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domingo 16 de fevereiro de 2025 às 07:25h

Como a fronteira entre Venezuela e Brasil virou rota do narcotráfico

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De difícil acesso e com desafios de fiscalização, região atrai organizações criminosas que escoam drogas para o Brasil e Europa.A Venezuela e o Brasil compartilham uma fronteira porosa no meio da floresta amazônica. Na última terça-feira (11), a vulnerabilidade da região ao narcotráfico ficou em evidência após a Força Aérea Brasileira (FAB) derrubar um avião venezuelano de pequeno porte carregado de drogas próximo a Manaus.

Segundo o órgão, o avião entrou clandestinamente no espaço aéreo do país pela fronteira venezuelana e desobedeceu às ordens de pouso. A derrubada é permitida pela Lei do Abate, que regulamenta a eliminação de aeronaves que invadem o espaço aéreo brasileiro sem permissão, após esgotados os meios coercitivos de persuasão. Dois traficantes foram encontrados mortos no local da queda e entorpecentes foram apreendidos.

“Essa medida é utilizada como último recurso, após a aeronave interceptada descumprir todos os procedimentos estabelecidos e forçar a continuidade do voo ilícito”, disse a FAB, em nota.

“As Forças Armadas fizeram o que tinham que fazer dentro do código legal brasileiro, porque, neste caso, era um avião que transportava drogas, mas também poderia representar um ataque terrorista ou ser um grupo exportando armas”, avalia Marcos Alan Ferreira, professor associado do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em entrevista à DW.

Embora incomum, o evento revela o peso da fronteira entre Venezuela e Brasil na rota do tráfico internacional de drogas. “A Venezuela é um dos principais pontos de trânsito da cocaína colombiana para o Caribe, o Brasil e outros países”, explica Jeremy McDermott, cofundador e codiretor da InSight Crime, um centro de estudos especializado em crime organizado na América Latina e no Caribe, sediado na Colômbia.

“E o Brasil é, atualmente, um dos principais pontos de saída da cocaína para a Europa”, acrescenta o especialista.

Amazônia se torna rota do tráfico

Como a DW mostrou, o espaço aéreo e também os rios da região amazônica se converteram em importantes rotas de contrabando para os portos do Atlântico, o que tem implicações para a proteção da floresta.

O Relatório Mundial sobre Drogas da ONU de 2023 dedica um capítulo inteiro à relação entre a crescente presença do crime organizado e a destruição da Amazônia. A tese é que o transporte da droga catalisa a destruição da floresta.

O documento produzido pela mesma organização no ano seguinte volta a ressaltar o problema. “Drogas ilícitas, crimes convergentes, deslocamento populacional e conflitos estão acelerando a devastação ambiental e degradando os direitos humanos, em especial de grupos vulneráveis em partes da Bacia Amazônica”, diz o texto.

Um relatório publicado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública em outubro de 2023 mostra a dimensão deste problema. Segundo o documento, a interiorização da criminalidade permite a reprodução de atividades ilícitas que já acontece nos grandes centros. O narcotráfico acaba sendo alimentado também pelo garimpo, a mineração ilegal e a grilagem de terras. “Como consequência, o aumento das atividades ilegais se relaciona com o aumento da criminalidade violenta”, diz o texto.

Dados da Polícia Federal indicados no relatório mostram que, em 2022, enquanto o somatório nacional de maconha apreendida foi quase seis vezes superior ao de cocaína, na Amazônia Legal essa lógica se inverte. Foram 25 mil quilos de cocaína apreendida, quase três vezes mais que a quantidade de maconha.

“Para além de se pensar a região amazônica como uma região de passagem, onde as drogas ilícitas são atravessadas com destinos internacionais ou a outros estados brasileiros, os entrevistados relatam elevado consumo de drogas ilícitas em municípios da região amazônica”, diz o relatório.

O papel da Venezuela

Para a coordenadora do Centro de Estudos sobre Crime Organizado Transnacional da Universidade Nacional de La Plata, na Argentina, Carolina Sampó, o tráfico se beneficia do difício acesso em área de selva e o controle estatal limitado na região.

“Venezuela e Brasil fazem fronteira com os únicos produtores mundiais de folha de coca – matéria-prima da cocaína –, que são Colômbia, Peru e Bolívia”, detalha a pesquisadora.

Segundo ela, os narcotraficantes baseiam suas rotas mais no risco do que no custo econômico. “Em muitos casos, escolhem rotas mais longas ou caras, mas mais seguras. Isso pode explicar por que a cocaína produzida na Colômbia passa pela Venezuela e, de lá, segue para o Brasil, formando um tipo de triângulo”, diz Sampó.

“E, se somarmos a isso o fato de que, do lado venezuelano, há um regime não democrático, com sérias acusações contra as mais altas esferas do poder por suposto envolvimento no narcotráfico, torna-se mais fácil para as organizações criminosas moverem grande parte de sua produção através da Venezuela e, de lá, enviá-la aos mercados consumidores”, defende Sampó.

A relevância do rio Amazonas

“A fronteira entre Venezuela e Brasil é uma das mais importantes dentro da geopolítica do narcotráfico na Amazônia”, afirma Alan Ferreira, da UFPB, que realiza pesquisas de campo na região.

“Do lado brasileiro, opera o Primeiro Comando da Capital (PCC), do lado venezuelano, o Tren de Aragua, uma organização criminosa que tem ganhado muita influência”, explica.

“Esses grupos criminosos têm uma espécie de acordo entre si e se aproveitam do fato de que a área é uma área de proteção indígena Yanomami, com menor presença policial, para transportar drogas por ali”, acrescenta.

Com isso, a rota ganha uma importância dupla. Se por um lado a droga que entra é consumida no Brasil – o segundo maior mercado consumidor de cocaína do mundo – por outro, os traficantes se valem do rio Amazonas para levar os entorpecentes à Europa.

Achados da Polícia Federal apresentados no relatório do Ministério da Justiça e Segurança Pública corroboram o papel dos rios amazônicos, usados para escoar a droga.

As organizações criminosas agem de acordo com a sazonalidade das chuvas da região, diz o texto, de modo que o volume de água dos rios impacta na forma de se navegar por essas vias. “Com os rios ‘mais cheios’ formam-se labirintos, dificultando o trabalho de fiscalização e de repressão das forças policiais”, pontua o documento.

Como combater o narcotráfico transnacional?

“Nenhum país pode enfrentar esse problema sozinho: a cooperação internacional é essencial”, defende Ferreira.

Países signatários da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica, como Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela, organizam a implementação de um Centro de Cooperação Policial Internacional da Amazônia, com sede em Manaus. A estrutura estava prevista para ser inaugurada em 2024, mas foi adiada para 2025.

Ao menos entre Brasil e Venezuela, porém, essa cooperação pode estar pressionada, devido aos recentes atritos entre os países em meio à contestada eleição de Nicolás Maduro.

Para a doutora em Ciências Políticas Penais e Política Criminal mexicana, Yuriria Rodríguez Castro, da Universidade Nacional Autônoma do México, a agenda da América do Norte e da América Central, com a questão das designações de cartéis transnacionais como organizações terroristas, vai demandar uma reavaliação da situação no sul do continente.

“Podemos esperar um deslocamento geográfico e o surgimento de novos pontos críticos na América do Sul”, avalia.

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