Em meio à rejeição crescente a Jair Bolsonaro (PL), integrantes do Centrão, bloco aliado ao governo, já defendem abertamente o apoio ao principal adversário do titular do Palácio do Planalto na disputa: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que aparece à frente nas pesquisas eleitorais. Lideranças dos partidos nos estados, prefeitos e deputados ouvidos pelo GLOBO avaliam que, apesar do alinhamento nacional, as costuras locais, a popularidade do petista, especialmente no Nordeste, e o negacionismo presidencial na pandemia devem decidir os rumos das alianças.
Pesquisa Datafolha divulgada em dezembro apontou que a atual gestão é rejeitada por 53% da população, o patamar mais alto desde o início do mandato. Na ocasião, Lula apareceu com 48% das intenções de voto, contra 22% de Bolsonaro. Há duas semanas, o mesmo instituto revelou que 58% dos brasileiros acreditam que o presidente atrapalhou a vacinação de crianças contra a Covid-19. Em função dos reflexos negativos da conduta, aliados vêm tentando demovê-lo das críticas insistentes à imunização — por ora, a iniciativa não alcançou sucesso.
Os exemplos de debandada vêm se avolumando pelo país. Prefeito de Nova Iguaçu, quarto maior colégio eleitoral do Rio, Rogério Lisboa (PP) vai apostar na dobradinha entre Lula e o governador Cláudio Castro, que tentará a reeleição pelo PL, sigla do presidente. À vontade no desalinho com o comando nacional do PP, o mandatário diz que nunca houve pedido de sustentação ao atual ocupante do Planalto.
— No meu carro, a bandeira não vai ser do PT, mas do Lula. Não vou com Bolsonaro de jeito nenhum. O PP e Ciro Nogueira estão no coração do governo, mas nunca houve uma orientação de quem eu deveria apoiar. Bolsonaro não consegue sair dos extremos. Não usa a razão tempo algum. Isso de negar vacina, protocolos… Precisamos de consenso, equilíbrio, de um líder — afirma.
“Posições respeitadas”
Em entrevista ao GLOBO durante a semana, o ministro Ciro Nogueira (Casa Civil), integrante do comitê de pré-campanha de Bolsonaro e presidente licenciado do PP, reconheceu a existência de um movimento interno de defecção, mas procurou minimizá-lo: “Essas posições têm que ser respeitadas. Isso não acontece só em um partido específico”, disse.
As movimentações pró-Lula também ficaram explícitas no giro do petista por seis estados do Nordeste, em agosto do ano passado. Na Bahia, o vice-governador João Leão (PP), aliado histórico do PT na região, reuniu-se com o ex-presidente e divulgou a imagem nas redes sociais. Leão é apontado como possível candidato ao Senado na aliança que terá o senador Jaques Wagner (PT) como nome à sucessão do governador Rui Costa (PT). A pressão do comando nacional para que o vice seja candidato ao Executivo não vem surtindo efeito. “Tenho grande amizade, admiração e respeito ao líder político que Luiz Inácio Lula da Silva é para o Brasil. Estamos juntos com Lula”, disse durante a visita.
Filho do vice-governador, o deputado federal Cacá Leão, líder do PP na Câmara e dirigente da sigla na Bahia, diz que a frente que está há 16 anos no governo local será mantida:
— Apesar do apoio nacional a Bolsonaro, temos a garantia de independência e autonomia. O ex-presidente Lula tem buscado a conciliação, somar apoios. A conversa do PP da Bahia e de outros estados, como Pernambuco, é no sentido de ele receber o apoio do partido.
Há a possibilidade, inclusive, de repetição da aliança local unindo PT e PP. Um dos cotados para a vaga de vice é Zé Cocá (PP), prefeito de Jequié, cidade de cerca de 150 mil habitantes. Ele também é presidente da União dos Municípios da Bahia (UPB) e, apesar de publicamente negar a articulação, tem participado de reuniões no Palácio de Ondina nas últimas semanas. Em março do ano passado, ele disse que o PP “marchará com Rui Costa” nas eleições de 2022. Cinco meses depois, participou de um evento com Lula ao lado da deputada federal Alice Portugal (PCdoB-BA). Procurado, ele não retornou ao contato do GLOBO.
Em Pernambuco, o presidente estadual do PP, deputado federal Eduardo da Fonte, esteve com Lula quando ele foi ao estado e sinalizou que o apoiaria na eleição presidencial, segundo petistas presentes na reunião. O parlamentar diz que não vê problema em apoiá-lo nas eleições deste ano e descarta a possibilidade de seguir com Bolsonaro.
Lula tem o apoio ainda da ala pernambucana de outro partido que integra a base de Bolsonaro, o Republicanos. Em declarações públicas, o chefe da legenda no estado, deputado federal Silvio Costa Filho, disse que o presidente nacional da sigla, Marcos Pereira, já foi informado sobre a posição do partido no estado e reforçou que a legenda terá autonomia e independência para seguir com Lula na campanha eleitoral. Costa Filho é aliado do governador Paulo Câmara, um dos maiores defensores no PSB da aliança com o PT na disputa ao Planalto.
— O nosso caminho em Pernambuco será ao lado do ex-presidente Lula — afirmou o parlamentar.
Já na Paraíba, a configuração ainda depende de um acerto local. Inclinado a apoiar Lula, o prefeito de João Pessoa, Cícero Lucena (PP), ainda aguarda um posicionamento do ex-presidente sobre o cenário local. O ex-governador Ricardo Coutinho, adversário de Lucena, se filiou recentemente ao PT — em reação, o prefeito disse que Lula deveria se afastar de “más companhias”.
Para o cientista político Marcus Ianoni, da Universidade Federal Fluminense (UFF), a boa avaliação de Lula no Nordeste e a rejeição a Bolsonaro são dois fatores que devem pesar na escolha das lideranças.
— Os líderes partidários e políticos com mandato já colocam na balança o peso de estarem associados ao presidente Jair Bolsonaro. Os índices de rejeição aumentam a cada pesquisa, e as críticas pela condução do governo federal também. Além disso, Lula tem alta aprovação no Nordeste, estados em que deve ocorrer o maior número de traições dos partidos do Centrão.
Preocupação com a base
A cientista política Maria do Socorro, da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), avalia que o peso e o histórico das alianças locais seguem uma lógica pragmática, em que as chapas são construídas de acordo com a possibilidade de vitória e influência política nos redutos eleitorais.
— Prefeitos, deputados estaduais e até federais se preocupam em como serão votados em suas bases. Os acordos são construídos com base em arranjos, que não necessariamente refletem a posição da direção nacional da legenda — diz.
O acordo nacional com o Centrão também não deve garantir a Bolsonaro sustentação integral no principal palanque estadual que está empenhado em montar, caso de São Paulo. Há no PP, PL e Republicanos indicações de apoio ao vice-governador Rodrigo Garcia (PSDB), candidato do atual titular do Palácio dos Bandeirantes, João Doria (PSDB). O deputado estadual Delegado Olim (PP) disse que não vai apoiar o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, candidato do presidente ao posto.
— Tarcísio foi um ótimo ministro, mas ninguém o conhece em São Paulo. Eu vou apoiar o (Rodrigo) Garcia. Aqui em São Paulo, o PP, pelo menos eu, o (Guilherme) Mussi e alguns outros, pensamos no Garcia — disse o deputado, que integra a base do governo paulista na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp).
Procurado, o deputado federal Guilherme Mussi, presidente estadual do PP, disse que não há nada definido ainda.
— Estamos aguardando a janela partidária. Em breve, haverá encontro entre a direção do partido, deputados e pré-candidatos, para debater sobre o tema — afirmou, por meio de nota.