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sábado 25 de setembro de 2021 às 12:43h

Chance de ‘novas Diretas Já’ contra Bolsonaro divide artistas e celebridades

NOTÍCIAS, POLÍTICA


Fafá de Belém acha que “infelizmente não tem chance” e Maitê Proença não vê “qualquer possibilidade”, mas Walter Casagrande, otimista, deposita “enorme expectativa”, enquanto Roberto Freire considera “urgentemente necessário”.

A ideia de que é possível recuperar o espírito das Diretas Já, só que agora nas manifestações contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), está longe de ser unanimidade entre políticos, artistas e representantes da sociedade civil que foram ícones da campanha, em 1983 e 1984.

A proposta está na cabeça de organizadores dos protestos agendados para o próximo sábado (2) e para 15 de novembro, que falam na utopia de montar um palanque com nomes da direita à esquerda em torno do impeachment do mandatário. Até aqui, tentativas de reedição foram frustradas.

O pano de fundo das eleições de 2022, os ressentimentos de disputas anteriores, a apatia de setores sociais diante das ameaças autoritárias e o medo da pandemia de Covid-19 são algumas das pedras no caminho de eventuais marchas unificadas das oposições a Bolsonaro.

Apesar disso, muitos sonham em reunir no mesmo palco de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) a Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e arrastar multidões comparáveis às vistas no ocaso da ditadura militar (1964-1985) com uma só bandeira: eleições diretas para presidente da República.

FHC e Lula -que, procurados pela Folha, não quiseram comentar o assunto- atuaram na mobilização de 38 anos atrás, assim como Leonel Brizola, Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Miguel Arraes, Franco Montoro, Mario Covas, Orestes Quércia e outros.

A convocação para o próximo fim de semana é encabeçada pelo comando nacional de nove partidos de oposição, ao lado de organizações como a Campanha Fora Bolsonaro e o movimento Direitos Já. Articuladores têm buscado ampliar a iniciativa para segmentos além da esquerda.

O esvaziado ato anti-Bolsonaro de 12 de setembro, puxado por MBL (Movimento Brasil Livre) e Vem Pra Rua, chegou a ser anunciado como um teste para resgatar a diversidade ideológica das Diretas. As convocações com o mote “nem Lula nem Bolsonaro”, porém, afugentaram apoiadores do petista.

“Essa manifestação do dia 12 foi para mim decepcionante, porque era um momento de o Brasil inteiro estar unido”, afirma a cantora Fafá de Belém, 65. “Não vejo uma possibilidade de novas Diretas. Os egos estão muito exaltados. Estão disputando uns contra os outros. Não sei onde a gente se perdeu.”

“Cadê aquele leque de partidos juntos a uma causa? Para sair da ditadura, todo o mundo esqueceu um pouco o seu ego partidário. Depois, cada um que seguisse o seu caminho”, continua ela, lembrada por cantar o hino nacional nos comícios, que foram no total 32, em vários estados.

“Falta um fiel da balança, alguém que tenha um olhar maior que tudo isso, que eu não sei quem é. E que junte do PT ao PSDB, porque neste momento não é para dizer ‘nem nem’. A gente tem que defender o Estado democrático. E eu não vejo isso. Vejo todo o mundo fazendo política pessoal.”

Para a artista, a principal diferença entre a década de 1980 e hoje é que havia uma pauta comum. “Todos estavam contra a ditadura. Então fez-se um leque gigantesco, com uma combinação improvável de pessoas, e todo o mundo foi para as ruas pedir a volta da democracia plena no Brasil.”

Citação As Diretas vieram por uma necessidade de sobrevivência de todos, inclusive da sociedade civil. Crítica de Bolsonaro, Fafá tem ficado distante das manifestações. “Eu ando observando. Já tomei muita porrada, recebi ameaças. O país está muito tóxico. Vejo uma panfletagem danada, mas não vejo uma união nacional entre partidos em torno da ideia de manter democracia e eleições”, diz.

Ela compara a onda das Diretas com a conscientização sobre as vacinas contra a Covid. “Foi a sociedade civil que levantou a voz contra o negacionismo. As Diretas vieram por necessidade de sobrevivência de todos. Apesar de tudo, acredito no povo brasileiro, não consigo desacreditar”, contemporiza.

“Quando houver um movimento realmente suprapartidário pelo país, eu estarei no meio. Mais uma vez”, diz Fafá, ilustrando a ponta de otimismo com uma de suas gargalhadas.

A atriz Maitê Proença, 63, outra personalidade que se envolveu na mobilização, adota tom mais grave sobre uma reedição. “Necessidade há, mas não vejo qualquer possibilidade”, diz, culpando a polarização pelo fracasso de passeatas conjuntas.

E emenda uma análise: “O país está rachado, e o único sentimento forte que nos liga à pátria é o ódio do outro brasileiro ‘errado e mal-intencionado'”.

Para Maitê, “a direita precisa reconhecer que, apesar de a causa ser nobre, a [Operação] Lava Jato praticou ilegalidades. E a esquerda precisa reconhecer que aconteceu corrupção grave nos governos do PT e que, ainda que não houvesse embasamento sólido, os que lutaram pelo impeachment da Dilma [Rousseff] não eram todos golpistas”.

“Nas Diretas, todos queríamos um Brasil livre, maduro, democrático. Agora viramos crianças de novo, e queremos um papai”, teoriza.

A dificuldade de repetir manifestações como as do passado vai além das picuinhas partidárias e ideológicas do momento, na visão do ex-deputado federal Miro Teixeira (PDT-RJ), 76, um dos articuladores da emenda Dante de Oliveira, que previa eleições diretas e acabou derrotada na Câmara em 1984.

“Não existe ninguém que domine o detonador da manifestação de massa expressiva”, diz ele, lembrando que não se enche rua sem povo e que um levante não depende só de convocações e empurrões de partidos ou políticos, mas envolve “algo no consciente ou inconsciente coletivo”.

“É o dia que o povo diz o basta e vai todo para a rua. Se vai acontecer e quando, eu não sei. Está havendo mobilização, essa coisa toda. Mas não posso imaginar o tamanho que isso vai ter.”

“Eu não sou pessimista, porque o pessimista não pode fazer política, mas acho difícil”, completa Miro, que hoje trabalha na pré-campanha de Ciro Gomes (PDT). O presidenciável esteve no protesto do dia 12 e tem estimulado a participação de seus apoiadores nas passeatas pelo impeachment.

Algo com a amplitude das Diretas, diz o ex-parlamentar, “existirá não pela palavra de ordem de partidos políticos, mas pela percepção do povo”. Segundo ele, não se pode esquecer que a pandemia interrompeu por meses as aglomerações e que só agora mais pessoas consideram a adesão segura.

O jornalista Ricardo Kotscho, 73, que viajou o país para cobrir os comícios pela Folha e conviveu com os políticos e principais líderes à frente do movimento, é outro cético. E também menciona a Covid.

“Não é só o medo de pegar a doença, mas também o astral. Nas Diretas, estava se comemorando o fim da ditadura. Havia esperança nas pessoas, que depois dos comícios festejavam um novo tempo. Agora, na esquerda ou na direita, qualquer manifestação parece uma procissão, uma coisa pra baixo”, observa.

Kotscho cita outros fatores: falta de referências na sociedade civil e engajamento instável de organizações como a Igreja Católica e movimentos sociais, estudantis e sindicais, além da resistência de políticos a relevarem diferenças em nome de uma causa maior.

“Uma diferença crucial é que os principais líderes daquela época estavam na oposição. A ditadura era o inimigo comum. Agora, é mil vezes mais confuso, porque muitos deles apoiaram o Bolsonaro em 2018 e tem muita gente disposta a ir para a rua defender o presidente.”

“O Brasil mudou. É outro país, outro momento”, resume o repórter. “Por isso acho que é uma bobagem querer reeditar aquilo ali. Não boto muita fé. Tudo depende do estado de espírito da população. Além disso, não imagino que seja fácil botar o Ciro ao lado do Lula no palanque. Seria uma coisa até artificial.”

O comentarista esportivo da TV Globo Walter Casagrande, 58, pensa diferente. Ele, que participou das Diretas como representante do movimento Democracia Corinthiana, não só acha possível, como deseja uma reação com magnitude semelhante.

“Naquela época, lutávamos pela redemocratização. Hoje, a luta é para defender a democracia. Acho que é um momento de o povo se unir e mostrar força, porque só com movimentos assim, com a participação em massa das pessoas, é que é possível chacoalhar o sistema”, diz.

O ex-jogador também enxerga as brigas entre os políticos como maior entrave. “A vaidade às vezes fica acima da razão. Para que a união aconteça, essas pessoas que são possíveis candidatas têm que realmente se unir, junto com o povo. Pensar no povo brasileiro, não nelas mesmas.”

Casagrande afirma não ter ido a atos recentes por causa da pandemia, mas cogita estar em uma das próximas. “Agora, como já está todo o mundo nas ruas, tenho expectativa de serem parecidas com aquela do Anhangabaú. Eu estava no palanque com Sócrates, Osmar Santos, FHC, Fafá de Belém, Lula.”

“Não conseguimos que a emenda Dante de Oliveira fosse aprovada, mas expusemos o que o país queria. Hoje, a grande massa saindo às ruas vai mostrar qual é a direção que o país quer de verdade, ou seja, que não quer este presidente”, avalia.

A atriz e cantora Zezé Motta, 77, também se diz disposta a engrossar as multidões contra “o nosso atual governo e todas as suas barbáries”. Ela, que entoava a música “Senhora Liberdade” nos comícios de quase 40 anos atrás, conta que fica arrepiada ao se recordar da união “de um país inteiro”.

“O momento carece, sim, de uma forte mobilização como foram as Diretas Já. Não sei se os artistas que estavam presentes naquela época estariam hoje nos palanques. Posso responder por mim. Com garra, estarei lá. Não dá mais pra aguentar isso tudo que está acontecendo”, diz Zezé.

Presidente nacional do Cidadania, Roberto Freire, 79, discursou nas Diretas como porta-voz do PCB (Partido Comunista Brasileiro), sigla que estava então na clandestinidade, e agora é entusiasta de recuperar “aquilo como um certo modelo”, mas sem nostalgia.

“Pode ser uma inspiração no sentido de ser unitário, massivo, com espírito de congraçamento. Ninguém ia lá lamentar a ditadura, mas derrotá-la. A ideia é tentar fazer um movimento contemporâneo, do momento atual”, diz o ex-deputado, que endossa manifestações contra Bolsonaro de qualquer dos lados.

Para Freire, a justificativa das discordâncias entre políticos não pode ser impeditivo para uma coalizão nas ruas. “Os líderes de então não tinham um histórico de disputas nas urnas, mas havia a perspectiva de disputarem eleições. Era algo subjacente. E mesmo assim eles se deram as mãos.”

“Se alguém fizer cálculo eleitoral, estará prestando um desserviço. 2022 a gente conversa depois. Nós temos um único adversário nessas manifestações: contra Bolsonaro e pela democracia”, afirma o dirigente. “Ninguém foi para as Diretas discutir candidatura. O debate se deu depois.”

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