A Frente Parlamentar Evangélica (FPE), conhecida como bancada evangélica, vem sendo cobrada segundo a coluna de Juliana Arreguy, no UOL, sobre um posicionamento após a revelação de que dois pastores evangélicos exercem forte influência sobre a liberação de recursos do Ministério da Educação (MEC).
O caso foi revelado pela Folha de S.Paulo, que divulgou áudios do ministro Milton Ribeiro admitindo priorizar recursos às prefeituras indicadas pelos pastores, que não exercem cargos no governo. A bancada evangélica vem sendo apontada por analistas como componente de peso para a definição do futuro de Ribeiro, também ele pastor, no governo Jair Bolsonaro (PL).
No entanto, embora apesar de muitas vezes analisada como um bloco homogêneo, a bancada evangélica é ampla, conta com mais de uma religião e é cheia de disputas internas. É o que explica Magali Cunha, pesquisadora do ISER (Instituto de Estudos da Religião) e editora-geral do coletivo Bereia, voltado para a checagem de fatos de temas religiosos.
“É importante para as disputas políticas que a bancada seja vista como um grupo homogêneo, articulado, fechado. Isso não é verdade. São diversos partidos e não só partidos, ali há diversas igrejas e dentro dessas igrejas há também disputas internas entre grupos”, explica.
A bancada hoje conta com 184 membros, sendo 178 deputados e 6 senadores. Apesar do nome, nem todos são evangélicos: há 78 católicos, 3 três espíritas, 1 sem religião e outros 11 que não especificaram suas doutrinas. Os dados foram compilados pelo ISER por meio de levantamentos públicos na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.
Há parlamentares de 20 partidos, incluindo legendas como PT, Cidadania e Novo. As siglas com mais representantes são PSD e PSL (26 cada), Republicanos (22), PL e PP (13), PSDB e MDB (12), DEM (11) e PSC (9).
Membro da FPE, a deputada Paula Belmonte (Cidadania-DF), embora identificada como evangélica, também é frequentadora da União do Vegetal, centro espírita que promove rituais onde os discípulos tomam chá de ayahuasca — bebida de potencial alucinógeno.
Em artigo do ISER, Cunha e a pesquisadora Gabrielle Abreu explicam que a FPE conta com a adesão de muitos parlamentares que estão ali para ampliar as articulações no Congresso. A verdadeira bancada evangélica — esta sim, de atuação nos bastidores e que promove reuniões e encontros — é formada pela diretoria da frente parlamentar e por alguns de seus nomes.
Boato e fisiologismo
Cunha observa que, embora alguns parlamentares sejam de grupos progressistas, há uma predominância de conservadores na FPE. Entre a maioria, há grande participação de deputados e senadores do chamado Centrão, “um grupo articulador de trocas de votos por emendas e benefícios”. Essa relação, afirma, não é de hoje:
“Isso existe desde que o Centrão foi identificado como um grupo articulador de trocas de votos por emendas e benefícios, na Constituinte de 1986, que foi quando se formou a primeira bancada evangélica. Essa bancada estava lá na formação e articulação desse Centrão, negociando emissoras de rádio e TV no governo Sarney”, conta.
Uma reportagem da Folha de S.Paulo de 1995 relata que a bancada evangélica surgiu a partir de um boato: de que durante a Constituinte (período logo após a ditadura militar, quando foi elaborada a Constituição Federal), a Igreja Católica buscava transformar o catolicismo na religião oficial do Brasil.
Embora os boatos tenham sido desmentidos, a bancada não só permaneceu como foi ampliada. Cunha lembra que o próprio Bolsonaro foi apoiado pelas lideranças da bancada evangélica na eleição de 2018, além de ele próprio se declarar cristão e manter pastores de igrejas neopentecostais como aliados.
“Essa proximidade com o Executivo ampliou o poder de barganha e de uso da máquina pública para benefício das próprias igrejas. Mas isso é um comportamento histórico, não é novo”, afirma.
Racha e dissidências
Mesmo entre os evangélicos membros da FPE, há correntes e doutrinas diferentes que levam a disputas internas.
O caso mais recente foi da legislatura de 2019 a 2022, quando cinco lideranças disputaram a presidência da FPE; em outras legislaturas, a bancada se unia em torno de um único nome, sem que fosse necessária uma eleição.
Isso expôs a disputa interna de três dissidências da Assembleia de Deus. “As Assembleias de Deus erroneamente são vistas como grupos homogêneos. Tratam-se de diversas correntes teológicas, de poder, ministérios”, afirma Cunha.
“Assembleia de Deus é uma marca que constrói imagem, capta público. Há divisões ali porque as pessoas não querem abrir mão do nome ‘Assembleia de Deus’, e nessas diferenças é que vemos as disputas dentro da bancada evangélica.”
Magali Cunha, pesquisadora do ISER
Em 2019, a concorrência corria entre Abílio Santana (PL-BA), Cezinha de Madureira (PSD-SP), Glaustin da Fokus (PSC-GO), Silas Câmara (Republicanos-AM) e Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ).
Após diversas discussões, o grupo entrou em consenso sobre a liderança de Silas Câmara, ligado à Assembleia de Deus de Belém. Seu sucessor, em 2021, foi Cezinha de Madureira, que atua no Ministério Madureira, igreja historicamente antagônica à AD Belém.
No entanto, a presidência de Madureira foi alvo de críticas de outros líderes da bancada, principalmente pela aproximação da igreja com figuras de esquerda, como o ex-presidente Lula (PT).
Em 2022, o nome escolhido para presidir a FPE foi o de Sóstenes Cavalcante, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, dissidência da AD Belém e liderada por Silas Malafaia.
Apesar de ter se posicionado publicamente pedindo esclarecimentos ao ministro Milton Ribeiro, Cavalcante declarou que, por não ter indicado nenhum ministro ao governo, a bancada também não iria exigir a saída de nenhum deles. Ele também disse que não recorrerá ao Ministério Público ou à Polícia Federal sobre os áudios vazados por não ter uma “denúncia concreta” contra o ministro.