domingo 9 de março de 2025
Lançamento do Plano Safra 2024/2025. Ministro da Fazenda, Fernando Haddad — Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo
Home / DESTAQUE / Com nomeação de Gleisi, Lula cria novos constrangimentos para Haddad
domingo 9 de março de 2025 às 10:52h

Com nomeação de Gleisi, Lula cria novos constrangimentos para Haddad

DESTAQUE, NOTÍCIAS, POLÍTICA


Se alguém quiser saber como será a relação do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com a nova ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, pode ter uma ideia ao rever o embate que travaram em dezembro de 2023, lembra Márcio Juliboni, na Veja. Conforme reportagem da revista, durante um evento em que o PT discutiu estratégias para as eleições municipais do ano seguinte. Em um painel sobre a política econômica deste terceiro mandato do presidente Lula da Silva (PT), Gleisi, então presidente da legenda, e Haddad divergiram sobre pontos cruciais, a começar pelo ajuste fiscal. Fiel ao desdém petista pelo equilíbrio das contas públicas, Gleisi defendeu a ampliação dos gastos para estimular a economia e fortalecer o prestígio de Lula nas urnas. “Não acredito que um déficit a mais, no ano que vem, faça diferença”, pregou ela para a plateia de convertidos. “Por mim, faria um déficit de 1% ou 2% (do PIB).” Acostumado com o pesado fogo amigo dos companheiros, Haddad não se abalou. Lembrou que, nos dez anos anteriores, o Brasil acumulara um rombo de 1,7 trilhão de reais sem que houvesse um salto de prosperidade. “Fazer déficit não resolve tudo. Não tem bala de prata”, disse ele. Quem teria se saído vencedor nesse debate entre populismo e racionalidade? A resolução do Diretório Nacional do PT aprovada naquele encontro deixa claro quem levou a melhor. O texto clamava que “o Brasil precisa se libertar, urgentemente, do austericídio fiscal”.

Após a forte repercussão negativa da expressão fora das hostes petistas, Gleisi recorreu a malabarismos verbais para convencer a opinião pública de que não estava criticando Haddad. É óbvio que ninguém acreditou. Por essas e outras, houve forte reação ao anúncio da nomeação da presidente do PT para a Secretaria de Relações Institucionais. Para o mercado, a escolha de Lula é o aceno final ao populismo econômico daqui em diante, algo capaz de isolar ainda mais Haddad na defesa do equilíbrio fiscal — o que pode se tornar um tiro no pé do próprio governo, fora o prejuízo ao Brasil. “Ela soma mais uma voz contra um ministro da Fazenda já frágil”, afirma Sérgio Vale, economista-­chefe da consultoria MB Associados.

IMPACTO – Gleisi: escolha gerou reação do mercado, com alta do dólar e queda na  – bolsaFoto: Mateus Bonomi/AGIF/AGIF via AFP

A situação de Haddad já vinha se tornando delicada antes disso, com um número cada vez maior de vozes de aliados do governo creditando a ele a queda de popularidade de Lula. Críticas nos bastidores passaram a ser vocalizadas em entrevistas e ganharam a dimensão de atos concretos. No fim do ano passado, por exemplo, seis deputados federais do PT votaram contra o pacote fiscal, e outros três se abstiveram. Isso significa que 13% dos 68 parlamentares petistas deixaram o ministro na mão. Um deles, Rui Falcão, ex-presidente da legenda, afirmou na ocasião que não era vassalo do governo. “A crença de que o gasto público impulsiona a economia está no DNA do PT”, diz Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda e colunista da revista Veja.

Tal credo alimenta a fritura de Haddad também no coração do governo. O chefe da Casa Civil, Rui Costa, é apontado como um de seus maiores antagonistas no Palácio do Planalto. Além de pressionar a Fazenda a abrir os cofres públicos, Costa ainda nutre planos de ser o candidato à Presidência em 2026, caso Lula não concorra. Isso o coloca em rota de colisão com Haddad, visto por muitos como o nome natural do PT nessa situação. Haddad afirmou publicamente que não concorrerá a nada no ano que vem, mas Costa não parece disposto a retirá-lo da frigideira. Outros integrantes do primeiro escalão também não perdem uma chance de cutucar o colega, como Alexandre Silveira, ministro de Minas e Energia e um dos patronos do programa Gás Para Todos, que deve substituir o atual Auxílio Gás e ampliar seu alcance de 5,6 milhões para 20 milhões de famílias ao custo de 3,4 bilhões de reais. Para dobrar as resistências da Fazenda, Silveira escorou-se no Planalto. “O Brasil tem quem decide, e o nome dele é Lula”, afirmou Silveira em entrevista às Páginas Amarelas de VEJA em agosto passado. “Dizer que o ministro da Fazenda é quem decide a política econômica é errado.”

arte eco Haddad

É verdade que todo governo enfrenta divergências internas, mas o trabalho de Haddad seria mais fácil se Lula pusesse fim às intrigas palacianas e o apoiasse de forma efetiva — e não apenas com palavras. Mas, à medida que sua popularidade declina e as eleições de 2026 se aproximam, o presidente parece dar mais ouvidos aos críticos do ministro. “Haddad enfrenta muito mais oposição dentro do governo do que fora”, diz o cientista político Murillo de Aragão, colunista de VEJA. “Ele está lutando sozinho.”

A aposta lulista no populismo econômico é visível — tão visível que tentativas de pedaladas fiscais para elevar os gastos por fora do Orçamento foram brecadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU). É o caso do Gás Para Todos, cujo plano era transferir recursos gerados pela exploração do pré-sal diretamente para a Caixa Econômica Federal com o objetivo de cumprir a promessa de Lula beneficiar 20 milhões de famílias. Com a manobra, apenas 600 milhões de reais dos 3,4 bilhões necessários para bancar o programa estão previstos no Orçamento deste ano. Outro exemplo é o Pé-de-Meia, que oferece auxílio financeiro a estudantes carentes do ensino médio e é sustentado por fundos administrados pelo Ministério da Educação. Em janeiro, o TCU chegou a bloquear o repasse de 6 bilhões de reais para o projeto por não constarem na proposta orçamentária de 2025. Tanto no caso do Gás Para Todos como no do Pé-de-Meia, o tribunal ordenou que o governo encontre um jeito de encaixar os programas no Orçamento a ser votado pelo Congresso agora, após a volta do Carnaval.

MANOBRA - Programa Gás Para Todos: TCU impediu tentativa de pedalada fiscal
MANOBRA - Programa Gás Para Todos: TCU impediu tentativa de pedalada fiscal (//Divulgação)

Os sinais de que o governo não vai poupar nada de olho em 2026 foram reforçados por medidas como a liberação do resgate do saldo do FGTS por quem optou pelo saque-aniversário, que deve injetar 12 bilhões de reais na economia, e as novas regras para o crédito consignado privado. “Lula negligencia a economia, de olho na eleição”, diz Gabriel Barros, economista-chefe da gestora ARX. “Claramente, ele busca atalhos para manter uma sensação artificial de bem-estar da população.”

Em qualquer país, estimular a economia em tempos de crise é louvável, mas esse não é o caso do Brasil. Diversos indicadores mostram uma atividade aquecida. O desemprego está no menor patamar da história, favorecendo ganhos salariais reais. Segundo o Dieese, 85% das categorias obtiveram reajustes acima da inflação no ano passado. Trata-se da maior proporção desde 2018, quando a série começou. O nível de utilização da capacidade instalada na indústria mantém-se acima de 80% e não há acúmulo anormal de estoques. Nesse cenário, incentivar ainda o consumo, sem estimular os investimentos produtivos, apenas alimenta o pior pesadelo de Lula: a inflação, grande responsável pela queda de sua popularidade. “Muitos palpiteiros que influenciam o presidente se esquecem de que a inflação derrotou Joe Biden nos Estados Unidos e Olaf Scholz na Alemanha”, diz Marcus Pestana, diretor da Instituição Fiscal Independente do Senado.

A chegada de Gleisi ao governo pode reforçar a busca por um caminho equivocado, fragilizando de vez Haddad, cuja cabeça já vem sendo pedida por aliados do governo. Segundo algumas apostas, a permanência dele na Esplanada estará condicionada à capacidade de se curvar à pressão por mais gastos. “Haddad pode falar o que quiser, mas, quando Lula ordenar que ele pule, o ministro perguntará qual deve ser a altura do salto para agradar ao chefe”, diz Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central e colunista da revista Veja. A eventual capitulação de Haddad deixará o BC sozinho na luta contra a inflação — e com uma única arma: a elevação dos juros. Outra péssima notícia para o Brasil. Como é público o antagonismo dela com Haddad, Gleisi tem procurado minimizar o estrago. “Fui escolhida para a articulação política, e não para a economia”, afirmou. Se alguém acreditou no milagre da conversão ao equilíbrio e à racionalidade, o mercado deu a resposta imediata, com alta do dólar e queda na bolsa seguidas ao anúncio da escolha dela para um posto-chave no governo. Para Haddad, que já desabafou certa vez a um interlocutor que sua missão quase impossível era agradar, ao mesmo tempo, à Gleisi e ao presidente do Banco Central, não poderia haver pior notícia de tê-la agora como colega no governo.

Veja também

Especialistas recomendam “etiqueta respiratória” após carnaval

Quem estiver com sintomas como tosse, coriza e dor de garganta deve manter isolamento social, …

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

error: Content is protected !!