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quarta-feira 20 de setembro de 2023 às 08:27h

Como ‘guerra dos chips’ entre EUA e China virou oportunidade para o México

MUNDO, NOTÍCIAS


“Por que se fala tanto da ‘guerra dos chips’ se, no fim das contas, é apenas mais uma batalha comercial entre Estados Unidos e China?”, alguém me perguntou outro dia.

O que eu não sabia é que o país que dominar a indústria de semicondutores terá praticamente a economia internacional nas mãos.

Os chips são a alma da economia moderna e o cérebro de todos os sistemas eletrônicos em produtos de consumo de massa, como carros, telefones, computadores, e até mesmo aviões de combate.

“A indústria militar tornou-se cada vez mais dependente de semicondutores avançados para sistemas de computação, sensores e capacidade de comunicação”, diz Chris Miller, professor associado de História Internacional na Universidade Tufts (em Massachusetts, nos EUA), especializado em questões econômicas, tecnológicas e políticas.

Os semicondutores são também a força motriz por trás de inovações que irão revolucionar a forma como vivemos, como a inteligência artificial e a computação quântica.

Embora os Estados Unidos continuem a ser líderes no design de chips, a maior parte da fabricação é feita no exterior. Na verdade, a maioria dos chips tecnologicamente mais avançados são fabricados em Taiwan.

E, à medida que a tensão política aumentou nos últimos anos sobre a possibilidade de a China decidir invadir a ilha, também cresceu a preocupação nos EUA sobre a vulnerabilidade do fornecimento de semicondutores.

Além disso, quando a pandemia provocou interrupções nas cadeias de abastecimento e as empresas entenderam que, apesar de terem custos baixos, não podem depender exclusivamente da China, elas começaram a olhar para outros países com a ideia de realocar suas operações.

“E por que não no México?”, pergunta Chris Miller.

Muitas empresas começaram a se instalar em outros países asiáticos, mas o país latino-americano também está na corrida para atrair estes investimentos.

“Há uma grande oportunidade para o México”, argumenta o autor de livros como A Guerra dos Chips (Globo Livros, 2023) nesta entrevista à BBC News.

BBC News Mundo – Vamos falar sobre o México. Qual o papel que este país pode desempenhar no meio desta guerra de semicondutores que existe entre Estados Unidos e China?

Chris Miller – Existem muitas partes no processo de fabricação de semicondutores. Você tem o design, a produção das ferramentas, a fabricação dos próprios chips, a embalagem antes de serem enviados ao consumidor final. Nenhum país se concentra particularmente em todas as fases.

O México pode desempenhar um papel importante na montagem e embalagem. O país já possui uma indústria de montagem desenvolvida no setor automotivo e no setor de dispositivos médicos.

É por isso que o México pode expandir essa vantagem para as indústrias de montagem e embalagem de chips.

BBC News Mundo – O que dizem as empresas que fabricam semicondutores?

Miller – Se ouvirmos as empresas de tecnologia de produção, o interesse delas é reequilibrar sua cadeia de abastecimento para não ficarem tão dependentes da Ásia Oriental.

Atualmente, a maior parte da montagem e embalagem da indústria de chips é feita no Leste Asiático, em países como China e Taiwan.

Existem muitas empresas que gostariam de ver mais montagem e embalagem de chips na América do Norte.

BBC News Mundo – Mas até agora isso não aconteceu…

Miller – Até agora isso não aconteceu. Acredito que o México tem a geografia, a base industrial, a estrutura de custos para viabilizar a montagem e a embalagem.

BBC News Mundo – Mesmo que não faça parte dos países que se destacam por fabricar tecnologia avançada?

Miller – Acontece que os semicondutores são tecnologia avançada, mas exigem montagem e é nessa parte que o México tem vantagens.

Além de carros e dispositivos médicos, também são montados servidores e computadores no México.

Como empresas estão buscando mudar a cadeia de abastecimento para fora da China, serão necessários mais computadores e servidores montados no México no futuro. Todos esses produtos precisam de semicondutores.

Então, não creio que seja correto dizer que o México não tem base tecnológica para somar-se à mudança. Existem várias indústrias que utilizam muitos semicondutores e ficariam muito entusiasmadas em ver o México desempenhar um papel maior na montagem e embalagem.

BBC News Mundo – Como o México irá atrair investimentos de empresas fabricantes da indústria de chips se não tiver um plano especificamente concebido para atingir esse objetivo?

Miller – O México precisa fazer mais no desenvolvimento de uma estratégia.

Em última análise, as empresas tomarão decisões de investimento motivadas pela lógica empresarial, mas o governo pode ajudar garantindo que os incentivos fiscais sejam concebidos da melhor forma possível para torná-los atraentes para as empresas.

O segundo ponto é que o governo pode ajudar garantindo que as empresas tenham o fornecimento de eletricidade, água e energia limpa de que necessitam para atrair investimentos a longo prazo.

E a última coisa, provavelmente a mais importante, é que existe um ecossistema suficientemente extenso para o desenvolvimento de economias de escala que reduzam custos, como fizeram China, Vietnã ou Taiwan.

O México tem isso em certas indústrias, como a automotiva, mas não nas indústrias de semicondutores ou na produção de certos componentes eletrônicos.

O governo pode fazer mais para que as empresas percebam que há interesse em desenvolver esta indústria e resolver os problemas que as empresas enfrentam.

Quanto mais investimentos você puder atrair, mais interesse haverá no futuro em novos investimentos.

Trabalhadora com placa com semicondutores nas mãos

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,‘Todas as empresas multinacionais que estão na China estão avaliando o que fazer com a sua produção’, diz Miller

BBC News Mundo – No meio desta guerra de chips entre os Estados Unidos e a China, você diria então que o México tem uma grande oportunidade comercial?

Miller – Sim, há uma grande oportunidade para o México. E a oportunidade não tem apenas a ver com a corrida pelos semicondutores entre os EUA e a China, penso que cada empresa multinacional que está na China está avaliando o que fazer com sua produção.

Não são apenas as empresas americanas. As empresas japonesas, coreanas e taiwanesas também estão interessadas em transferir sua produção industrial para outros países.

Nas últimas duas décadas, o México perdeu oportunidades porque muitas empresas se estabeleceram na China, mas essa era acabou.

Agora há uma corrida entre o Sudeste Asiático e o México para atrair empresas que vão deixar a China. É uma daquelas oportunidades únicas em uma geração.

BBC News Mundo – Que benefícios o México poderá obter se conseguir entrar na cadeia de fornecimento de semicondutores?

Miller – Criar empregos de alta qualidade e bem remunerados que sejam relativamente de alta tecnologia. Há uma razão pela qual todos os países tentam competir para atrair estes investimentos.

A indústria de semicondutores pode ter impacto no crescimento econômico do país. Os chips possuem alto valor agregado, é tecnologia avançada.

Certamente uma cadeia de abastecimento centrada na América do Norte seria menos vulnerável a potenciais perturbações.

À medida que aumentam as tensões entre a China e Taiwan, há maior preocupação por parte das grandes empresas.

Microchip em um dedo

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,‘Nas últimas duas décadas, o México perdeu oportunidades porque muitas empresas se instalaram na China, mas essa era acabou’, diz o especialista

BBC News Mundo – Que desafios o México enfrenta para entrar no jogo?

Miller – O principal desafio que o México enfrenta é que há muitos países competindo para atrair investimentos para a indústria de semicondutores, incluindo alguns países que desenvolveram grandes ecossistemas eletrônicos e que estão mais focados em atrair investimentos que estão saindo ou irão sair da China.

O governo mexicano tem que ser mais estratégico na atração de empresas e tem que demonstrar que o país é o lugar certo para este tipo de indústria.

BBC News Mundo – É possível que o país consiga isso?

Miller – É possível que o México desempenhe um papel mais importante nas cadeias de abastecimento eletrônico, mas não sou especialista em política mexicana.

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