Após conferência de paz na Suíça para a qual o líder russo sequer foi convidado, Kiev lança preparativos para nova reunião. Mas especialistas alemães ainda não veem perspectiva para acordo de paz.Será que negociações para o fim da guerra russa contra a Ucrânia ainda podem ocorrer neste ano? Talvez até mesmo antes da eleição presidencial dos EUA, em novembro?
Atualmente, a Ucrânia trabalha para convocar outra conferência de paz dentro de alguns meses. A mídia ocidental vem mencionando cada vez mais a possibilidade de a Arábia Saudita sediar evento.
O presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, quer manter o ritmo de sua ofensiva diplomática e, portanto, anunciou “novas medidas concretas” para julho, que possivelmente incluiriam a formação de grupos de trabalho para produção de um plano de paz ucraniano.
Diplomacia para manter o diálogo
A primeira conferência de alto nível foi realizada na Suíça em meados de junho. Cerca de 90 países participaram, mas a Rússia não foi convidada, e a China ficou de fora, assim como o Brasil.
Os debates foram limitados a tópicos como rotas de livre comércio, segurança nuclear e intercâmbio de prisioneiros. Uma porta diplomática também foi aberta para uma futura participação russa.
A paz na Ucrânia exige “participação e diálogo entre todas as partes”, de acordo com a declaração final. Existe agora uma chance de negociações de paz reais no terceiro ano de guerra?
A DW conversou com dois importantes representantes da diplomacia alemã sobre o assunto: Rüdiger von Fritsch, ex-embaixador em Moscou e ex-vice-presidente do Serviço Federal de Inteligência. E Christoph Heusgen, chefe da Conferência de Segurança de Munique (MSC, na sigla em inglês) e ex-assessor da chanceler Angela Merkel.
“Putin não tem interesse em acabar com a guerra”
Ambos os diplomatas acham improvável que ocorram negociações rápidas com a Rússia. Já antes da conferência na Suíça, quando o presidente russo, Vladimir Putin, apresentou sua visão para um cessar-fogo, as posições opostas ficaram evidentes.
De acordo com Moscou, Kiev deveria se retirar de quatro áreas no sul e no leste anexadas pela Rússia em 2022 e renunciar à adesão à Otan. Então, as armas silenciariam, de acordo com Putin.
O ex-embaixador Rüdiger von Fritsch não acredita nisso. Segundo ele, no momento, Putin não tem “absolutamente nenhum interesse em terminar essa guerra se sua agressão for recompensada no final”, o que, de acordo com o diplomata, seria o caso se as ideias do líder russo fossem aceitas.
Em termos de conteúdo, a oferta de Putin “não tinha nenhuma intenção séria”, diz o CEO da MSC, Christoph Heusgen. O presidente russo estava, segundo ele, mais interessado em “jogar areia nas engrenagens” da conferência suíça e observar a reação.
“Ucrânia entrar na Otan”
Diante desse cenário, os dois diplomatas duvidam que as negociações sejam possíveis em curto e médio prazo. Antes de mais nada, “Putin deve reconhecer o governo legítimo da Ucrânia e o presidente Zelenski como parceiros de diálogo”.
Isso ainda não ocorreu. Recentemente, no final de maio, o presidente russo questionou a legitimidade de Zelenski, por ocasião do fim formal de seu mandato como presidente. No entanto, este foi automaticamente prorrogado de acordo com a lei ucraniana, já que sob lei marcial não pode haver eleições.
Além disso, a Rússia deveria respeitar a Carta da ONU, de acordo com Heusgen. O comunicado final da conferência suíça também destaca esse fato. “Vejo a única chance de paz se a Ucrânia for colocada novamente em uma posição de força nesse conflito”, diz o diretor do MSC.
Heusgen avalia que a Rússia está muito distante da posição ucraniana e de um possível consenso. Por isso, ele não acredita “que teremos uma conferência com a participação da Rússia” ainda este ano. “A Ucrânia e seus parceiros no Ocidente precisam ter paciência”, adverte.
“Putin tem medo de um levante”
Heusgen diz o que ele acredita que muitos no Ocidente estão relutantes em ouvir. “No caso de um acordo com a Rússia, a Ucrânia precisaria de garantias de segurança mais fortes do que antes.”
“Na minha opinião, um acordo com a Rússia só pode ser tolerável para a Ucrânia se for acompanhado pela adesão à Otan”, diz Heusgen. A Ucrânia tem tido garantias de adesão à Otan desde 2008, mas não o status de candidata.
Rüdiger von Fritsch também não acredita em sucessos diplomáticos rápidos. O ex-embaixador em Moscou acredita que Putin só estaria preparado para entrar em negociações substanciais se seu poder dentro da Rússia for ameaçado.
“Vladimir Putin precisa constantemente comprar a aprovação da população local, ele governa seu país com repressão, propaganda e suborno constante”, diz von Fritsch.
Ele destaca que não apenas a economia russa está sob pressão. O Kremlin também teme que ocorra algo inesperado, como um levante, que poderia colocar em risco seu poder.
Como exemplos, o diplomata citou os protestos das mães dos soldados soviéticos contra a guerra no Afeganistão na década de 1980 e as manifestações em massa do sindicato Solidariedade, sob o comando do líder sindicalista Lech Walesa, que derrubou o sistema comunista na Polônia – também na década de 1980.
“Putin tem medo de algo assim”, diz von Fritsch. “E é preciso levá-lo a esse ponto. Se ele chegar a considerar algo do tipo, então estará disposto a conversar”. Uma maneira de tentar chegar a esse ponto seria, conforme o especialista, fortalecer a Ucrânia e impor mais sanções contra a Rússia.