Todos os dias pela manhã, o aposentado André Barbosa, de 59 anos, passa pela padaria do bairro onde mora, em Piracicaba (São Paulo), para buscar alguns pães.
O pagamento é sempre feito em dinheiro físico.
“Uso notas de papel e até mesmo moedas nas pequenas compras do dia a dia. Geralmente levo o dinheiro trocado. A proprietária da padaria, por exemplo, prefere receber assim”, explica.
André não é o único, conforme reportagem de Isabella Carvalho, do Inteligência Financeira.
Uma pesquisa feita no ano passado pelo Instituto Locomotiva junto com o Banco24Horas apontou que mais de 60% dos entrevistados ainda usam dinheiro físico em seus pagamentos. A concentração é maior entre as classes D e E.
“Sabemos que existe hoje bastante tecnologia, mas até meados de 2019, grande parte da população era desbancarizada. São pessoas que não têm acesso a contas bancárias e às tecnologias oferecidas pelas instituições financeiras”, ressalta Eric Magnin Chammas, diretor de operações da fintech Kryptools.
De acordo com o estudo do Locomotiva, entre aqueles que usam dinheiro em papel, 20% afirmaram frequentar estabelecimentos que só aceitam o dinheiro físico, enquanto 16% são guiados pelo costume e 15% usam o dinheiro em papel para pedir descontos. Segurança (11%) e controle dos gastos (9%) também foram citados no levantamento.
Os dois lados da pandemia
Durante a pandemia, o papel moeda acabou ganhando espaço aqui no Brasil.
Em pouco mais de um ano, o volume de cédulas e moedas em circulação na economia brasileira cresceu 31,4%, passando de R$ 259,340 bilhões em fevereiro de 2020 para R$ 340,879 bilhões em abril de 2021.
“O número de notas físicas acabou crescendo por conta dos saques emergenciais, mas o volume de bancarizados cresceu. Como as pessoas não podiam sair, passaram a usar serviços digitais”, ressalta Eric. Ou seja, por mais que o uso do dinheiro físico tenha aumentado, por conta de um evento atípico, o acesso a serviços financeiros também evoluiu.
De acordo com o Banco Central, o país somou 182,2 milhões de brasileiros bancarizados em dezembro de 2021, um aumento de 10,3% em comparação com fevereiro de 2020.
Mais de 16 milhões de pessoas se tornaram clientes de instituições financeiras.
PIX também impulsionou o processo
Não foi só a pandemia que teve um papel decisivo no uso de serviços financeiros digitais.
A chegada do Pix , sistema de pagamentos instantâneos do Banco Central, ajudou a reduzir o papel moeda em circulação no Brasil.
O volume de dinheiro em circulação encerrou 2021 em R$ 339,01 bilhões, uma queda de 8,5% em relação a 2020, segundo dados do Banco Central. Esta foi a primeira diminuição desde o início do Plano Real, em 1994.
“Isso é fruto de um amadurecimento da tecnologia e das facilidades dos pagamentos digitais. Especialmente no Brasil, o dinheiro físico tem sido menos usado por conta do PIX, um meio de pagamento muito ágil, prático e sem taxas”, explica Marcos Botelho, especialista em Tecnologia da Informação e diretor da PIRA Digitals, marketplace de ativos digitais.
O dinheiro físico pelo mundo
A migração para o digital tem acontecido em diversos países.
Em Londres, por exemplo, grande parte dos estabelecimentos não aceita pagamento em espécie ou dificulta o uso das cédulas.
A compra de ingressos para a roda gigante London Eye, um dos pontos turísticos mais conhecidos da cidade, é feita por um QR Code que direciona os clientes para um site.
Muitos restaurantes, hotéis, metrôs e até supermercados também passaram a adotar o pagamento digital, com avisos na porta.
Países como Suécia, Finlândia, China, Estados Unidos e Austrália também compõem a lista de locais que caminham para um sistema “cashless”.
No Brasil, o que muda com o real digital?
Por aqui, o real digital pode acelerar ainda mais essa migração. “O brasileiro, que já está bem adaptado ao Pix, terá mais um meio de pagamento, dessa vez lastreado na blockchain e dentro desse universo cripto. Isso permitirá o pagamento sem fronteiras, ligando o nosso real a outras moedas digitais do mundo todo”, ressalta Marcos.
A nova tecnologia também vem para trazer mais segurança para o sistema financeiro.
“O real digital vai facilitar transações e atuar muito na questão de lavagem de dinheiro e fraudes. Acredito que essas moedas digitais são o futuro”, ressalta Eric, da Kryptools.
O papel moeda está com os dias contados?
Na visão de Eric, o real digital vem para complementar a moeda física, que não deve ser extinta tão cedo.
Acredito que o dinheiro em espécie pode acabar em alguns anos, mas isso não é algo tão simples e rápido de acontecer. É um processo gradual. O dinheiro físico e o digital ainda serão complementares”.