O crédito adquirido pelo Centrão com a aprovação da reforma tributária se desvaloriza na mesma velocidade com a qual se produzem boas notícias na economia. O país registra deflação, o câmbio mantém-se aquém de R$ 4,80, o PIB de 2023 foi revisado de 1,9% para 2,5%, e finalmente, registre-se a segunda elevação da nota de crédito de uma agência internacional.
Quando o governo, conforme artigo de Maria Cristina Fernandes, do jornal Valor, se sentar com o Centrão para fechar os cargos terá deflacionado seu preço. Celso Sabino (União-PA), por exemplo, confirmado no Turismo, nem posse tomou. E já faz 20 dias que a reforma tributária, passe da nomeação, foi aprovada na Câmara.
Não é uma circunstância pontual que impulsiona a deflação do Centrão. No lançamento do “ciclo de cooperação federativa” ficou claro que está em curso o resgate da União como eixo da relação com Estados e municípios que havia sido transferido ao Congresso. Dois ministros, Fernando Haddad e Rui Costa, se revezaram para mostrar como as PPPs podem se transformar num instrumento para reformular a relação ineficiente e promíscua entre o Orçamento e a execução de obras públicas.
Se o governo conseguir o que pretende, o que estará em curso é um projeto para não mais se contratar obras, mas serviços. Quem ganhar uma licitação para construir creches, estradas ou postos de saúde terá, também, que apresentar uma proposta, de longo prazo, para a manutenção. É disso que fala a lei das PPPs, de 2004, idealizada por Haddad e pelo atual secretário de reforma econômica, Marcos Pinto.
Essas PPPs nunca deslancharam na magnitude planejada porque os agentes privados não tiveram, de Estados e municípios, garantias de que estes contratos de longo prazo seriam honrados. O que o “ciclo de cooperação cooperativa” prevê é que a União garanta o investimento privado e, em troca, possa reter a transferência para Estados e municípios.
Nada disso é trivial. Trata-se de um mecanismo de contratação complexo e, por isso, demorado. A tendência é que o modelo atual de licitação coexista com o das PPPs ainda por um tempo. O modelo das PPPs tampouco está blindado a fraudes, mas a complexidade de uma parceria que é fechada entre empreiteira e Codevasf, por exemplo, com garantia da União, tem amarras que hoje são impensáveis na frouxa execução de emendas pix.
Por isso, o ministro da Casa Civil chamou de “frágil” e “amadora” a gestão do sistema hídrico, feito, em grande parte, pela Codevasf, e que será alvo de PPP. Este “ciclo” ainda terá que ser aprovado por parlamentares que tentarão preservar algum papel nessa intermediação. Contarão, provavelmente, com apoio de sindicatos de funcionários públicos que temem perder espaço para a gestão privada de equipamentos públicos. O governo conta com os principais interessados nas contratações – prefeitos e governadores -, para dobrar resistências.
Uma mudança desse porte coloca em outra perspectiva o rame-rame da negociação que envolve a entrada do PP e do Republicanos na Esplanada. Uma hora, o governo vai ter que entregar. Até porque o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), pode até ter interesse em agilizar a reforma tributária para adornar sua gestão, mas deixou o arcabouço fiscal por derradeiro. É o que lhe resta para garantir assento na janelinha deste governo. Sem a nova regra fiscal, volta a valer o teto de gastos, o que equivale a colocar um elefante num fusca.
Neste momento, porém, o país estará sob outro cenário. Além da melhora da economia, o governo tem sido hábil em comer a base bolsonarista pelas beiradas. Não apenas porque um governo com perspectiva de ascensão tende a desmobilizar oposição como porque há programas em curso de cooptação. Vide o plano de segurança.
Além do ministro da Justiça, Flávio Dino, e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, só representantes da base bolsonarista falaram. No fim, a comandante dos bombeiros do Distrito Federal, Mônica Miranda, que além da base do ex-presidente, é evangélica, disputou o ministro e o presidente para uma foto.
E, finalmente, quando a negociação, deflacionada, chegar à mesa, o modelo das PPPs tem potencial para colocar os cargos em disputa em outra dimensão. No leilão que envolve a Caixa Econômica Federal e a Funasa, por exemplo, considere-se que, tanto as obras desta última quanto o financiamento, passarão a seguir uma lógica de que embaralha as motivações da ocupação de cargos.
Tome-se ainda o fato conforme Maria Cristina Fernandes, do Valor, de que Lula fortaleceu órgãos de controle antes remontar o presidencialismo de coalizão trazendo o Centrão para dentro do governo em vez de alugá-lo com o orçamento secreto. Tanto o ministro da CGU, Vinícius Carvalho, quanto Dino têm carta branca. A delegação lhes foi dada, diz um ministro, por um presidente que avalia ter sido preso injustamente e, por isso, não tolera impunidade. A Polícia Federal, lembre-se, está com um delegado próximo de Lula.
É bem verdade que, no meio do caminho, tem o ministro Gilmar Mendes a arquivar a Operação Hefesto. Mas isso não deixa de ser um sinal da força do Executivo. Nada melhor para o ministro em questão do que um caso que empareda aquele que pode encrencar o governo.
Lula disse que o Centrão não existe e que ele só negocia com partidos. O alvo foi a pretensão de Lira de falar em nome de uma base cujos votos se julga o aglutinador. O Centrão ainda existe, mas o prêmio que os une perde valor. Foi este o drible de Lula, cuja artrose, no momento, o limita ao meio de campo.