O governo Lula ainda nem assumiu e já enfrenta a desconfiança dos mercados financeiros, receosos com o rompimento da regra de ouro fiscal em vigor no país, o teto de gastos. A última proposta de Projeto de Emenda Constitucional para liberar orçamento extra até 2026 prevê um excesso anual estimado em cerca de quase R$ 200 bilhões – mas a equipe de transição de governo não dá precisões sobre como esse valor será financiado, causando apreensão quanto ao equilíbrio das contas do país.
A principal razão para a alta das despesas é bancar o Auxílio Brasil a R$ 600 durante os próximos quatro anos, aumentar o salário mínimo e retomar os investimentos, todas promessas de campanha de Luiz Inácio Lula da Silva. Entretanto, a falta de clareza da nova versão do texto, enviado ao Senado nesta segunda-feira (28), continua a preocupar, na avaliação do economista Reginaldo Nogueira, diretor-geral do Ibmec São Paulo e Brasília.
“A gente está falando de uma situação na qual a economia mundial está entrando em recessão, a taxa de juros internacional está muito alta para controlar a inflação da saída da crise da Covid, a China está crescendo abaixo de 3%. O cenário internacional é completamente adverso, e se a gente ainda coloca irresponsabilidade fiscal na equação, a gente passa a ter uma pressão sobre a nossa taxa de câmbio que vai obrigar o Banco Central brasileiro a aumentar muito mais a taxa de juros, e aí a gente vai entrar de novo naquela situação na qual o governo não só tem geração de déficits primários, como a gente paga muitos juros e o déficit nominal fica mais alto ainda”, explica. “A dívida cresce cada vez mais e rapidamente a gente volta àquele cenário de dívida na casa de 100% do PIB”, complementa.
Regras do teto em questão
Já o professor de economia política e desenvolvimento internacional no King’s College de Londres, Alfredo Saad Filho, pensa diferente. Para ele, o impasse atual reflete muito mais uma disputa política do que um temor de descontrole fiscal, além de evidenciar as limitações das regras do teto de gastos, em vigor desde 2017. Ao vincular na Constituição as despesas à inflação, a medida tende a estrangular o orçamento, desconsiderando emergências e a degradação das condições sociais no país.
Não à toa, 2023 será o quarto ano consecutivo em que a PEC será rompida, num ciclo iniciado na pandemia. Com Bolsonaro, o excesso já seria de R$ 105 bilhões no próximo ano.
“Temos uma situação de crise estrutural da economia brasileira na última década que só se resolve com crescimento econômico sustentável. O papel do Estado nisso vai além de manter um equilíbrio fiscal que é completamente artificial”, argumenta o professor. “O equilíbrio é um instrumento, não é um fim. É um instrumento para se ter uma economia estável que possa gerar o crescimento, garantir emprego e renda para as pessoas. Ele não pode virar um fetiche, e isso foi uma inversão de valores que aconteceu em 2016 e continua amarrando o crescimento do Brasil desde então”, observa Saad Filho.
Desonerações
As fontes de receitas para financiar o excedente de gastos podem ser diversas, como maior eficiência na máquina pública e a reversão de isenções tributárias. As desonerações outorgadas pelo atual governo a diversos setores, com industrial e agronegócio, resultarão em R$ 465 bilhões a menos nos cofres públicos em 2023.
“A taxação de riquezas e de ganhos de capital deveria ser uma prioridade e, se for para arrecadar mais, vai ser por ali, porque arrecadar mais na folha de trabalho da classe média não só é injusto, como criaria um problema político extremamente grave que, me parece, esse governo que entra não teria condições de confrontar”, salienta o professor da King’s College de Londres.
“Com certeza a gente pode fazer uma discussão sobre o regime tributário, a tributação de dividendos. A gente vai ou não renovar o auxílio caminhoneiro? Vai ou não manter a redução do PIS e Cofins sobre os combustíveis? Vai prorrogar o congelamento dos salários dos funcionários públicos? Tem toda uma discussão possível sobre receita. Mas isso não dá tempo de fazer, e por isso que agora precisaríamos de uma PEC efetivamente de transição, que liberasse espaço para R$ 70 bilhões no orçamento para o Auxílio Brasil em 2023”, afirma o diretor-geral do Ibmec, ressaltando que, ao querer antecipar o furo do teto desde já, a equipe de transição ameaça “implodir o orçamento público e o resultado fiscal nos próximos quatro anos”.
O futuro governo conta ainda que o aumento definitivo do Auxílio Brasil vai continuar a estimular o consumo e aquecer a economia, resultando em mais arrecadação. Esse cenário já favoreceu o PT nos anos anteriores, mas também foi uma das causas do descontrole fiscal dos governos Dilma, salienta Alfredo Saad Filho.
“Sem crescimento econômico, vai ser difícil. Na vez passada foi possível expandir máquina publica, BNDES, benefícios sociais etc, porque havia crescimento e um boom de commodities no exterior. Desta vez, não tem. Então, eu estou não pessimista, mas sim cauteloso em relação à ginástica que o novo governo vai ter que fazer para poder equilibrar as contas e entregar o programa pelo qual foi eleito”, pondera.