A Comissão de Direitos Humanos e Segurança Pública da Assembleia Legislativa da Bahia (AL-BA) moveu nesta última quinta-feira (16), nas salas Herculano Menezes e Luís Cabral, a audiência pública “Titulação do Território Quilombola de Quingoma”, uma comunidade que já está certificada desde 2013 pela Fundação Cultural Palmares. “Quingoma resiste desde 1569. É uma comunidade de quase 600 famílias que ocupam, de forma harmoniosa, um território de 1.225 hectares com uma enorme área de mata atlântica, com certificação inédita de território iorubá fora da África, entregue pelo próprio Rei da Nigéria, Adéyeye Énitan”, declarou o deputado Hilton Coelho (Psol), proponente da sessão.
O parlamentar, que cobra das autoridades a efetivação da regularização fundiária, denunciou que a comunidade vem sofrendo sucessivos ataques, citando a violência institucional através da construção da Via Metropolitana e do Hospital Metropolitano, dentro da área pertencente ao quilombo, bem como as ações de grandes empreiteiras e a especulação imobiliária. O legislador afirmou que as invasões vêm ocorrendo de forma mais intensa nos últimos anos, destacando como exemplos a implementação do Loteamento Joanes Parque, a instalação de galpões e até postos de gasolina na região.
Uma das brechas para essas violações, de acordo com o deputado, é a controversa inclusão do território do Quingoma como área industrial nas leis do ordenamento do solo de Lauro de Freitas, “incentivando a devastação da mata para urbanização de um novo bairro no município”. Ele também lembrou que, há cinco anos, o Estado fez uma proposta de demarcação, reduzindo o perímetro do território para 288 hectares, que não foi aceita pela comunidade quilombola.
Mariana Fernandes, doutora em Antropologia pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, fez uma apresentação do Relatório de Certificação do Território Quilombola Quingoma, iniciado em 2016. Regularização Fundiária, Relatório Antropológico, Cadastramento das Famílias, Fluxo Migratório, Expropriação Territorial, Representação Legal e diversos outros temas foram abordados no documento, que foi aprovado em maio de 2017 pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Sempre com base no relatório produzido pela equipe, Mariana falou sobre as denúncias de invasão, grilagem de terra, conflitos e violências sofridas pelos moradores, mas fez questão de elogiar a resistência da população. “Quilombo Quingoma é partilha e acolhimento”, garantiu a antropóloga.
O pronunciamento seguinte foi do procurador do Ministério Público Federal, Ramiro Rockenbach, bastante aplaudido ao afiançar que não havia necessidade de mais nenhum condomínio fechado, nem de derrubar árvores, pois a Bahia e Lauro de Freitas têm no Quingoma a oportunidade de fazer diferente. “O Incra recebeu um pedido conjunto nosso, de diversos órgãos federais, lembrando que não existe nenhuma decisão judicial impedindo que se prossiga na regularização fundiária do Quingoma. Precisamos da participação do Estado da Bahia nessa força tarefa para avançar e achar soluções concretas que assegurem de vez o território àquela comunidade”, salientou o procurador.
Assessor especial da Secretaria Estadual da Justiça e Direitos Humanos, o ex-deputado federal Luiz Alberto confirmou que a Bahia integra uma Força Tarefa, composta pelo Incra, Secretaria de Desenvolvimento Agrário (SDA) e Secretaria da Promoção da Igualdade (Sepromi), para acelerar o processo de titulação dessas comunidades. “Elegemos prioridades máximas nessa área. Primeiro é o Quilombo Pitanga de Palmares, onde ocorreu a tragédia com Mãe Bernadete. Ato contínuo, entraremos com toda a força no Quingoma para titular as terras, seguindo pela Jibóia, no município de Antônio Gonçalves e, por fim, no Rio dos Macacos, em Simões Filho”, anunciou o assessor.
A prefeita de Lauro de Freitas, Moema Gramacho, ressaltou que sua administração sempre alertou a comunidade para se organizar em defesa do território, destacando ser favorável à titulação das terras. A gestora parabenizou o deputado Hilton Coelho pela iniciativa, mas contestou algumas informações, em especial quanto à presença das lideranças do Quingoma em negociações com o Governo do Estado na Casa Civil. Moema leu alguns tópicos de uma decisão judicial, em ação civil do Ministério Público Federal, e defendeu a conclusão do Relatório Técnico de Identidade e Delimitação. “Já pedi ao ministro do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura Familiar (MDA), Paulo Teixeira, para que ele determine ao Incra fazer um novo estudo do RTID”, encerrou a prefeita.
Ancestrais
“É muito fácil dizer que a gente não aceitou a proposta de 288 hectares, que vai dar título de posse a cada um e depois desapropriar. Queremos o que é nosso por direito constitucional”. Foi assim, de maneira direta, que a maior liderança do Quingoma, Mãe Donana, discursou para as autoridades presentes. Ela pontuou sobre o mau cheiro do lixão no local, a derrubada de árvores centenárias, o aterramento de lagos, rios e nascentes. Emocionada, pediu a suspensão do Joanes Parque. “É um desrespeito muito grande com nossos ancestrais. Parem de perturbar nosso quilombo, não me importo de morrer lutando pela nossa comunidade”, reafirmou. Rejane Rodrigues, outra forte liderança, relatou que “sofre ameaças constantes e que sua casa está gradeada, com câmeras em todos os lugares, um verdadeiro big brother”.
Participaram da audiência Gabriela Menezes, presidente da Associação do Quilombo Quingoma; a deputada Olívia Santana (PC do B), Welton Luiz, do Inema; Alexandro Reis, da Sepromi; Elisângela Alves, da OAB; Lívia Almeida, da Defensoria Pública do Estado; Sirlene Assis, ex-ouvidora da DPE; major Sidney Reis e Mônica Barroso, da SSP; e Gabriel Cesar, da Defensoria Pública da União. No final, o deputado Hilton Coelho comunicou que a Comissão de Direitos Humanos da ALBA vai acompanhar o trabalho da força tarefa e cobrar as demandas que surgiram na reunião, principalmente sobre pagamento de pedágio, desmatamento no quilombo, sumiço do cadastro das famílias e a imediata paralisação das obras no Loteamento Joanes Parque.