Coordenadora da bancada feminina na Câmara dos Deputados, Celina Leão (PP-DF) divide com a primeira-dama Michelle Bolsonaro a fé evangélica. Com a última ex-esposa do presidente, Ana Cristina Valle, foi a relação patroa-empregada em seu gabinete no Congresso Nacional. Com Jair Bolsonaro (PL), de quem é apoiadora pública, a convicção de que, por trás de sucessivas declarações misóginas do mandatário, bate um coração afável ao sexo feminino. Candidata à vice-governadora do Distrito Federal na chapa do atual governador Ibaneis Rocha, líder nas pesquisas de intenção de votos, Celina se define como feminista, combatente de um Congresso machista e defensora da tese de que, apesar da enormidade de provocações do ex-capitão contra as mulheres, mais valem as leis que ele sancionou do que os impropérios que diz sobre o sexo oposto – seja a retórica sobre “esquerdistas”, “princesas” ou esposas de adversários políticos.
O trabalho a que se refere ela tem na ponta da língua: a sanção de 78 leis voltadas às mulheres ou que as tiveram como autoras ou relatoras. A mais recente, sancionada na última sexta-feira (9) instituiu o Agosto Lilás, mês de conscientização sobre a importância da proteção às mulheres.
A seguir os principais trechos da entrevista de Celina Leão a revista Veja.
Em que medida o mundo político é machista? O Congresso é machista e reflete a nossa sociedade. Muitas vezes o machismo é tão estruturante que não se percebe como machista. Se você entrevistar os homens do Congresso eles vão dizer que não são machistas. Machismo não tem ideologia, não tem cor, não tem raça. É uma constatação da nossa sociedade. Esse machismo estruturante temos refletido no Congresso, no Executivo, em todos os lugares de poder.
A senhora se define como feminista, um termo frequentemente atacado por apoiadores do presidente. A pauta feminista não é da esquerda, é de todas as mulheres, porque queremos isonomia no ambiente de trabalho, queremos respeito, não queremos sofrer assédio. Para ser feminista não precisa defender o aborto, por exemplo. São rótulos que criam para as mulheres, para os movimentos sociais, e isso atrapalha. Também não é preciso escolher entre ser feminista e de direita ou ser feminista e evangélica. Apenas que se defendam as mulheres. Não precisamos estar enquadrando as mulheres em caixinhas disso ou daquilo.
Ainda hoje políticos homens colocam mulheres como candidatas apenas para fazer média com o eleitorado? Em vários casos políticos colocam mulheres nas chapas só para destravar o fundo eleitoral. A grande surpresa de tudo isso foi que na eleição passada, quando cotas femininas já eram obrigatórias, nós dobramos o número de mulheres na Câmara. Eles convidaram essas mulheres achando que elas não tinham votos e elas ganharam. Hoje somos 79 mulheres na Câmara Federal.
Temos duas candidatas mulheres à Presidência da República, ambas com baixo percentual de intenção de votos. Mulher vota em mulher? Mulher vota em mulher, mas é um processo. No passado as mulheres eram tidas como doidas. Não somos doidas, somos perfeitamente normais e queremos ser ouvidas. A própria sociedade tem dado o recado a políticos misóginos: o de que eles vivem em uma sociedade com mais de 51% de mulheres, que essas mulheres têm expectativa, que elas têm um olhar muito diferente do homem.
É possível ser defensora das mulheres e apoiadora de Bolsonaro ao mesmo tempo? Para quem tem a oportunidade de trabalhar com o presidente, é muito mais importante o que ele faz pelas mulheres do que o que ele fala, as brincadeiras. Se o presidente não gostasse de mulher nós não teríamos esse número de leis sancionadas. A percepção que eu tenho do presidente é que ele muito mais fala sem perceber o que está falando do que realmente não gosta de mulheres. Até a forma que ele trata sua própria esposa, com carinho, com cuidado, com respeito.
Entre as recentes leis sancionadas, quais as que considera as mais importantes? Mudamos a lei para tirar do Código Penal Militar a regra que previa que crimes sexuais de militares contra mulheres militares ficariam na Justiça Militar, um ambiente de disciplina e hierarquia que poderia deixar a vítima muito vulnerável. Também modificamos a lei sobre laqueadura, que antes exigia que a mulher fosse maior de 25 anos, tivesse três filhos vivos, autorização do marido e ainda a impedia de fazer a cirurgia na hora no parto. Na prática, quando a mulher voltava para se submeter ao procedimento, não tinha vaga na rede pública e ela ficava grávida de novo. Agora é a partir dos 21 anos, com dois filhos vivos, pode fazer na hora no parto e sem anuência do marido. A mulher não tem que dar autorização para o homem fazer vasectomia. O homem também não tem que dar autorização para a mulher fazer laqueadura.
A senhora diz que políticos muitas vezes atacam as mulheres sem perceber. Temos uma lei agora que obriga que haja uma semana de combate à violência contra a mulher nas escolas para a formação de alunos. Veremos filhos e filhas educando pais e avós porque eles começarão a aprender desde criança que os direitos são iguais, que ele não pode bater ou desrespeitar mulher. O efeito prático é que vamos ter uma sociedade que respeita a mulher, vamos diminuir o número de feminicidas, o número de órfãos do feminicídio.
O que achou da postura do presidente Bolsonaro de puxar um coro de que é “imbrochável” no feriado de Sete de Setembro? Acho que o presidente é espontâneo e às vezes brinca até para suavizar o peso da política. Muitas vezes ele é mal compreendido nessas situações.