Com a ministra da Saúde, Nísia Trindade, blindada no cargo, emissários do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sondaram o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sobre a possibilidade segundo Andrea Jubé, Fabio Murakawa e Marcelo Ribeiro , do Valor, de seu grupo político indicar um titular para o Ministério do Desenvolvimento Social (MSD), que controla o maior orçamento da Esplanada.
A sondagem foi feita há cerca de dez dias em conversa entre esses interlocutores e Lira, que deve se encontrar com Lula nesta semana para retomar a discussão da relação entre o Executivo e a Câmara. Será a terceira conversa a sós entre eles desde que os deputados quase rejeitaram a medida provisória de reestruturação dos ministérios.
No diálogo, os interlocutores palacianos deixaram claro a Lira que o Ministério da Saúde, cobiçado pelos seus aliados, não entrará em cota partidária em troca de apoio ao governo. Mas mencionaram uma possível concessão ao seu grupo da pasta hoje comandada pelo ex-governador do Piauí e senador licenciado Wellington Dias (PT), responsável pelo programa Bolsa Família, a principal vitrine eleitoral de Lula.
Segundo fontes do Palácio do Planalto, a ideia “ainda está sendo trabalhada” e tem complicadores. Não há ainda aval de Lula para que seja levada adiante. Além disso, Dias é aliado de primeira hora de Lula, e o Piauí foi o Estado que deu, proporcionalmente, mais votos ao presidente em 2022. Um interlocutor de Dias diz que desconhece esse movimento, e que o ministro está em agenda intensa, percorrendo Estados para firmar pactos de combate à fome e de inclusão social. O Valor tentou contato com o ministro, por meio de sua assessoria, mas ele não quis comentar.
A interlocutores, Lira tem negado que seu grupo político esteja interessado em cargos. O presidente da Câmara tem alertado que o principal problema na articulação política é o represamento na liberação de emendas parlamentares ao Orçamento, concentradas na pasta da Saúde. Ou seja, caso esse ponto seja resolvido ainda na gestão de Nísia, a pressão sobre a ministra tende a diminuir. Pessoas próximas a Lira não confirmam que tenha havido uma oferta de entregar o MDS ao grupo.
Se o movimento de fato acontecer, a coordenação do Bolsa Família passaria ao Centrão. Por isso, a proposta encontra resistências entre palacianos e petistas.
Por outro lado, caso o plano seja levado adiante, Lula estaria cortando um ministério “da própria carne”, sem desagradar outros partidos da base. Aliados de Lula e de Lira veem o PT superdimensionado no governo em relação aos votos que tem no Congresso.
Além disso, o movimento facilitaria uma aliança firme com Lira, ao conceder ao presidente da Câmara uma pasta com orçamento vultoso no momento em que o Planalto tenta fidelizar o apoio do União Brasil e atrair para sua órbita o Republicanos, o PP e a fração não bolsonarista do PL.
Na conversa da semana retrasada, Lira tentou convencer os representantes de Lula de que o governo erra ao negociar com os partidos do Centrão de forma isolada. Segundo relatos, esses interlocutores saíram convencidos de que a concessão de um grande ministério, com “porteira fechada”, para os partidos do grupo de Lira resolveria o clima de insatisfação das bancadas e asseguraria governabilidade.
Num primeiro momento, Lira se ofereceu para fazer essa “montagem” na Saúde, argumentando que a dimensão da pasta permitiria contemplar Republicanos, PP e o PL não bolsonarista. A pasta tem capilaridade nos mais de 5 mil municípios brasileiros. E recebe, por definição legal, 50% de todas as emendas impositivas individuais e de bancadas.
Além disso, a Saúde tem o segundo maior orçamento da Esplanada, cerca de R$ 190 bilhões. Fica atrás só do Desenvolvimento Social, com autorização para gastar até R$ 273 bilhões neste ano.
Lira ouviu dos emissários palacianos que Lula não admite a saída de Nísia Trindade, ex-presidente da Fiocruz, da pasta da Saúde num cenário de pós-pandemia. Em contrapartida, a oferta do MDS é uma articulação embrionária, que se avançar, terá desdobramentos somente a partir de agosto.
Em paralelo, o Planalto segue negociando com os partidos individualmente. A troca da ministra do Turismo, Daniela Carneiro (RJ), pelo deputado Celso Sabino (PA), deverá pacificar a relação do governo com o União Brasil.
Ao mesmo tempo, há conversas com Republicanos, PP e fatia do PL para que assumam espaços no segundo escalão. No horizonte, já se discutem as diretorias da Fundação Nacional de Saúde (Funasa).
Essa movimentação foi o pano de fundo da reunião entre Arthur Lira e Nísia Trindade na quarta-feira passada. Segundo relatos de ambas as partes passados adiante, a conversa transcorreu em tom cordial. A pauta oficial foi um gesto de agradecimento de Nísia pela Câmara ter aprovado a MP do Mais Médicos. Na semana anterior, ela também havia feito o mesmo com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
O jornal Valor apurou com fontes da Saúde, do Planalto e do entorno de Lira que a conversa entre ambos envolveu vários temas, desde um pleito dos deputados para elevar o valor de repasses da Saúde às prefeituras até a crise em torno do ritmo de liberação das emendas.
Fontes do Planalto ressaltam que Nísia está blindada por Lula, que a escolheu, sobretudo pelo papel que ela desempenhou na pandemia. Na direção da Fiocruz, ela articulou o convênio com o Reino Unido para a produção da vacina da AstraZeneca no Brasil.
As mesmas fontes não descartam trocas na pasta a Saúde em eventual reforma ministerial mais ampla, que deve ocorrer no ano que vem para ajustar as alianças com as eleições municipais. Até lá, Nísia permanece onde está.