Em época de campanha eleitoral, não são apenas os candidatos ao Palácio do Planalto que têm mudado o discurso, esquecido o que disseram no verão passado e buscado reposicionar sua imagem – uma estratégia de marketing conhecida pelo nome de “rebranding”.
A tentativa de se readaptar às novas expectativas de poder, agora que Lula está em alta nas pesquisas, chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), onde o ministro Dias Toffoli “ajustou” o discurso sobre a ditadura militar.
Os últimos sinais do “rebranding” de Toffoli vieram a público na última sexta-feira (19) segundo a colunista Malu Gaspar, quando o ministro participou de evento com empresários em São Paulo. Na ocasião, Toffoli disse que “não vai ter golpe” e chamou o regime militar de “desastre”.
“Não vai ter golpe, as nossas Forças Armadas são instituições que sabem muito bem o preço que elas pagaram quando ficaram no poder por muito tempo. (…) Quando resolveram ficar, viram que aquilo (a ditadura militar) foi um desastre para a nação brasileira”, afirmou o ministro em tom contundente, abandonando a postura discreta do plenário.
É uma mudança e tanto de tom quando comparado ao discurso do próprio Toffoli há quatro anos.
Em 2018, quando o PT foi destroçado pela Lava Jato, Lula estava preso e Bolsonaro, então candidato do PSL à Presidência da República, despontava com favoritismo nas pesquisas de intenção de voto, Toffoli chamou a ditadura militar de “movimento de 1964”.
“Hoje, não me refiro nem mais a golpe nem a revolução. Me refiro a movimento de 1964”, afirmou em outubro de 2018, durante palestra na Faculdade de Direito da USP.
Na época, Toffoli presidia o Supremo e previa reservadamente um ciclo vitorioso da direita que duraria uns 20 anos no Brasil.
Bolsonaro já atacava as urnas eletrônicas, e Toffoli se via na obrigação defender a confiabilidade do sistema eleitoral.
Por isso, seu aceno aos militares não ficou só no discurso. O ministro também trouxe a caserna para dentro do tribunal, ao convidar o general Fernando Azevedo para ser seu assessor especial na Presidência da Corte. Com o triunfo de Bolsonaro nas urnas, Azevedo deixou as funções no STF em janeiro de 2019 e se tornou ministro da Defesa.
A recente guinada de Toffoli vem chamando a atenção de integrantes do Supremo e de interlocutores do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, responsável pela indicação do ministro ao cargo, em 2009. “Antes, ele fez um movimento muito forte em direção aos militares. Agora tá fazendo o caminho de volta”, alfineta um colega de Toffoli no STF.
“É uma metamorfose ambulante”, provoca um integrante da campanha lulista. “Mas é melhor ele assim do que defendendo 1964.”
Uma parte do PT não perdoa Toffoli até hoje por ter votado para condenar por corrupção o ex-presidente do PT José Genoíno e o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares no julgamento do mensalão — Toffoli, no entanto, se posicionou pela absolvição do ex-ministro José Dirceu.
Lula, por sua vez, não perdoa Toffoli por ter inviabilizado a sua ida ao enterro do irmão, Vavá, em janeiro de 2019.
Num despacho horas antes da cerimônia, o ministro permitiu que o ex-presidente encontrasse os familiares apenas num quartel em São Paulo, mas não no velório, o que fez Lula desistir de sair da cadeia em Curitiba.
Há até pouco tempo, Lula só se referia a Toffoli com mágoa e ressentimento, principalmente por causa da decisão do ministro. Os dois voltaram a se encontrar na badalada posse do novo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, no último dia 16.
Se cumprimentaram brevemente na chegada, e depois conversaram rapidamente após a solenidade – nas duas ocasiões, por iniciativa de Toffoli.
Conforme revelou a coluna de Malu Gaspar, no O Globo em junho, desde o início do ano Toffoli já enviou emissários – dois deputados federais e alguns advogados amigos – para tentar promover a paz entre ele e Lula, mas ainda não conseguiu voltar a ser próximo como no passado.
“Acho que aquela foto que circulou nas redes sociais com uma cena da posse do Alexandre de Moraes (com os olhares de ministros do TSE voltados para Lula, no centro da imagem) simboliza bem quem representa hoje o centro de gravidade política”, comenta um petista com bom trânsito com o meio jurídico.
Para o professor de direito constitucional Roberto Dias, da FGV São Paulo, Toffoli parece “querer se redimir do erro histórico” de ter chamado o golpe civil-militar de 1964 de “movimento”.
“Reconhecer agora que a ditadura militar foi um ‘desastre’ nada mais é do que revelar os fatos como eles ocorreram. Sempre é louvável corrigir os próprios erros.”
Procurado pela coluna, o gabinete de Toffoli informou que não se manifestaria sobre sua recente declaração a respeito da ditadura militar.