de clientes ou grupos de interesse. O porta-voz, McGuinness, disse que o lobby é “um componente muito pequeno” das atividades do escritório.
Relação com o reservado bilionário Stanley Ho
Os documentos vazados mostram que um cliente do Baker McKenzie que tirou proveito da isenção de impostos de empresas offshore em Hong Kong foi o reservado bilionário Stanley Ho, que ficou conhecido como o rei asiático dos jogos de azar. Ho, que morreu no ano passado aos 98 anos, ajudou a transformar Macau, um paraíso fiscal e de sigilo financeiro na costa chinesa, em um grande centro de jogos de azar.
O magnata, que se destacou no tango e se casou duas vezes com entusiastas da dança, teve quatro esposas e 17 filhos. Sua quarta esposa, Angela Leong, uma diretora dos negócios de cassino de Ho, chegou a registrar 71 companhias nas Ilhas Virgens Britânicas, de acordo com os Pandora Papers.
Depois de a China ter acabado com seu monopólio de 40 anos do cassino em Macau em 2002, a sorte de Ho mudou.
O governo chinês estava buscando frear o crescimento do mercado de apostas de Macau. Uma de suas irmãs, Winnie, havia aberto mais de 30 processos contra ele, contestando, entre outras coisas, uma reorganização de sua empresa de apostas SJM Holdings. A economia global estava desacelerando, e os lucros, caindo.
Agências reguladoras em Nova Jersey estavam investigando alegações que ligavam Ho ao crime organizado. Autoridades em Portugal estavam investigando possíveis fraudes tributárias em seus cassinos locais. A Austrália o havia considerado inapto a possuir uma licença para operar estabelecimentos de jogos de azar. As autoridades reguladoras de Hong Kong estavam questionando seus planos de trazer a público as informações da SJM Holdings.
Precisando atrair novos investidores em meio a uma enxurrada de investigações e problemas, Ho recorreu ao Baker McKenzie e a um importante advogado dos escritórios de Hong Kong e da China continental, Lawrence Lee.
Transferido da sede do escritório em Sydney, Lee desempenhava diversas funções. Ele atuou como diretor e posteriormente como chefe de supervisão da agência reguladora de títulos financeiros de Hong Kong – monitorando pessoas e companhias não muito diferentes daquelas que ele representava.
Ele atuou também como diretor nomeado da empresa de Ho SJM Holdings, certificando resoluções corporativas, entre outras funções.
Lee se tornou um defensor proeminente da flexibilização das regras para permitir a listagem de mais empresas na Bolsa de Hong Kong. Isso levou a bolsa de Hong Kong a reagir contra a “abordagem mais relaxada” de aceitar candidatos a serem listados.
Além disso, Lee foi diretor de um influente think tank chamado Bauhinia Foundation Research Centre [Centro de Pesquisas da Fundação Bauhinia], que foi financiado por uma montanha de dinheiro – em grande parte fornecido secretamente – de magnatas de Hong Kong, como Stanley Ho.
Ho disse ao South China Morning Post em 2006 que ele havia se comprometido a doar US$ 3 milhões à Bauhinia Foundation. Alguns anos mais tarde, Lee apareceu como diretor da principal empresa de cassinos de Ho, quando esta tentava participar da Bolsa de Hong Kong.
A Bauhinia Foundation se recusou a divulgar informações sobre as contribuições feitas por Ho ou sobre sua lista de doadores. Em uma declaração, a fundação diz ser um grupo independente que tem assumido posições em prol dos trabalhadores. Ela também favoreceu posicionamentos que beneficiaram Stanley Ho: baixos impostos, pouca regulamentação para empresas de capital aberto e subsídios governamentais para grandes projetos de infraestrutura — incluindo uma ponte marítima de 54,7 km e um túnel conectando Hong Kong, China e Macau — que ajudariam seus negócios.
Depois de dois anos de atrasos, o Baker McKenzie assessorou a SJM Holdings em sua estreia na Bolsa de Hong Kong. Mas o prospecto preliminar não mencionava que as autoridades de Nova Jersey estavam investigando as empresas de Ho por possível vínculo com o crime organizado. Ho negou todas as acusações de irregularidades.
A oferta pública inicial levantou cerca de meio bilhão de dólares. O Baker McKenzie emitiu um comunicado de imprensa triunfante: “Nosso envolvimento neste IPO [oferta pública inicial] de destaque da SJM Holdings fortalece ainda mais nossa posição como o principal assessor jurídico em megalistagens e captação de recursos na Bolsa de Valores de Hong Kong”. Atualmente, os filhos e a quarta esposa de Ho controlam uma fortuna estimada, em 2020, em US$ 14,6 bilhões. O escritório representou também sua filha Pansy Ho, herdeira do império.
Na Ásia, ter influência em Hong Kong significava ter vantagem no mercado mais cobiçado da região: a China. O Baker McKenzie estava claramente se tornando o escritório preferido de muitas empresas estatais chinesas que buscavam se expandir pelo mundo, frequentemente usando estruturas de propriedades como em Hong Kong. Em 2015, o Baker McKenzie se tornou o primeiro escritório de advocacia estrangeiro a ser aprovado para participar de uma operação conjunta com o escritório FenXun Partners na zona franca de Xangai.
Entre as companhias assessoradas pelo Baker McKenzie, três seriam incluídas na lista negra dos Estados Unidos em 2020 devido a vínculos com o Exército chinês. O escritório de advocacia representou a AVIC International Holding Corp., uma subsidiária da Aviation Industry Corporation of China (AVIC) (Corporação da Indústria da Aviação da China) em uma proposta de privatização. A AVIC é uma fabricante de caças e uma das maiores comerciantes de drones no mundo. Ativistas dos direitos humanos já alertaram para a ligação entre drones da AVIC e a morte de civis em ataques aéreos no Oriente Médio e no norte da África.
Em novembro de 2019, por exemplo, um ataque de drone dos Emirados Árabes Unidos supostamente lançado por um modelo AVIC Wing Loong-II matou oito civis e feriu dezenas em uma fábrica de biscoitos perto de Trípoli, na Líbia.
O Baker McKenzie não respondeu a perguntas sobre seus trabalhos para companhias estatais chinesas incluídas na lista negra dos EUA.
Malásia: viagem para uma fraude de US$ 4,5 bilhões
Low Taek Jho, carismático herdeiro de uma bem relacionada família malaia, fundou sua primeira empresa quando estudava administração de empresas na Universidade da Pensilvânia. Ele voltou para casa para iniciar uma carreira brilhante em finanças, que o tornou tão rico a ponto de lhe render um apelido em tabloides – Jho Low –, uma participação especial no blockbuster de Martin Scorsese O lobo de Wall Street, e amigos como Paris Hilton, Leonardo DiCaprio e a modelo da Victoria’s Secret Miranda Kerr, a quem presenteou com US$ 8 milhões em joias.
A partir de 2004, Low passou a contar com o Baker McKenzie, suas afiliadas e outros associados de confiança para construir uma rede de empresas na Malásia e em Hong Kong. Ele entrou em um mundo de negociadores políticos, boates exclusivas e negócios multimilionários com os quais a maioria dos estudantes de administração apenas sonha. Low e seus associados usaram as empresas para comprar hotéis de luxo em Nova York e Beverly Hills, financiar investimentos de private equity e repassar fundos para o então primeiro-ministro da Malásia Najib Razak, mostram registros judiciais.
Um gerente de 50 anos da B&M Consultancy Services, afiliada do Baker McKenzie, tornou-se o consultor-chave para oito empresas ligadas a Low na Malásia. Low recrutou outro afiliado, o B. & Mck. Nominees, para criar três empresas em Hong Kong.
Depois que Najib tomou posse como primeiro-ministro em 2009, Low se tornou negociador de um fundo de investimentos do governo dedicado a impulsionar iniciativas estratégicas para o desenvolvimento econômico da Malásia. O fundo, chamado Malaysia Development Berhad, ficaria conhecido pela sigla 1MDB.
Lim Poh Seng, secretário corporativo afiliado ao Baker McKenzie, trabalhou para o 1MDB desde o início. Na semana passada, ele reconheceu publicamente pela primeira vez que atuou nas empresas de Jho Low como funcionário da B&M Consultancy. Em depoimento durante o julgamento do ex-primeiro-ministro Najib, na Malásia, Lim contou que Jho Low o abordou em 2008 para escrever a ata de uma reunião de um fundo estatal que foi o precursor do 1MDB. Lim, agora com 50 anos, disse ter se tornado secretário corporativo do 1MDB, participando de reuniões do conselho e desempenhando outras funções corporativas importantes, depois de o governo malaio ter assumido o fundo em 2009.
Logo depois, o Wong & Partners, escritório de advocacia afiliado ao Baker McKenzie na Malásia, representou o fundo 1MDB em uma transação de US$ 1 bilhão com a petroleira saudita PetroSaudi. O negócio deveria financiar projetos de energia e desenvolvimento, em vez disso grande parte do dinheiro foi parar em empresas de fachada e outras entidades opacas controladas por Low e seus associados, de acordo com as autoridades dos EUA e da Malásia.
Segundo os promotores, mais de US$ 4,5 bilhões foram desviados do 1MBD para bolsos privados por meio de um labirinto de empresas de fachada, fundos e contas bancárias em uma das maiores fraudes financeiras de todos os tempos.
Bandeiras vermelhas por todos os lados
Especialistas em lavagem de dinheiro explicam que Low se encaixa na definição de “cliente de alto risco” dada pelos livros. Ele se utilizava de entidades comerciais cheias de familiares e contas em bancos suíços e tinha laços estreitos com políticos, incluindo o ex-primeiro-ministro Najib.
“Todo mundo estava atento ao Low”, afirmou Keith Prager, ex-agente alfandegário dos EUA e especialista em lavagem de dinheiro que analisou o caso a pedido do ICIJ. “Havia bandeiras vermelhas por todos os lados.”
O guia de ética do Baker McKenzie aconselha seus advogados a perguntar a si mesmos, antes de aceitar um cliente: “Eu ficaria envergonhado se meus amigos ou familiares soubessem que fiz isso? Isso pode causar danos à empresa ou prejudicar sua reputação? Eu ficaria envergonhado se isso saísse na imprensa?”.
O ICIJ descobriu que, além de Jho Low, o Baker McKenzie e seus afiliados faziam negócios com empresas e indivíduos de reputação suspeita em vários países. Entre eles, uma empresa de propriedade de Du Shuanghua, o chefão do aço chinês, que admitiu em depoimento ter pago US$ 9 milhões a uma autoridade da área de mineração posteriormente condenada por corrupção; o oligarca ucraniano Ihor Kolomoisky, que, segundo as autoridades dos EUA, usou uma rede de empresas de fachada em um esquema de lavagem de dinheiro de US$ 5,5 bilhões; e herdeiros do falecido Khoo Teck Puat, conhecido como o homem mais rico de Cingapura, acusado de levar um banco ao colapso financeiro.
Du Shuanghua, Kolomoisky e Jennifer Khoo Carmichael, filha do falecido banqueiro, não responderam aos nossos pedidos de comentários.
O Baker McKenzie não respondeu às perguntas sobre clientes individuais. McGuinness informou que suas regras de combate à lavagem de dinheiro e padrões de diligência evoluíram e que algumas questões com clientes podem ter ocorrido antes que regras rígidas e padrões de verificação estivessem em vigor. Agora o escritório de advocacia realiza verificações abrangentes de todos os potenciais clientes, fazendo a triagem de “pessoas politicamente expostas”, seus sócios e familiares.
“Melhoramos nossos sistemas ao longo dos anos para que chegassem ao atual estado robusto de gerenciamento de risco… e estamos sempre nos esforçando para melhorar ainda mais”, disse McGuinness.
Lim Poh Seng, secretário corporativo afiliado ao Baker McKenzie, não quis se manifestar sobre o caso de Jho Low. A Wong & Partners, afiliada do Baker McKenzie na Malásia, não respondeu aos pedidos de comentário. Em outra ocasião, a Wong & Partners havia descrito seu papel em relação ao 1MDB como estritamente “consultivo” e alegado não ter feito nada de errado.
Em maio, o 1MDB foi à Justiça na Malásia para recuperar US$ 1 bilhão em danos da Wong & Partners, mas retirou o caso três meses depois.
O Baker McKenzie não era a única firma profissional a ajudar Low e seus associados. Outros escritórios de advocacia, quatro grandes auditores e até o venerável banco de investimentos Goldman Sachs viabilizaram a fraude.
Mais tarde, o Goldman Sachs admitiu ter articulado o pagamento de mais de US$ 1,6 bilhão em propinas a funcionários dos governos da Malásia e Abu Dhabi. Em 2020, sua subsidiária malaia foi considerada culpada de suborno em um tribunal federal dos EUA. O banco concordou em pagar quase US$ 3 bilhões a autoridades em quatro países e a tomar US$ 174 milhões dos principais executivos.
O Goldman Sachs não quis se manifestar. Anteriormente, havia qualificado sua atuação no roubo ao 1MDB como “falha institucional” e prometido melhorar os processos de fiscalização.
No ano passado, um tribunal da Malásia condenou o ex-primeiro-ministro Najib a 12 anos de prisão no primeiro julgamento ao qual ele foi submetido por corrupção envolvendo o 1MDB. A sentença está suspensa enquanto se aguarda um recurso, e ele enfrenta mais quatro julgamentos relacionados ao caso do fundo.
Najib afirmou ao ICIJ, por meio de mensagens de texto, que não teve atuação direta no esquema de suborno do 1MDB e colocou a culpa no Baker McKenzie e em outros consultores. “Fui tranquilizado pelo fato de essas serem grandes empresas que teriam alertado a mim ou ao conselho do 1MDB caso houvesse algum sinal de alerta”, disse Najib, que deixou o cargo em 2018. “No entanto, tais avisos nunca vieram.”
Jho Low, de 39 anos, está escondido há mais de cinco anos. As tentativas de contatá-lo foram infrutíferas. Em entrevista publicada no ano passado, ele negou ser o cérebro do esquema 1MDB. “A ideia de que eu sou algum tipo de ‘mentor’ é simplesmente errada”, disse por e-mail ao Straits Times, de Cingapura. Seu paradeiro permanece desconhecido – ele já foi visto em Phuket, Macau, China, Hong Kong, Taiwan, Hollywood, Ahmedabad e Índia.
Miami: mansões no labirinto de dinheiro
Como chefe da divisão norte-americana de gestão de fortunas do Baker McKenzie, Simon P. Beck é um palestrante muito procurado.
Advogado, consultor tributário e especialista em trusts, Beck costuma dar palestras em conferências e eventos de treinamento, alguns em hotéis cinco estrelas. Entre os assuntos que aborda, estão o uso de trustes e instrumentos offshore para proteger clientes de credores e maneiras de manter ativos fora do alcance de familiares e ex-cônjuges “perdulários ou hostis”.
Embora viva em Nova York, Beck também integra a equipe de especialistas em impostos e trustes do Baker Mckenzie, que orienta algumas das pessoas mais ricas do mundo sobre como proteger suas fortunas. Conforme revelam os Pandora Papers, frequentemente a solução é escondê-los em uma empresa de fachada ou truste estabelecido em um paraíso fiscal.
De suas salas no 17º andar, a uma quadra da baía de Biscayne, o escritório de Miami administrou dezenas de empresas anônimas e fundos para clientes estrangeiros.
Os clientes usavam entidades offshore para manter artigos de luxo, imóveis e investimentos, apontam os documentos vazados. O Baker McKenzie apresentou clientes a provedores de serviços offshore, aconselhou-os sobre questões fiscais, manteve registros no exterior, forneceu atendimento em due diligence, escreveu cartas de referência e muito mais, de acordo com a análise dos documentos confidenciais feita pelo ICIJ. Frequentemente, eles delegavam trabalho a prestadores de serviços especializados em criar empresas de fachada, como a Trident Trust.
O coproprietário do Ottawa Redblacks, time da Liga Canadense de Futebol, foi um dos clientes – ele buscava “proteção” dos impostos imobiliários dos EUA. Outro foi um executivo peruano investigado por corrupção no escândalo da Odebrecht. Há ainda a mãe de 100 anos de um sonegador de impostos condenado por fraude fiscal e lavagem de dinheiro.
O próprio Beck cuidou do caso de Thais Neves Birmann, ex-esposa de Daniel Birmann, um ex-investidor, banqueiro e acionista de uma das maiores empresas de munição da América Latina.
Em 2005, as autoridades brasileiras multaram Daniel Birmann em cerca de US$ 90 milhões por lucrar indevidamente com a reestruturação da fabricante de eletrônicos SAM Indústrias S.A. À época, havia sido a maior multa já aplicada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) do Brasil. Birmann declarou falência e supostamente ocultou bens ao transferi-los para familiares, entre eles Thais.
Uma década depois, com o processo de falência ainda em andamento, as autoridades brasileiras apreenderam um iate de US$ 20 milhões que, de acordo com elas, Birmann possuía secretamente por meio de uma empresa de fachada constituída na Ilha de Man. A CVM pediu à Justiça permissão para penhorar o iate e receber a multa de US$ 90 milhões. Em abril de 2016, solicitou autorização para confiscar outros ativos não revelados, incluindo quase US$ 4,6 milhões em empréstimos não pagos que Birmann tomou para sua ex-esposa e outros parentes.
Meses depois, em julho de 2017, o Baker McKenzie e a Trident Trust criaram uma empresa chamada Waymoore Partners, que tinha Thais Neves Birmann como proprietária. A companhia era dona de uma casa de cinco quartos em Miami Beach, avaliada em US$ 1,87 milhão.
Nem Birmann nem a ex-esposa responderam às perguntas sobre o suposto ocultamento de bens ou a origem dos recursos utilizados para comprar a casa em Miami. Beck não respondeu às questões sobre o caso Birmann e sobre sua atuação relacionada a empresas offshore de outros clientes abastados, como o bilionário colombiano Jaime Gilinski Bacal.
Gilinski, de 63 anos, transformou uma pequena fortuna herdada em um império bancário e imobiliário de US$ 3,7 bilhões, de acordo com a Forbes. Os documentos vazados indicam que pelo menos parte de seus bens foi armazenada em mais de 30 empresas nas Ilhas Virgens Britânicas e no Panamá, onde ele tem status de cidadão e já ocupou um cargo diplomático.
Em uma carta de 2017 à Trident Trust, Beck disse que representava Gilinski desde 2003. “O Sr. Gilinski sempre se comportou de maneira honrada e altamente respeitável”, dizia o texto.
Em 2004, as autoridades financeiras dos EUA exigiram que o Eagle National Bank of Miami, de propriedade de Gilinski, impedisse que figuras políticas estrangeiras operassem contas bancárias potencialmente afetadas por “lavagem de dinheiro, receitas provenientes de corrupção internacional, financiamento de terrorismo ou outras atividades suspeitas”. Poucos meses depois, os EUA determinaram que a empresa controladora do banco parasse de fazer empréstimos privilegiados para Gilinski e seus negócios.
Gilinski não respondeu aos pedidos de posicionamento. O banco disse na época ter interrompido a concessão de empréstimos para qualquer empresa afiliada. Os EUA acabaram abandonando os dois pedidos depois que o banco e sua holding cumpriram as demandas dos reguladores.
As autoridades financeiras da Colômbia penalizaram o Banco GNB Sudameris, também de Gilinski, 16 vezes desde 2005, uma delas por violar os procedimentos de combate à lavagem de dinheiro, mostram os arquivos. Ao todo, o banco foi condenado a pagar cerca de US$ 394 mil em multas.
Os documentos analisados pelo ICIJ mostram que Beck fazia parte de uma equipe de intermediários que atuavam no império de negócios do banqueiro. Entre eles, também estava Jaime Alemán, influente fundador do escritório de advocacia panamenho Alemán, Cordero, Galindo & Lee (Alcogal), antigo sócio comercial do Baker McKenzie e amigo de Gilinski.
Em agosto de 2012, em um contexto de aumento da pressão internacional sobre a indústria offshore do Panamá, Beck ajudou Gilinski a tirar do país a sua empresa, chamada Glenoaks Investments, e realocá-la nas Ilhas Virgens Britânicas. Gilinski havia usado a Glenoaks para investir em seu banco com sede em Bogotá. O motivo da mudança: “planejamento tributário dos EUA”, escreveu Beck em um e-mail para o Alcogal.
Gilinski usou duas outras empresas das Ilhas Virgens, administradas pelo Baker McKenzie, para manter uma mansão em Londres avaliada em US$ 38 milhões em 2013, apontam os registros. Eles também mostram que o banqueiro pagou US$ 14,5 milhões por uma casa de sete quartos – uma das quatro propriedades que adquiriu utilizando duas outras empresas de fachada – em uma ilha particular de Miami conhecida como Billionaire Bunker. Vigiada e fechada, a casa fica na mesma rua de uma propriedade de cerca de 5.200 metros quadrados que a filha de Donald Trump, Ivanka Trump, e seu marido Jared Kushner compraram por US$ 24 milhões este ano.
Rússia: cerveja inebriante para especialista em sanções
Em março de 2016, a empresa estatal russa de armas Rostec procurou ajuda para vender sua participação em uma das maiores minas de cobre do mundo, localizada na Mongólia e batizada de Erdenet – “tesouro” em mongol.
A Rostec fabrica quase tudo que os militares russos usam, desde caças e óculos de visão noturna acoplados a capacetes até veículos blindados e rifles Kalashnikov.
Na época do negócio da mina, a Rostec sofria sanções do Ocidente na esteira da invasão da Crimeia pela Rússia em 2014. Junto a algumas de suas afiliadas, a empresa também estava sob o escrutínio da imprensa por conta de acordos armamentísticos supostamente corruptos. De acordo com os Pandora Papers, parentes do presidente executivo da Rostec, Sergey Chemezov, um velho amigo do presidente Vladimir Putin, fundaram uma empresa de fachada offshore para manter imóveis.
Na busca por um escritório de advocacia que ajudasse na venda da mina da Mongólia, a Rostec exigiu “experiência em assessorar organizações russas que foram sancionadas pelos Estados Unidos e União Europeia”.
O Baker McKenzie conseguiu o serviço por meio de uma afiliada, o Baker & McKenzie CIS.
O Baker McKenzie descreve a si mesmo como o primeiro escritório de advocacia ocidental credenciado a atuar na era soviética, tendo aberto uma sede em Moscou em 1989. Após a queda da URSS, os sócios do Baker McKenzie adotaram o nome Baker & McKenzie CIS para seguir com o trabalho nas ex-repúblicas soviéticas – o nome vem da Comunidade de Estados Independentes, formada na esteira do colapso soviético. Com uma das maiores operações na região, o Baker & McKenzie CIS tem como clientes algumas das maiores empresas ocidentais com atuação na ex-União Soviética, como a Ford Motor Co. e a cervejaria Carlsberg.
O ICIJ e seus parceiros do Organized Crime and Corruption Reporting Project (OCCRP) e IStories descobriram que o Baker & McKenzie CIS representou pelo menos seis empresas de propriedade do governo russo que receberam sanções, incluindo a Rostec e a gigante bancária VTB.
Em março de 2018, por exemplo, o Baker & McKenzie CIS conseguiu um contrato com uma unidade da VTB apelidada de “cofrinho de Putin” após notícias de que membros do círculo íntimo do presidente russo estavam transferindo grandes quantidades de dinheiro para o exterior por meio de uma subsidiária da empresa. O escritório foi contratado para orientar a VTB sobre como evitar conflitos com as sanções dos EUA ou da União Europeia no financiamento de um projeto de aeroporto perto de São Petersburgo.
A Rússia tem continuado a sofrer sanções de governos ocidentais por causa de seus esforços para influenciar as eleições presidenciais norte-americanas, de um ataque cibernético e do envenenamento de um ex-espião russo.
O Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros dos EUA, que gerencia sanções econômicas e comerciais, permite que advogados prestem serviços jurídicos a entidades russas alvos de sanção. Embora não haja evidências de que o Baker & McKenzie CIS tenha violado alguma regra, especialistas em ética questionam se o trabalho do escritório de advocacia pode seguir as normas, mas desrespeitar o espírito das leis de sanção.
“Se você está representando entidades sancionadas, é realmente necessário fazer um questionamento: no que diz respeito a ser um bom cidadão, você realmente deseja fornecer serviços a entidades reconhecidas por governos como maus atores?”, contesta Timothy White, consultor especial da AML RightSource, empresa especializada no combate à lavagem de dinheiro e outros crimes financeiros.
Em junho de 2016, a Rostec vendeu sua participação na mina Erdenet para uma empresa pouco conhecida, chamada Mongolian Copper Corp, por US$ 400 milhões. Na época, monitores de combate à lavagem de dinheiro do Deutsche Bank apresentaram relatórios de atividades suspeitas detalhando o fluxo de centenas de milhões de dólares para a Mongolian Copper. “Há pouca ou nenhuma informação sobre a criação e negócios específicos” da Mongolian Copper, informou o Deutsche Bank, de acordo com registros obtidos pelo BuzzFeed News e compartilhados com o ICIJ como parte da investigação FinCEN Files, de 2020.
Tempestade política na Mongólia
Na Mongólia, a venda desencadeou uma tempestade política, batalhas judiciais e investigações de corrupção de alto nível, com o então primeiro-ministro Chimed Saikhanbileg como um dos alvos. O Parlamento do país considerou a transação ilegal ao constatar que Saikhanbileg a autorizou sem a aprovação dos parlamentares. Os investigadores da Mongólia também identificaram evidências de que a Mongolian Copper era uma fachada para o Banco de Comércio e Desenvolvimento da Mongólia, de propriedade privada. Politicamente influente – seus investidores incluíam o Goldman Sachs –, o banco usou fundos públicos de forma inadequada para financiar a compra, indicaram os investigadores. O Goldman Sachs tinha uma participação de 4,8% no banco, mas declarou não exercer controle estratégico na empresa.
Robert Amsterdam, advogado de Saikhanbileg, disse que o ex-primeiro-ministro não desempenhou nenhum papel na venda e não fez nada de errado. A Rostec identificou a Mongolian Copper Corp. por conta própria, afirmou Amsterdam, e não estava disposta a vender sua participação a nenhum outro comprador. “A reputação da Mongólia como um lugar para fazer negócios foi prejudicada pela natureza politicamente carregada da investigação em Erdenet”, afirmou.
Evocando a confidencialidade do cliente, o Baker McKenzie se recusou a responder às perguntas sobre o contrato da Rostec ou suas negociações com outras empresas russas alvos de sanção. O escritório de advocacia disse que simplesmente ofereceu conselhos aos clientes sobre como cumprir integralmente as sanções comerciais.
A Rostec não quis se pronunciar.
A sede do Baker & McKenzie CIS é uma suíte no primeiro andar de um edifício em Guernsey, ilha no canal da Mancha. De acordo com a Tax Justice Network, organização sem fins lucrativos que analisa as políticas e práticas de sigilo financeiro dos países, Guernsey é o 11º paraíso fiscal mais secreto do mundo.
O jornal Le Monde, parceiro do ICIJ, descobriu que o escritório do Baker & McKenzie CIS em Guernsey não tem operações e que é, na verdade, uma empresa de fachada.
Colaboradores: Karrie Kehoe, Maggie Michael, Emilia Diaz-Struck, Ben Hallman, Dean Starkman, Fergus Shiel, Delphine Reuter, Miguel Fiandor, Mago Torres, Jelena Cosic, Richard H. P. Sia, Tom Stites e Denise Hassanzade Ajiri. Reportagem global por Le Monde, França, Malaysiakjni, Malásia, Stand News, Hong Kong; OCCRP e iStories, Rússia, Tanya Kozyreva, Ucrânia, Australian Broadcasting Corporation e Australian Financial Review, Austrália, Karlijn Kuijpers, Holanda, The Guardian e BBC, Reino Unido, Washington Post, Estados Unidos, Agência Pública, Brasil, El Espectador/Connectas, Colômbia, Quinto Elemento Lab, México, woxx, Luxemburgo, Miami Herald, Estados Unidos, Convoca, Peru, Korea Center for Investigative Journalism-Newstapa, Coreia do Sul, Indian Express, Índia, The Wire China, Estados Unidos, Armando.info, Venezuela, Tempo, Indonésia, L’Espresso, Itália, Expresso, Portugal, WDR, Alemanha, NZME, Nova Zelândia, e El País, Espanha.
Tradução por Bárbara D’Osualdo/Agência Pública