A Câmara dos Deputados rejeitou nesta semana, por uma margem de apenas 11 votos, uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que buscava alterar a composição e modificar regras no CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), órgão que fiscaliza a atividade dos procuradores e promotores no país.
A medida teve 297 votos a favor, 182 contra e quatro abstenções, mas o apoio ficou abaixo dos 308 necessários para a aprovação de uma PEC na Câmara. O resultado foi uma derrota para o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), que vinha se manifestando a favor das mudanças com a justificativa de que é preciso impor “um freio” a eventuais abusos de membros do órgão.
De acordo com UOL, o texto rejeitado propunha aumentar o número de membros do CNMP, que saltaria de 14 para 17 para acomodar mais dois indicados pelo Congresso e um pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Outra sugestão da PEC era permitir que os parlamentares escolhessem também o corregedor-geral do CNMP, a partir de uma lista quíntupla elaborada por membros da carreira.
As tentativas de mudança são rechaçadas pela ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) e por outras entidades de classe, que veem na PEC uma tentativa de aumentar o controle do Legislativo sobre o MP.
Após a derrota na votação na última quarta, a Câmara ainda pode analisar a versão original da PEC, já que o texto rejeitado era um substitutivo do deputado Paulo Magalhães (PSD-BA). Este substitutivo era ainda mais duro do que o original, apresentado em março pelo deputado Paulo Teixeira (PT-SP).
Segundo a proposta de Teixeira, que ainda pode ser votada, o CNMP permaneceria com 14 conselheiros, mas uma vaga hoje reservada ao MPDFT (Ministério Público do Distrito Federal e Territórios) passaria a ser de indicação do Congresso. Ainda não há data definida para uma nova análise do texto na Câmara.
Ao longo da tramitação, a proposta recebeu apelido “PEC da vingança”. Para promotores e procuradores a proposta é uma tentativa de retaliação ao Ministério Público, já que políticos são ou foram e são alvos de investigações, como a Lava Jato.
O controle do MP
O Conselho Nacional do Ministério Público foi criado durante uma reforma do Judiciário, em 2005, para fiscalizar as atividades administrativa e financeira do Ministério Público e fazer o controle disciplinar de procuradores e promotores.
Presidido pelo PGR (Procurador-geral da República), o colegiado se reúne duas vezes por mês para julgar processos disciplinares contra os membros do Ministério Público, e pode aplicar penas que vão desde a advertência até a demissão e a cassação da aposentadoria.
Na sessão mais recente, no último dia 18, o CNMP decidiu demitir o procurador Diogo Castor de Mattos, que contratou um outdoor em Curitiba para exaltar os membros da extinta Operação Lava Jato. Castor afirmou que vai recorrer da decisão, já que a comissão que investigou o caso havia recomendado apenas uma suspensão de 90 dias.
As eventuais punições são reguladas pela Lei Orgânica do Ministério Público, de 1993. A legislação prevê a pena mais pesada, a de demissão, para infrações como lesão aos cofres públicos, improbidade administrativa e “incontinência pública e escandalosa” que comprometa a dignidade do MP.
Penalidades mais leves, como a advertência e a censura, são reservadas para casos de negligência na atuação ou de descumprimento de deveres legais.
A pena de censura, que pode atrasar a progressão na carreira e conta como agravante na ficha dos condenados, foi aplicada no ano passado ao procurador Deltan Dallagnol, por ter feito mobilização no Twitter contra a eleição do senador Renan Calheiros (MDB-AL) à presidência da Casa, em 2019.
Aumento de membros
O CNMP conta atualmente com 14 conselheiros, dos quais oito são membros do Ministério Público. As outras seis vagas são distribuídas entre a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), que tem direito a duas cadeiras, e ao STF (Supremo Tribunal Federal), ao STJ (Superior Tribunal de Justiça), a Câmara e o Senado, com uma vaga cada.
A PEC rejeitada na última quarta previa aumentar o colegiado para ter 17 conselheiros, com três novas vagas de indicação de órgãos externos:
- Uma livre indicação da Câmara ou do Senado, alternadamente
- Uma indicação do STF, que precisa ser aprovada pela Câmara ou pelo Senado
- Um membro do MP estadual que tenha sido Procurador Geral de Justiça, para o cargo de corregedor. Este membro também seria indicação da Câmara ou do Senado
Apesar do revés, os membros do Ministério Público continuariam com a maioria das 17 cadeiras. Eles manteriam as 8 que já possuem e se somariam ao membro de MP estadual que, apesar de indicado pelo Congresso, precisa ser um nome da carreira.
A ideia, contudo, foi criticada por figuras públicas alinhadas à Lava Jato, como o ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, e o procurador aposentado Carlos Fernando dos Santos Lima, uma das lideranças da operação no Paraná.
Escolha do corregedor
Um dos maiores focos de ataque à PEC é uma proposta de mudança na escolha do Corregedor do Ministério Público, que é um dos 14 membros do CNMP. Atualmente, o corregedor é eleito pelo próprio plenário do CNMP.
A proposta dos deputados, no entanto, previa que o corregedor passasse a ser escolhido pela Câmara e pelo Senado, a partir de uma lista de cinco nomes elaborada pelos chefes das Procuradorias em todo o país. Segundo a ideia da PEC, cada região do país contaria com um nome na lista, mas a decisão caberia ao Congresso.
Entidades da categoria avaliam que a proposta deixaria submetido à política “um papel que deve ser técnico, jurídico e sensível”, e que o MP se tornaria o único órgão a ter a chefia da própria corregedoria definida por uma instituição externa.
“Com a mudança, predominará a lógica da pressão exercida por maiorias ocasionais sobre o papel constitucional do Ministério Público”, afirma em nota a ANPR.
Segundo a entidade, a alteração abriria portas para que a atuação de um procurador “gere um olhar persecutório por parte do Congresso Nacional, com ameaças não só ao Ministério Público, mas à democracia”.