O pagamento de indenização de férias levou a juíza aposentada Maria Izabel Pena Pieranti, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), a receber mais de R$ 1 milhão em novembro passado. O holerite da magistrada foi turbinado segundo reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, com R$ 791.367,33 cedidos como “reparação por férias não gozadas”. Outros R$ 286.474,97 estão ligados à venda de dias de repouso remunerado não usufruídos a que tem direito o magistrado por plantão realizado.
O Estadão pediu manifestação à juíza Maria Izabel Pena Pieranti, por meio da assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça do Rio e também via Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (Amaerj), mas não houve resposta até a publicação deste texto.
O subsídio de Maria Izabel é de R$ 35.710,45, somados R$ 5,9 mil em “direitos pessoais”. Com o pagamento de R$ 1.077.872,30 em direitos eventuais, o holerite bruto da juíza bateu em R$ 1.119 493,22. Com descontos de R$ 17.835,47 – não relacionados ao corte pelo teto constitucional -, o rendimento líquido da magistrada foi de R$ 1.101.657,75.
Os direitos eventuais são pagamentos realizados a título de abono constitucional de 1/3 de férias, indenização por férias não gozadas, gratificações natalinas, gratificação por exercício cumulativo, pagamentos retroativos e jetons.
Os pagamentos a Maria Izabel foram realizados no mês em que foi publicada a aposentadoria da magistrada, a pedido dela. No dia 1 º de novembro do ano passado, a juíza deixou a 4.ª Vara Criminal do Rio, onde atuou em processos de grande repercussão, como o do cônsul alemão Uwe Herbert Hahn, do miliciano Adriano da Nóbrega e do influenciador Bruno Moreira Krupp.
60 dias
O caso de Maria Izabel é um exemplo de como a indenização por férias não gozadas acaba elevando o contracheque de magistrados, extrapolando o teto do funcionalismo público e gerando despesas bilionárias para o erário. Os holerites da toga são abastecidos por outros benefícios, como jetons e gratificações recebidas por exercício cumulativo.
Os juízes têm direito a 60 dias de férias por ano, conforme previsão da Lei Orgânica da Magistratura (Loman), em vigor desde 1979 (governo João Figueiredo, último general presidente do regime militar). Na prática, eles tiram 30 dias de descanso – além do recesso de fim de ano e feriados – e “vendem” os outros 30 dias para a Corte à qual estão vinculados sob argumento de acúmulo de ações. Depois, recebem esse “estoque”, sob a rubrica “indenização de férias não gozadas a seu tempo”.
A vantagem foi criticada publicamente pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), em maio do ano passado. “Aceitem as férias de um mês. Acabem com as férias de dois meses”, sugeriu o decano da Corte, durante uma sessão do tribunal, diretamente à Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB).
Existe, ainda, a possibilidade de venda de parte do período de descanso, o que acaba por elevar os subsídios dos magistrados, uma vez que o montante não entra na conta do abate-teto – quando são descontados valores que excedem o teto do funcionalismo público de R$ 41,6 mil, subsídio de um ministro do Supremo.
As vantagens que põem os salários dos juízes entre os mais altos de todo o funcionalismo público têm previsão expressa na Lei Orgânica, nos regimentos internos dos Tribunais de Justiça dos Estados e também em legislações.
Em junho do ano passado, o Estadão mostrou que os tribunais gastaram pelo menos R$ 3,5 bilhões nos últimos seis anos com a compra de férias de juízes, desembargadores e ministros. O levantamento levou em consideração dados disponíveis do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do período de setembro de 2017 a maio de 2023.
Nos cinco primeiros meses de 2023, foram realizados 8.360 pagamentos, somando desembolso de R$ 307 milhões. Em todo o ano de 2022, o gasto foi de R$ 772 milhões. Em 2021, o Judiciário arcou com R$ 677 milhões em indenizações de férias não gozadas.
Outros estados
Como mostrou o Estadão em dezembro, o Tribunal de Justiça do Pará (TJ-PA) pagou mais de R$ 200 mil líquidos a 77 integrantes da Corte em novembro. Em valores brutos, a folha de pagamento do tribunal registrou um gasto de R$ 16,9 milhões com os subsídios dos magistrados. Já o desembolso com férias, gratificações, pagamentos retroativos e indenizações a desembargadores e juízes estaduais foi três vezes maior. Chegou a R$ 61 milhões.
O maior holerite da Corte estadual naquele mês foi o da desembargadora Maria de Nazaré Saavedra Guimarães. Ela recebeu R$ 621 mil líquidos (R$ 643.089,56 brutos). Deste total, R$ 595 mil foram transferidos sob a justificativa de “pagamentos retroativos”. Procurados, o TJ do Pará e a desembargadora não se manifestaram.
No Maranhão, todos os 34 desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado (TJ-MA) receberam subsídios acima do teto em dezembro. O contracheque mais alto, do desembargador Cleones Carvalho Cunha, foi de R$ 172 mil. Com os descontos, Cunha recebeu R$ 116 mil no apagar das luzes do ano passado. Outros 16 desembargadores tiveram holerites acima de R$ 100 mil em valores brutos.
O TJ-MA afirmou à reportagem que os valores mencionados correspondem, em grande parte, a abonos, indenizações de férias e licenças-prêmio. “Os valores mais elevados não configuram prática ordinária, mas, sim, algo extraordinário devido à concessão desses abonos”, disse o tribunal.