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quarta-feira 22 de maio de 2019 às 10:45h

Como a convocação de ato pró-governo rachou a direita

DESTAQUE, POLÍTICA


Nesta semana, a deputada Janaína Paschoal (PSL) foi xingada de “traidora” pelos mesmos militantes que estiveram ao seu lado defendendo o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff em 2016 – que resultou de um pedido coassinado por ela. Membros do Movimento Brasil Livre (MBL) foram chamados de “vendidos” e “comunistas” pelos mesmos bolsonaristas que antes compartilhavam os posts do grupo no Facebook. Comediante identificado com a direita, Danilo Gentili diz que está sendo perseguido por pessoas que até ontem defendiam seu direito à liberdade de expressão.

O motivo da discórdia são as manifestações pró-Bolsonaro marcadas em diversas cidades para o dia 26 de maio – e que setores da direita, como os nomes os citados acima, decidiram não apoiar.

Chamadas para os atos pró-governo dominaram grupos de WhatsApp simpatizantes do presidente Jair Bolsonaro nos últimos dias. Elas ganharam corpo depois que os protestos contra os cortes na educação levaram milhares de pessoas às ruas contra o governo, no dia 15. E aumentaram ainda mais após a carta compartilhada pelo presidente com críticas ao sistema de organização política do país e a afirmação de que o Brasil está “ingovernável fora dos conchavos”.

Nas primeiras convocações, eram apresentadas bandeiras pedindo o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF).

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As manifestações marcadas para domingo, no entanto, levaram políticos e militantes a favor e contra os atos a trocar críticas publicamente.

Teve até briga no PSL, o partido de Bolsonaro: a deputada Carla Zambelli criticou publicamente a colega Joice Hasselmann por não fazer convocações na internet. Joice contra-atacou acusando Zambelli de nepotismo.

Dos 54 deputados do PSL, pelo menos 19 fizeram convocações em suas redes sociais. Entre eles, os deputados Major Olímpio e Coronel Tadeu, ambos de São Paulo. “Precisamos apoiar e demonstrar a força do nosso presidente. É nas ruas, é já”, disse Major Olímpio em uma convocação nas redes sociais.

Depois do racha, os organizadores tentaram abrandar a pauta, ressaltando temas como apoio à Reforma da Previdência e ao pacote anticrime do ministro da Justiça, Sergio Moro.

Bolsonaro, que havia cogitado comparecer, anunciou que não comparecerá.

A deputada Carla Zambelli tem defendido as manifestações no domingo
© Agência Câmara A deputada Carla Zambelli tem defendido as manifestações no domingo
Os filhos do presidente elogiaram o evento nas redes sociais. “Nada mais democrático do que uma manifestação ordeira que cobra dos representantes a mesma postura de seus representados”, disse o deputado Eduardo Bolsonaro (SP-PSL).

Mas afinal o que fez parte da base de apoio ao presidente se descolar das manifestações?

Pauta autoritária e ‘tiro no pé’

Os organizadores das manifestações – formados, segundo a Folha de S.Paulo, por grupos como Nas Ruas, Ativistas Independentes, Direita São Paulo e Patriotas Lobo Brasil – dizem que Bolsonaro estaria sendo vítima de uma conspiração que visa enfraquecê-lo. Mas os governistas que são contra os atos têm apontado para duas razões justificando sua posição.

A primeira é o tom de hostilidade ao Congresso, que seria equivocado em um momento em que o governo sofre um desgaste com o Legislativo. É a visão de líderes do PSL como o presidente do partido, Luciano Bivar, e Joice Hasselmann, líder do governo no Congresso.

Joice considera as manifestações “um tiro no pé”, segundo a Folha de S. Paulo, e Luciano Bivar disse na terça que “os atos não têm sentido”.

Segundo analistas políticos, não é infundado o receio de que isso azede ainda mais a relação com o Legislativo e trave a pauta, dificultando a aprovação de projetos prioritários para o governo, como a Reforma da Previdência.

E uma relação ruim entre governo e Congresso poderia trazer consequências indesejadas segundo Rafael Cortez, cientista político e sócio da Tendências Consultoria. “É fonte de incerteza e instabilidade política e a percepção de risco se eleva. Isso contribui para uma visão pessimista das previsões, queda do investimento e mais um ano de decepção para a economia brasileira, que já vive um panorama instável.”

A segunda visão é a percepção de que a pauta é “majoritariamente autoritária”.

“Movimento liberal não compactua nem com fechamento de Congresso, nem com fechamento de STF (Supremo Tribunal Federal)”, disse à BBC News Brasil Kim Kataguiri, um dos líderes do MBL – movimento que já defendeu a ocupação do Congresso Nacional durante o governo petista e fez atos contra exposições.

“Você pode e deve criticar atitudes de membros dessas instituições, mas nunca demonizá-las. Presidente que se diz conservador não pode atropelar instituição democrática”, disse Kataguiri.

O MBL acabou se tornando um dos principais alvos de grupos que organizam e convocam atos de rua para domingo. Foram xingados de vendidos, traidores, acusados de compactuar com o chamado “centrão” e até chamados de “comunistas”.

“(São) radicais mostrando o quanto estão cegos pelo adesismo. Como todo radicalismo, satura e passa. Conversamos com os sensatos e ignoramos os alucinados”, diz Kataguiri sobre as críticas.

Um dos grupos que apoiam a manifestação fez transmissão ao vivo da desinscrição de pessoas da página do MBL

A deputada Janaína Paschoal, acusada de “traidora” por bolsonaristas mais fervorosos, chegou a fazer um apelo pedindo que os organizadores “raciocinem”.

“Pelo amor de Deus, parem as convocações! Essas pessoas precisam de um choque de realidade. Não tem sentido quem está com o poder convocar manifestações! Raciocinem!”, disse ela no Twitter.

“O presidente foi eleito para governar nas regras democráticas, nos termos da Constituição Federal. Propositalmente, ele (Bolsonaro) está confundindo discussões democráticas com toma-lá-dá-cá”, disse ela, que também fez críticas, em entrevista à BBC News Brasil, à carta compartilhada pelo presidente.

Agenda positiva

Além do apoio incondicional ao presidente Jair Bolsonaro, a pauta das manifestações é difusa.

No início da semana, várias mensagens dos grupos de WhatsApp falavam no fechamento do STF, com postagens no Twitter sendo acompanhadas pela hashtag #vamosinvadirocongresso.

Os principais articuladores dos atos, entretanto, já não falam mais na defesa explícita de fechamento das instituições. E, depois das críticas dentro da própria direita, as reivindicações passaram a focar no apoio às principais agendas do governo.

Whatsapp do projeto “Eleições Sem Fake”, coordenado por Fabrício Benevenuto, da UFMG

“O fato de terem conseguido subir uma hashtag no Twitter não significa que o que está lá é a pauta. Não tem esse objetivo de invadir (o Congresso) e a crítica à atuação do STF em algumas pautas não é um ataque à instituição”, disse a deputada Carla Zambelli à BBC News Brasil.

“Não tem tentativa de golpe, as críticas são legítimas. E quem está falando de invadir não representa a maioria”, disse ela.

Zambelli afirma que o objetivo principal dos protestos é apoiar três medidas. “O pacote anticrime (do ministro Sérgio Moro), a aprovação da MP 870 (de reforma da administração) e a nova Previdência.”

Uma das principais defensoras da ida às ruas no domingo, a deputada reconhece que uma eventual hostilidade ao Legislativo pode ampliar a crise do governo com o Congresso.

“Se existe essa possibilidade de acirramento, eu prefiro estar presente e ser um agente responsável para que isso não aconteça”, afirma.

“Não precisa jogar o Executivo contra o centrão, muito pelo contrário. Uma manifestação dessa vem a ser inclusive um motivo de legitimar o deputado que pensa como as ruas a votar junto com o governo independente da articulação de um ou outro cacique.”

O governo optou por não endossar diretamente aos atos com a presença de figuras chave do Planalto.

O comparecimento do presidente havia sido cogitado, mas Bolsonaro disse a aliados na terça (21), que não deve participar das manifestações. A orientação foi para que os ministros também não participem.

Para analistas políticos, a presença do presidente no ato poderia ser um grande complicador para o governo.

“É um desgaste que o governo não precisaria passar. Há gente falando em coisas como fechamento de Congresso, fechamento do STF; se o presidente endossa isso ou participa disso é um crime de responsabilidade”, afirma Leandro Consentino, cientista político do Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa).

Para Kim Kataguiri, do MBL, “o presidente [precisa] parar de atacar o Parlamento e dar ordem expressa para que nenhum ataque parta da Esplanada (dos Ministérios) ou de seus filhos. Depois, organizar o próprio partido em prol da Previdência.”

Termômetro

Para observadores, a eventual resposta nas ruas à convocação pode ser vista como um termômetro da capacidade de mobilização do bolsonarismo e do funcionamento de suas estratégias de engajamento pós-eleição.

“Vai ser um termômetro da capacidade do governo de mobilizar apoio pra sua agenda, já que a vitória eleitoral não define necessariamente apoio para as políticas que ele quer mobilizar”, diz Rafael Cortez. “Foi antes de tudo resultado de oposição ao mainstream político, não necessariamente apoio a um conjunto definido de agenda.”

Para Leandro Consentino, a própria existência de atos tanto contra quanto a favor depois de apenas cinco meses de governo já é bastante significativa.

“Manifestação a favor do governo já algo incomum em qualquer período de tempo. Nesse caso é bem evidente que ela ganha corpo como uma reação às manifestações pela educação e essa dualidade, essa tensão nas ruas é inesperada em um início de governo. Bolsonaro ganhou com vantagem e esperava-se que fosse iniciar um ciclo novo de estabilidade.”

Segundo o cientista político, a postura de enfrentamento do presidente em relação ao Congresso e as manifestações pela educação (ele chamou os manifestantes de “idiotas úteis”) mostra que ele ainda está em clima de campanha.

“Essa estratégia de continuar a negar a política, negar o Legislativo, não descer desse palanque, continuar nesse ritmo de campanha, não ajuda trazer uma normalidade democrática.”

Para analistas, a ideia dos apoiadores – de chamar as manifestações foi uma tentativa de demonstrar força perante as manifestações da semana passada – pode acabar rebaixando mais o capital político do governo.

“Com tão pouco tempo de governo é muito melhor passar a ideia de que ele está carregando a legitimidade dos votos que teve na urna do que chamar um ato de apoio. Porque mesmo que o comparecimento não seja pequeno, certamente já é um esvaziamento em relação ao apoio que ele teve para ser eleito”, diz Consentino.

“Eventualmente uma mobilização pouco representativa vai expressar esse processo contínuo de isolamento político do governo que já vem perdendo capital político”, afirma.

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